terça-feira, 7 de julho de 2020

MEU CINEMA PARADISO

por Fernando Carvalho
granfernan2004@hotmail.com




Quem se lembra de Seu ZÉ SOZINHO, no inicio da década 1970 em Cajazeiras. Ele bem que poderia ter sido a fonte de inspiração, para uma das mais belas películas que a Sétima Arte já produziu. CINEMA PARADISOSobre ele escrevinhei esta pequena crônica, em 2016.    

Era inicio da década de 70, na minha linda e multicultural cidade de Cajazeiras, alto sertão paraibano. Um senhor humilde, simpático e espirituoso, que respondia pela alcunha de “Zé Sozinho”, percorria de bicicleta os principais bairros da cidade, com um projetor de 16 mm e várias latas de filmes, e tornava a efeito, em salas improvisadas, um pequeno cinema.

O espaço era literalmente improvisado, com alguns bancos e caixas de madeiras, onde alguns petizes sentavam-se, quando não, no próprio chão, muitas vezes de terra batida.

Eu, pessoalmente, levava de casa meu banquinho de madeira, adrede e esmeradamente, fabricado pelo meu avô, para ocasião tão especial. A cabine de projeção praticamente não existia. Eram apenas dois enormes caixões, no meio da sala, um sobre o outro, e um projetor de 16 mm, já um tanto desgastado pela ação deletéria do tempo, em cima, onde “Zé Sozinho” manuseava-o, em pé, sobre uma cadeira.

Os gêneros das películas, projetadas, resumiam-se a clássicos da Cinédia, da Atlântida e títulos internacionais de aventura, Faroestes e Bíblicos.

Cascavilhando, em minha, já fraca memória, fatos acontecidos durante essas mágicas e nostálgicas exibições, lembro-me de um fato marcante e até certo ponto engraçado, ocorrido durante a exibição da película: TARZAN O REI DA SELVA.

Como “Zé Sozinho” dispunha de apenas um projetor, quando finalizava o primeiro rolo da película, a exibição era interrompida, para que ele fizesse a substituição do segundo rolo.
Pois, quando era para ser inserido o segundo rolo da película em “epígrafe”, “Zé Sozinho” bradou num megafone (confeccionado de lata de querosene, por seu Joaquim “flandeleiro”):
- “Vocês preferem que eu coloque a segunda parte de TARZAN O REI DA SELVA, ou a primeira parte de DJANGO VEM PARA MATAR”?

Fiquei, profundamente, triste, quando a maioria dos guris, optaram pela primeira parte de DJANGO VEM PARA MATAR! Voltei para casa, decepcionado, e demorei a dormir nessa noite, indagando a mim mesmo, “como pode eles optar pela primeira parte de um outro filme, já que ficaremos com dois filmes inconclusos, em nossas mentes”?

Confesso que foi o único desalento que tive de “Zé Sozinho”, pois as películas que tive a oportunidade de assistir posteriormente, inteiras, vale ressaltar, foram excepcionalmente significativas para um pré-adolescente, com o cérebro em ebulição, que acabara de se encantar pela SÉTIMA ARTE, a exemplo de: SALUTE TO THE MARINES (não me lembro do nome em português), ESPARTACUS, LAWRENCE DA ARÁBIA, CLEÓPATRA, ERA UMA VEZ NO OESTE, A CONQUISTA DO OESTE, DOUTOR JIVAGO, BEM-HUR, e muitos outros épicos americanos, em que minha memória, já desgastada pela ação do tempo, não permite lembrar.

Hoje, aqui sentado, numa confortável poltrona, numa luxuosa sala de exibição, de um ostentoso SHOPPING CENTER, onde tive o “insight” de escrever esta crônica, eu pergunto, a mim mesmo: - “Por que, aqui não sinto a atmosfera mágica e encantadora que sentia, quando na minha pré-adolescência, sentado em meu banquinho de madeira, assistia as exibições cinematográficas de Zé Sozinho?”.

Uma voz, serena e de tom poético, saindo do meu subconsciente, responde:
- “Fernando, Zé Sozinho, não apenas, projetava películas, ele projetava sonhos, especificamente, o sonho dele mesmo, quando decidiu perambular, pela estrada da vida, a levar arte e encantamento pelas bibocas de um sertão tão inóspito, que para a maioria das pessoas, apenas sobreviver, já é ter vencido uma grande batalha”.

Ao que “meu eu” consciente, responde:
- “Verdade, Zé Sozinho projetava sonhos!” Mas, não apenas projetava, ele realizava sonhos.
“Como realizou o meu sonho, de ser ator coadjuvante, na vida real, no meu CINEMA PARADISO, nos meus tempos felizes de menino”.

João Pessoa
16 de maio de 2016





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