Enigmas de nosso tempo
_________________________________Escreveu, Mariana Moreira
O nome e o lugar estão se dissipando em
meras memórias. Figuram mais como sonoros e remotos lugarejos ou designações de
espaços que soam como nomes exóticos, andando de costas para o tempo. Assim é o Riacho da Curicaca, que vem sendo
engolido, de forma voraz e insaciável, pela especulação imobiliária que,
ao arrepio de qualquer vigilância pública, espalha suas garras movidas tão
somente pelos interesses do lucro fácil. Uma fome que se alimenta de aterros e
terraplanagem convertendo em loteamento córregos e riachos margeados por
touceiras de oiticicas, por locas de pedras onde se escondiam sapos e lagartos
que se esgueiravam de possíveis predadores ou se protegiam do sol.
E o Curicaca que, em tempos de invernadas abundantes, cantava
afinada música de água barrenta borbulhando em pequenas cachoeiras e remoinhos
improvisados em formações rochosas que se amontoavam em seu estreito leito, vai
definhando e amofinando como a antecipar seu cruel destino de ser apenas
um inanimado canal por onde escorre os fétidos esgotos urbanos. As formações
rochosas de seu leito não resistiram ao impacto feroz dos explosivos e se
converteram em pedras de calçamento deixando nu e exposto teu espinhaço ossudo
de pedras e crateras. Tuas oiticicas ardem implacáveis em fornos de padaria ou
em churrasqueiras que deliciam aprazíveis encontros de amigos e distanciam
nossa responsabilidade com nossos recursos naturais.
E a cidade cresce e se verticaliza.
Surgem os primeiros edifícios de mais de quatro andares. Um positivo sinal de
que o crescimento econômico impulsionado, sobretudo, pela expansão de seus
serviços educacionais, que atrai para a cidade estudantes universitários de
vários estados da região, vem criando alternativas de vida para a população
fora do combalido esquema agricultura-pecuária. As ruas se apinham de
automóveis que disputam aguerridamente as parcas vagas de estacionamento
enquanto esperam que o poder público defina regras racionais paras disciplinar
essa área. As novas construções sinonimizam progresso, mas negligenciam um
aspecto fundamental para quem vive numa região marcada por uma configuração de
semiaridez: a falta de água e a relevância vital que a água da chuva que, em
muitos anos, cai de forma irregular, assume como estratégia de vivência e de
convivência. Não se observa, nestas construções, nenhuma iniciativa de
armazenar a água da chuva que, acumulada em cisternas, pode ser necessária para
o atendimento de várias necessidades, como descargas sanitárias, banhos,
limpeza doméstica, rega de jardins, lavagem de carros e calçadas. Atividades
que, no momento, são realizadas com água tratada e, escassa. Além da escassez,
essa água, para tornar-se adequada ao consumo humano, sofre um processo de
purificação que redunda em investimentos financeiros realizados com dinheiro
público, ou seja, de nossos impostos. Dinheiro que se torna ausente em
hospitais, escolas, estradas, afligindo pessoas e antecipando vidas.
Enquanto isso fica a pergunta: quem sabe onde é, ou era, o riacho da Curicaca?