MEMÓRIA
por Cleudimar Ferreira
Tudo parecia novo e festivo, mesmo que ainda
não tivesse completado sequer a primeira quinzena de janeiro daquele ano. Porém em se tratando de fase de adaptação, já era o suficiente para recomeçar e
fazer novas amizades, mesmo num cenário profuso que aquela rua do bispo me oferecia, muitas vezes estampada a olho nu, nas inúmeras imagens dos tantos garotos de comportamento
urbano que a mim se dirigia, numa nítida tentativa de acercamento, procurando
de imediato fazer novas amizades.
Até achava que alguns não mereciam confiança. Entretanto, mesmo retraído, acreditava que outros tinha boas intenções e que
mesmo minha cultura sendo rural, ariscar uma aproximação com certos
comportamentos urbanos era algo necessário e inevitável no decorrer do tempo.
Não hesitei e o meu lado tímido, acanhado, deixei de lado. Não desmerecendo os
demais, mas a primeira amizade pra valer naquela rua foi com o meu vizinho Ariosvaldo.
Valdo como era chamado por todos, era natural
de Curais Novos, Rio Grande do Norte. Gostava de Música, Jovem Guarda, Cinema e Roberto.
E foi através dele que eu entrei pela primeira vez em um cinema - no Cine Teatro Éden,
principal cinema de Cajazeiras. Lembro sem nenhum broqueio que certa vez
estávamos ouvindo na vitrola da casa dele, "O Inimitável”- LP recém-lançado pelo rei, que seu pai havia
acabado de comprar na loja “Raio Discos”, quando ele perguntou se eu já tinha
ido ao cinema. Curioso, respondi ao mesmo fazendo uma pergunta. O que é cinema? Ele
olhou para mim, exibiu um ligeiro sorriso e não respondeu a minha curiosidade.
Ora, eu um adolescente advindo de um ambiente rural, lá sabia o que era cinema.
Por entender que eu ainda não estava por
inteiro adaptado às coisas boas da cidade, ele me convidou para no domingo a
tarde ia ao Cine Éden assistir um filme, que segundo ele era um dos melhores em
exibição no Éden. Aos domingos, à tarde, acontecia as matinês e sempre o cinema
lotava. Um momento ideal para se trocar e vender revistas, conhecer outros garotos e
garotas e fazer novas amizades. Era tudo que precisava para me adequar aos costumes da vida moderna na cidade e o cinema parecia ser o local favorito para se viver e conhecer as novidades do mundo.
Aproximei-me do meu pai e falei: Papai, eu vou ao cinema com Valdo e outros meninos e quero dinheiro para pagar a entrada. Meu pai virou repentinamente e foi logo perguntando o que era cinema e onde ficava essa coisa. Depois de tentar explicar, mesmo sem saber direito o que era, ele perguntou quanto era a entrada e mandou que eu pegasse o dinheiro na gaveta da bodega. Quando abri aquele dito compartimento, só havia as moedas de centavos. O grosso como se fala popularmente ele havia retirado e colocado debaixo do colchão da cama que ele dormia com minha mãe, justamente do lado onde ele dormia.
Como a entrada era um
cruzeiro e cinquenta centavos, tive que levar esse percentual em moedas de um centavos. Ao chegar à portaria do Cine Éden, a fila estava extensiva, mas em
compensação estava andando, graças à agilidade da bilheteria. No momento da
compra do ingresso, tirei as quinze moedas do bolço da calça coringa e coloquei
no buraco da bilheteria e a mulher que vendia os ingressos olhou para mim e
começou a contar as moedas. Quando recebi das mãos da bilheteira o ingresso, a
minha ansiedade se misturou com a curiosidade de conhecer o que era o tal cinema que Valdo e aqueles garotos felizes naquela fila exibiam nos seus rostos.
Entrei naquele espaço cheio de cadeiras e um
som ambiente tocando músicas da época. Fiquei encantado com o tamanho do
ambiente, principalmente com aquele cortinado enorme na nossa frente. Era como
se ali, estive escondido alguma coisa que nós não poderíamos ver por enquanto. Passado alguns minutos, senti quando de repente, as luzes começaram
aos poucos se apagarem e juntos com elas vários toques diferenciados e
sincronizados exauria um som forte no composto ambiente do Cine Éden. Essa reentre me fez
ficar tenso, atento, colado na cadeira de madeira do auditório do cinema.
Tudo foi ficando escuro naquela sala de exibição e a espera do que ia acontecer, passou a ser o que eu mais tinha curiosidade. Após o cessar daqueles sinais sonora, eis que de repente um imenso retângulo luminoso, surgiu por traz da enorme cortina que aos poucos, devagarinho, começou a se abrir e exibir imagens que eu nunca havia visto. As imagens em preto e branco, intercaladas, passaram a mostrar fragmentos de filmes por um bom tempo e só parou quando a abertura da Fox surgiu rasgando a tela panorâmica do Cine Éden, com sua marca tridimensional e a belíssima peça sonora de fundo, marcando o inicio do filme em cartaz daquela matinê: “Meu Nome é Pecos” com Robert Woods. Um western italiano dirigido por Maurizio Lucidi em 1967 e um dos filmes mais importantes da carreira do ator Robert Woods.
Após passar duas horas nas dependências do Cine Éden, vi aquela sessão de cinema chagar ao fim e como princípio de tudo, o começo da minha paixão por cinema - bem praticada, vivida poeticamente a partir dos bons filmes que assisti e também com as boas amizades que fiz com parte dos trabalhadores das três salas de exibições que havia em Cajazeiras. A natureza simbiótica que senti quando estava com amigos à espera do inicio da minha primeira sessão de cinema, que eu não imaginava como seria, ficou marcada para sempre como o meu ápice de cinéfilo prematuro. E tudo começou no cinema mais popular que a cidade teve - o Cine Éden.