terça-feira, 30 de junho de 2020

CAJAZEIRAS VISTA PELOS RETRATOS ANTIGOS

Rua Epifânio Sobreira - Centro Comercial de Cajazeiras

Pereira Filho

Pensei escrever algo sobre “retrato”, onde as pessoas, há décadas, falavam assim e nos dias de hoje falam “fotografia”. Naquela época, as pessoas falavam “bater um retrato”, que era nas cores preta e branca, e hoje falam “tirar uma foto” que já é a cores. Devido à evolução tecnológica mundial nas últimas décadas, a máquina de tirar retrato foi substituída pela câmera fotográfica. Portanto, neste artigo vou sempre escrever retrato. O retrato 3x4 colado nos documentos de identificação a exemplo da Carteira de Identidade, Carteira de Trabalho, Ficha de Cadastro dos funcionários, Passaporte e outros mais, sendo que nos dias de hoje são usadas fotografias a cores no tamanho 5x7. 

Lembro que os alunos tinham a Carteira de Estudante para acessar e pagar a metade do preço nos cinemas, teatros, circos e clubes sociais. Essas carteirinhas eram emitidas pela Associação dos Estudantes Secundários de Cajazeiras (AESC) e tempos depois pela Secretaria da Educação e Cultura do Governo do Estado da Paraíba. O retrato na carteirinha era colado à direita na parte superior. A máquina de bater retrato Gebruder, a mais antiga, foi fabricada na Alemanha em 1890 e hoje são várias marcas de câmeras fotográficas, com diversas especificações de manuseio para uso geral.

Lembro que muitas famílias, principalmente em cidades do interior e na zona rural, gostavam de expor retratos de famílias em molduras de madeira com vidro transparente nas paredes das salas de visita. Algumas famílias fixavam, ainda, próximas a moldura do retrato, passarinhos (biscuit era assim que era falado) feitos de porcelana em cores variadas. Interessante, era a posição deles como se estivessem voando no sentido do telhado da sala. O retrato é uma forma do ser humano conhecer o passado da sua família: pais, avós, bisavós, parentes e amigos. O que seria do mundo se não tivesse havido a máquina de bater retrato! Imaginamos, hoje, você conhece Cajazeiras de antigamente, seus moradores, seu cotidiano e tudo aquilo que nos proporciona um conhecimento através dos retratos antigos.

Hoje, com a tecnologia do mundo virtual, através do “Facebook”, estamos conhecendo melhor a história antiga da nossa cidade e vendo através dos retratos, onde muitas pessoas postam retratos de famílias e amigos em festas, reuniões, passeios, formaturas, competições esportivas, ambientes de trabalho e tantos outros recintos. Depois de várias décadas sem encontrar Cajazeirenses e Cajazeirados, que foram morar em outras cidades, da mesma forma que saí de Cajazeiras em 1971 e vim morar em Brasília, foi através do antigo Orkut e agora o Facebook, onde consegui muitos retratos de Cajazeiras.

Acredito que muitos Cajazeirenses e Cajazeirados têm, pelo menos, um retrato guardado ou postado no Facebook. Por outro lado, acredito também, que poucos Cajazeirenses e Cajazeirados têm muitos retratos sobre diversos perfis e eu sou um destes poucos, porque tive essa ideia de garimpar esses retratos. Naquela época, poucas pessoas tinham condições de comprar uma máquina de bater retrato, principalmente a Kodak, que era considerada uma das melhores marcas. Hoje, praticamente, quase todas as pessoas no mundo têm suas câmeras fotográficas, por ela já vir acoplada no celular. A tecnologia criou o “dois em um” (telefone e câmera). Naquela época, também tinha o fotografo ambulante (pessoas profissionais conhecidas por lambe-lambe) que ficavam nas áreas de laser como praças, feiras, jardins e rodoviárias, onde a máquina de bater retrato ficava dentro de uma caixa de madeira, fixada na parte superior de um tripé de madeira.

Nos anos sessenta em Cajazeiras, funcionava quase no final da Rua Padre José Tomaz, próximo à esquina com a Rua Padre Rolim, o “Foto Recife”, do senhor Cícero Batista e na Rua Pedro Américo, entre as ruas Sebastião Bandeira de Melo e a Siqueira Campos, funcionava o “Foto São Luiz”, do senhor Luiz Antônio. Se existia outro estúdio fotográfico em Cajazeiras, naquela época, eu não me lembro. Hoje, segundo fontes de pessoas que residem na nossa cidade, dois Cajazeirenses que residem lá, têm um grande acervo de retratos, são eles: Leopoldo (Borracha) e Aguinaldo Rolim. Quando eu morava em Cajazeiras, na minha casa não tinha máquina de bater retrato, mas tenho três retratos: um, com meus irmãos, irmãs e minha mãe, batido no final do ano de 1958; outro, da “Recordação Escolar” quando eu estudava no Grupo Dom Moisés Coelho no ano de 1959 e, o terceiro, quando eu estava servindo o Tiro de Guerra em 1969. Não me lembro quem bateu esses retratos. Hoje, eu tenho um arquivo com mais de oitocentos retratos antigos de Cajazeiras. Mas como eu consegui tudo isso! Explico. O antigo Orkut e a atual rede social Facebook, foram quem me proporcionaram fazer amizades com muitos Cajazeirenses e Cajazeirados espalhados nesse Brasil de meu Deus. Exemplo: eu tinha mais ou menos mil amigos nessas redes sociais e rastreava um a um a procura de retratos antigos de Cajazeiras e na proporção que eu ia encontrando, eu copiava para um HD (pendrive) de 500 Giga, que tem a capacidade de armazenar 100 mil fotos e 125 mil músicas em MP3, e assim fui aumentando minha coleção. Dessa forma, meu Orkut e depois o meu Facebook foram sendo muito acessados por esses amigos (as) onde eles viam muitos retratos antigos de Cajazeiras anos 60 e 70. Ou seja, isso facilitou para eles, porque iam encontrar muitos retratos em um só lugar. Também copiei muitas fotos dos Blogs de Cajazeirenses, a exemplo do “Coisas de Cajazeiras” e Retrovisor, do Jornalista, Radialista e Multimídia, Christiano Moura; Sete Candeeiros, do Advogado, Dirceu Marques; O Último dos Moicanos, do Economista e Empresário, Claudiomar Matias Rolim; Cajazeiras de Amor, do Teatrólogo, Claudimar Ferreira e meu mano Eduardo também tem seu acervo de retratos antigos de Cajazeiras anos 60. Copiei retratos do acervo do Professor Francelino Soares, postadas no Blog Coisas de Cajazeiras. Sempre lembrar em dá crédito ao postar, se não esquecer.

O mundo evoluiu muito nas últimas cinco décadas, fazendo com que a construção civil mudasse a originalidade de muitos imóveis, tanto residencial como comercial, com reformas e construções nas cidades. Pequenas cidades se transformaram em grandes metrópoles, a exemplo de Cajazeiras e isso fez com que muitas residências se transformassem em comércio. Alguns prédios foram desativados e não reformados. O Clube 1º de Maio foi demolido e no lugar foi construído um espaço de laser com quadras de Futsal (Futebol de Salão). A antiga Rodoviária Antônio Ferreira foi desativada, devido à administração municipal ter construído uma nova rodoviária, na Rua Padre Rolim, próximo ao Hospital Regional, o antigo prédio continua desativado há décadas, ocupando um espaço muito valioso. O casarão da família Epifânio Sobreira continua como antes, muito bonito, ganhou uma nova pintura onde hoje está instalada a Secretaria de Cultura e o Museu do Futebol. Ao lado desse casarão, antes era um muro, que foi transformado em uma quadra de esportes. A casa de Maciel (o mouco), não lembro o nome dele, que fica localizada na Rua Pedro Américo, esquina com a Rua Sebastião Bandeira de Melo, continua original com suas paredes externas em tijolos, que nunca foram rebocadas. O Colégio Diocesano Padre Rolim continua como antes, mas com nova pintura, porque lá funciona a FAFIC (Faculdade de Filosofia Ciências e Letras) e o prédio da Rua Padre Rolim, onde era a Ação Católica, funcionou a FAFIC e hoje funciona a 9ª Nona Regional de Educação, com sua edificação original e com nova pintura.

No final da Praça João Pessoa, ao lado da subida das escadarias do Baldo do Açude Grande tem um prédio antigo, que talvez fosse ao futuro, um cinema, continua até hoje do mesmo jeito e acredito que o mesmo esteja embargado na Justiça há quase cinquenta anos. O Prédio das Freiras, assim era chamado, que fica localizado entre as Ruas Pedro Américo e Felismino Coelho, foi ocupado nos anos sessenta, na parte de baixo, pelo Cine Pax da Diocese, depois foi desativado o cinema e reformado, onde hoje funciona a administração da Diocese. Na Rua Pedro Américo, esquina com a Rua São Francisco, o velho Circulo Operário continua original, mas com nova pintura. Ainda na Rua Pedro Américo, esquina com Rua Padre José Tomaz, tem um belo casarão, que era do senhor Sinval do Vale, era um dos mais bonitos de Cajazeiras, continua original. O casarão de Dr. Zuca Peba, que fica ao lado da Catedral, continua original com pequenas reformas de pintura. O Colégio Comercial Monsenhor Constantino Vieira (Colégio Comercial) perdeu sua originalidade, foi demolido, dando vez a uma grande edificação educacional.

O prédio antigo na Praça Coração de Jesus (Praça dos Carros), que era de Álvaro Marques, hoje está com pequenas reformas e pintura nova, lá funciona uma Boutique. Na Rua Padre Rolim tem várias residências antigas originais, que eram de famílias ricas e continuam quase originais. No final da Rua Barão do Rio Branco (Rua dos Ricos), ao lado do Baldo do Açude Grande, tem um casarão que foi da família do senhor Zé Palmeira (marchante), continua original. A Ponte de Madeira do sangradouro, com seus cabos de aço nas laterais, servindo de corre mão, era muito bonita e frequentada pelos Cajazeirenses na época das fortes chuvas, que caiam na cidade, fazendo com que as pessoas iam apreciar a descida das águas junto com as piabinhas, suvelas e corrós. Outro prédio antigo era o da Estação Ferroviária, que foi desativado e hoje funciona o Núcleo de Extensão Cultural da UFPB; a Sanbra (Sociedade Algodoeira do Nordeste Brasileiro), que funcionava no final da Rua Desembargador Bôto, saída para Sousa, foi demolida para ser construído prédios comerciais. A indústria algodoeira de Major Galdino, que funcionava na Rua Paulo Pires, próximo a Rodoviária Antônio Ferreira, também foi desativada, mas o prédio continua fechado e nunca foi ocupado.

O meu arquivo de retratos mostra a Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras (FAFIC), a primeira instituição de ensino superior, fundada em 17 de janeiro de 1970, que foi instalada no prédio da Ação Católica. Os colégios: Diocesano Padre Rolim, Nossa Senhora de Lourdes, Estadual e Monsenhor Constantino Vieira. Os grupos escolares: Dom Moisés Coelho, Monsenhor Milanês, Professora Lica Dantas e Monte Carmelo. As igrejas: Catedral e Nossa Senhora de Fátima. A Prefeitura, a Estação Rodoviária Antônio Ferreira, os Correios e Telégrafos, o Hospital Regional, a Estação de Trem, o Cristo Rei, o Baldo do Açude Grande com seu sangradouro. Os Clubes Sociais: Cajazeiras Tênis Clube, Clube 1º de Maio, Jovem Clube e AABB. Os Cines: Éden, Cruzeiro, Apolo XI e o PAX. As Rádios: Alto Piranhas e a Difusora Rádio Cajazeiras. A fachada e o estúdio da NPR (Norte Publicidade Radiofônicas) e a Voz do Sertão, ambos na Praça Camilo de Holanda. As Praças: João Pessoa, Cardeal Arcoverde (Catedral), Nossa Senhora de Fátima com seu coreto, Dom Moisés Coelho (Espinho), Congresso (atrás da Prefeitura), Coração de Jesus (dos Carros) e Camilo de Holanda. Os desfiles do Dia 7 de setembro dos Colégios, Escolas Públicas e o Tiro de Guerra. Alguns retratos mostram as Ruas: Dr. Coelho, Juvêncio Carneiro, Padre José Tomaz, Higino Rolim e outras.

Tem ainda os retratos dos acontecimentos sociais da cidade realizados em vários locais, a exemplo da Semana Universitária, os comícios e as passeatas para Eleições municipais, as festas religiosas nas Igrejas (Natal, Ano Novo, Semana Santa, Missa, batizados, procissões, quermesses), dos programas de auditório no Cine Éden aos domingos pela manhã e muitas coisas. Alguns retratos mostram a torre da Catedral em fase de construção e depois de concluída e também da Prefeitura. No ano de 2010, ano em que foi criado a AC2B (Associação dos Cajazeirenses e Cajazeirados de Brasília), meu mano Eduardo, que fazia parte dessa associação, criou um blog para a AC2B, e sugeriu aos Cajazeirenses e Cajazeirados, que quisessem enviar qualquer material ou fotos para divulgar Cajazeiras. Foi pensando nessa ideia do mano, que eu tive a iniciativa de escrever alguma coisa sobre Cajazeiras anos sessenta e assim fiz. Hoje, tenho mais de cinquenta artigos sobre “Cajazeiras Anos 60” e “Cajazeiras Quase Memória”. Tempos depois tive a ideia de garimpar retratos antigos de Cajazeiras e assim pensei em escrever esse artigo “CAJAZEIRAS VISTA PELOS RETRATOS ANTIGOS” se baseando nos artigos e no meu acervo de retratos.

E para finalizar, foi pensando nesse trabalho, que no futuro meus netos e muitas crianças, principalmente de famílias Cajazeirenses e Cajazeirados irão conhecer Cajazeiras antiga através dos retratos e artigos. “Viver o futuro é também conhecer o passado”.



sábado, 27 de junho de 2020

Boa recordação de Solha sobre o convite de Suzana a Marcélia para viver Macabéia.



Waldemar José Solha
escritor, dramaturgo e artista plástico.

Ontem à noite me lembrei da enorme simplicidade de Marcélia Cartaxo ao me contar, na plateia do Theatro Santa Roza, no final dos anos 80, que - depois da apresentação, em São Paulo, da peça “Beiço de Estrada”, de Eliezer Rolim, de que fizera parte estava tirando a maquiagem, quando uma colega disse que “aquela véia” estava querendo falar com ela. 

Era Suzana Amaral - que morreu agora, aos 88, então apenas cinquentona.
- Vixe, diga que agora num posso não!
- Ela disse que é muito importante. 
E era: vinha convidá-la pra um teste a fim de fazer a Macabéia de “A Hora da Estrela” - filme em pré-produção, baseado no romance de Clarice Lispector.

A diretora se entusiasmara ao vê-la em cena, pressentindo, ali, a sua grande intérprete.
- Como ela me disse que mandaria a passagem pra isso, Cajazeiras em peso ficou esperando pelo acontecimento. Na demora, acreditou-se que a história fosse furada, mas de repente chegou.

Fernanda Montenegro contracenou com ela, nesse teste - Marcélia me disse. Terminada a cena, Suzana Amaral ia sugerir algumas retificações, a grande dama do teatro e da TV e do cinema disse que... Deixasse a coisa fluir. Bem, Marcélia ganhou o Urso de Prata por sua interpretação, no Festival de Berlim de 1985. Mas emoção maior lhe veio no festival de Brasília, em que a colocaram no palco, enquanto a plateia delirava, e ali - temo que minha memória exagere - ela se encolheu, em posição fetal.

Vem fazendo uma grande carreira. Difícil esquecê-la domo a Laurita de “Madame Satã”, do Karim Aïnouz. Foi aplaudida de pé - segundo Fabiano Ristow, de O Globo - aos gritos de “viva Marcélia”, por causa de sua performance arrebatadora e emocionante no filme “Pacarrete”, de Allan Deberton”. Contracenei com ela no curta “Antoninha”, do Laércio Filho, do qual ela era, ainda, diretora de elenco, Em 2010. A mesma simplicidade. 

Vermeer deve a celebridade a Proust, que botou um personagem a se empolgar com o quadro “Vista de Delft”, no “Em Busca do Tempo Perdido”. Zé Américo foi alçado à fama por um artigo em que Tristão de Athayde bradava, ao ler “A Bagaceira”: “Romancista ao Norte”. Marcélia teve a Suzana Amaral. Devemos isso à grande cineasta.



terça-feira, 23 de junho de 2020

Cajazeiras vai comemorar centenário de Deusdedit Leitão



Linaldo Guedes
linaldo.guedes@gmail.com

O ano de 2021 vai marcar o centenário de nascimento do historiador e escritor paraibano Deusdedit Leitão. A data vai proporcionar eventos e homenagens ao historiador nascido em Cajazeiras em 7 de maio de 1921. O presidente da Academia Cajazeirense de Artes e Letras (Acal), Francisco Cartaxo, criou uma comissão especial comemorativa do centenário de Deusdedit, que é patrono da cadeira 11 da entidade.

A comissão será coordenada pelo acadêmico Rui Leitão, filho de historiador e também colunista de A União. Integram, ainda, a comissão, os acadêmicos Francelino Soares de Souza, José Antônio de Albuquerque, Mariana Moreira Neto e Ubiratan Pinheiro de Assis.

A Comissão terá, entre os objetivos e atividades fundamentais, elaborar um esboço de Programa Comemorativo do Centenário de Deusdedit Leitão, que contenha, pelo menos, os seguintes itens: indicação de eventos, obras, ações e atos relacionados com o homenageado, incluindo previsão de despesas e possíveis fontes de receitas, com o respectivo cronograma físico-financeiro.

Para o desempenho de suas atribuições, a comissão terá ampla autonomia de articular-se com outras instituições, a exemplo da Academia Paraibana de Letras, Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, Universidade Federal de Campina Grande, Universidade Federal da Paraíba, Prefeitura Municipal de Cajazeiras e qualquer entidade governamental ou da esfera privada.

Deusdedit foi um dos mais renomados historiadores da Paraíba. Desde cedo demonstrou interesse na genealogia quando lançou seu primeiro trabalho escrito, a plaqueta “A Família Sá no município de Sousa”, em 1955.

Na capital paraibana, tomou a iniciativa de consultar alguns pesquisadores sobre a possibilidade de organizar uma entidade destinada ao estudo da genealogia. Promoveu encontros com o juiz Luís Sílvio Ramalho, jornalista José Leal, presidente da Associação Paraibana de Imprensa, e Sebastião de Azevedo Bastos, que já havia escrito um trabalho de fôlego sobre a família Azevedo e outras famílias no Nordeste.

Assim, em 19 de novembro de 1967, foi fundado o Instituto Paraibano de Genealogia e Heráldica, em reunião realizada na sede da API. Além de Deusdedit, Ramalho e Bastos, compareceram os desembargadores Manuel Maia de Vasconcelos, Sebastião Sinval Fernandes e Paulo de Morais Bezerril, juiz João Sérgio Maia, professores Humberto Nóbrega e Paulo Pires. Outras figuras da intelectualidade paraibana assinaram a lista de presença. Deusdedit presidiu aquele Instituto durante algum tempo.

Deusdedit foi membro do Instituto Histórico e Geográfico da Paraíba, membro do Conselho Estadual de Cultura e da Academia Paraibana de Letras, onde ocupou a cadeira 16, que tem como patrono
Francisco Antônio Carneiro da Cunha.

Publicou várias obras: “Mossoró e o sertão paraibano”, “A família Sá no município de Souza”, “Presença da Paraíba na bibliografia de Coroliano de Medeiros”, “Brejo do Cruz”, “Santa Luzia - aspectos históricos” e “Inventário do tempo - Memórias”, entre outras. Morreu em março de 2010.



postagem publicada no blog https://www.osguedes.com.br/2020/06/23/cajazeiras-vai-comemorar-centenario-de-deusdedit-leitao/

sábado, 20 de junho de 2020

LAÉRCIO FERREIRA E A LUTA PELO AUDIOVISUAL NO SERTÃO PARAIBANO




Se você está no sertão da Paraíba e quer fazer um filme, você em algum momento vai acabar procurando Laércio Ferreira, ou como é conhecido, Laercinho. Seu coração gigante, e sua paixão pelo cinema e pelas artes em geral fazem com que ele esteja pronto para ajudar a quem o procura, seja para escrever um projeto, seja para emprestar algum equipamento, seja apenas para trocar uma ideia.

Militante na área cultural desde os anos 1980, fundador da Acauã Produções Culturais e diretor geral da Mostra Acauã do Audiovisual Paraibano, eu diria que tem sorte quem pode o chamar de amigo. Mas vamos ver o que ele tem a nos dizer.

FilmInBrasil - O que você tem feito ultimamente, no seu dia-a-dia, no que diz respeito a cultura e principalmente, ao audiovisual?

Ultimamente, devido a falta de incentivo e até mesmo de respeito a classe artística e aos produtores culturais por parte dos governantes, eu tenho tentado conversar, reunir e trocar palavras de incentivos com os amigos que militam comigo há anos, mostrando que é mais que necessário a nossa resistência nesse momento e para isso se faz necessário encontramos uma forma de produzir, mesmo com pouco ou nenhum orçamento, e mantermos os nossos calendários de eventos que são na verdade, o momento certo de trocarmos energias presenciais.

FilmInBrasil - Laercinho, como começou seu interesse por cinema?

Minha história no cinema começa com a primeira edição do Revelando os Brasis em 2004. Os amigos Leonardo Alves, Raimundo Janifran e J. França, fizeram o projeto e na hora de mandar a inscrição, colocaram meu nome. Fomos surpreendido com a seleção e eu tive que ir ao Rio de Janeiro em novembro do mesmo ano e lá tive meu primeiro contato com essa linguagem e com alguns equipamentos. Na volta em janeiro de 2005, gravei meu primeiro documentário “Memória Bendita”. Durante o período de gravação já fui me empolgando em no final já comecei a sonhar com futuras produções. De lá pra cá já são quase 15 anos e algumas histórias contadas em nove filmes roteirizados e dirigidos por mim, além de colaboração em trabalhos de amigos como Diassis Pires e Leonardo Alves.

FilmInBrasil - Quem são as suas principais referências no cinema?

Sempre gostei muito de Charles Chaplin, mesmo antes de ter alguma ideia de como se fazia filmes, a sua genialidade já me chamava muito a atenção. Tenho Vladimir Carvalho como uma referência no documentário que é um gênero que muito me identifico e costumo ver e ler um pouco dos cineastas brasileiros que ao longo do tempo resistem como verdadeiros guerreiros uma vez que volta e meia o cinema brasileiro sofre fortes perseguições que se materializam de várias formas. Admiro muito o trabalho de Jorge Furtado, Kleber Mendonça Filho, além de uma turma boa que está surgindo no Nordeste, principalmente na PB e em PE.

FilmInBrasil - Como você vê o cinema feito por você, qual sua importância para sua região?

Tento fazer um cinema com a cara da minha região, do meu povo. Gosto de falar das nossas tradições, dos nossos costumes e de alguma forma, dá voz aos que passam meio ou totalmente no anonimato. Acho que a principal importância se dá por termos abertos trilhas, termos provado que é possível fazer cinema no Sertão da PB, termos mostrado para o mundo lugares e pessoas do Sertão que são realmente “coisa de cinema”, além de termos feitos parcerias importantes que vão além do fazer artístico.

FilmInBrasil - Qual é para você a importância da interiorização das ações culturais, das políticas culturais no Brasil?

Acho de suma importância a interiorização das ações culturais Brasil afora. Somos um país enorme e com uma riqueza cultural invejável. Existe um povo rico em talentos artísticos, em histórias reais e imaginárias que ainda é bastante desconhecido dos brasileiros. Esse “Brasil Real” descrito por Ariano Suassuna, é carente de políticas culturais, sociais e humanas.

FilmInBrasil - Como é estar a frente de uma entidade que completa esse ano 30 anos de história? Qual sua responsabilidade diante dessa realidade e quais são os seus sonhos ainda?


A Acauã Produções Culturais é a minha segunda família, a ela tenho dedicado grande parte do meu tempo e dos meus sonhos nesses quase 30 anos. Me sinto feliz, e em parte, muito realizado por ter juntado tanta gente bacana ao longo de três décadas pra fazer arte, discutir culturas, apostar nos sonhos e buscar transformar realidades, muitas vezes nadando contra a corrente, mas sempre nadando. Acredito que a minha responsabilidade hoje é tentar passar para as novas gerações, inclusive meus filhos, um pouco dessa história de lutas e de muitas conquistas. É contar pra eles por exemplo, como foi criar uma das primeiras rádios comunitárias no Sertão, como foi lutar pela emancipação política de Aparecida, como foi ver nascer o Centro Cultural Banco do Nordeste de Sousa e como tem sido a luta constante pela preservação do Patrimônio Histórico da Fazenda Acauã, nosso maior tesouro e talvez a nossa maior razão de existir enquanto entidade. Tenho ainda uma infinidade de sonhos. Não saberia viver sem sonhar, sem me aquietar com o obvio. Sonho em ver o Museu Armorial dos Sertões implantado e aberto ao público na Acauã, sonho com o fortalecimento do nosso núcleo de cinema, com a volta do nosso Festival de Poesia e com a possiblidade de produzirmos arte com dignidade, com recursos financeiros e humanos e o reconhecimento do nosso povo.

FilmInBrasil - No seu entender, a classe artística no Brasil precisa ser mais unida? Qual a importância disso para o crescimento da atividade como um todo?

A desunião dos fazedores de arte no país é gritante. Percebemos isso tanto nos grandes grupos que dominam a mídia, como nos alternativos. Não tenho a menor dúvida de que se uníssemos mais as nossas forças, se valorizássemos mais os nossos artistas, os nossos trabalhos, conseguiríamos muito mais espaços, seríamos muito mais fortes e forçaríamos os governantes a olhar a cultura com outros olhos.

FilmInBrasil - Muitos produtores tem decidido ir filmar no sertão. Porque isso acontece, ao seu ver?

O Sertão é literalmente “coisa de cinema”! Temos cenários naturais belíssimos, um sol que nos proporciona uma luz magnifica e um povo de uma hospitalidade ímpar. Tudo isso, sem falar nos talentos que estão por todos os lados, seja atuando ou encontrando soluções caseiras para as questões técnicas. O Sertão tem muito ainda a ser descoberto, tem muito ainda a dar a arte brasileira.

FilmInBrasil - Com o quase desaparecimento dos editais de cinema à nível federal, produtores pelo Brasil afora estão indo atrás dos editais nas esferas estaduais e municipais, mas isso não acontece na Paraíba, com exceção da capital João Pessoa. Qual sua visão sobre isso, e como produzir cinema nessas condições?

Tem sido difícil e desestimulante viver essa realidade do Brasil e da PB. Além de não podermos mais contar com os editais do governo federal que a única coisa que tem feito é perseguir e marginalizar a classe artística brasileira, ainda não podemos contar com editais estaduais de fomento a produção, aja visto que o último edital do Fundo de Incentivo à Cultura “Augusto dos Anjos”, foi lançado em 2015. Esse ano o Governo através da Companhia de Água e Esgoto da Paraíba, lançou um edital para apoiar 16 festivais de cinema em todo o Estado. Pelo menos esses eventos estão assegurados pra acontecerem no Estado da Paraíba após a pandemia. Se tratando de política municipal, somente a cidade de Cajazeiras tem um pequeno edital de incentivo. A cidade de Sousa tem uma Fundação que tem buscado o contato direto com os artistas e tem viabilizado pequenos projetos, as demais cidades praticamente não discute esse assunto. Fica difícil demais fazer cinema, música, teatro, poesia e qualquer outro tipo de arte nessas condições. É preciso muita coragem, determinação e resistência pra não desistir e manter vivo o sonho de fazer arte na Paraíba atual.

FilmInBrasil - Quais são seus próximos projetos audiovisuais?

Esse ano eu quero fazer um encontro que marque a comemoração dos 30 anos da Acauã Produções Culturais, ainda estamos pensando como será, mas até dezembro haveremos de realizar. Quero também fazer um grande edição da nossa Mostra Acauã do Audiovisual, que esse ano completa 10 anos de existência. Além disso quero circular com a exibição do filme Príapos que eu tive o prazer de realizar em parceria com o meu amigo/irmão Marcelo Paes de Carvalho e tenho um projeto para fazer mais uma animação em uma parceria muito especial com a minha filha Maria Tereza




entrevista publicada no sitehttp://www.filminbrasil.com/site/

terça-feira, 16 de junho de 2020

PREFEITURA INICIA PAGAMENTO DE ARTISTAS DE CAJAZEIRAS COM FUMINC ESPECIAL



A Prefeitura Municipal de Cajazeiras, através da Secretaria de Cultura e Turismo, começa a pagar hoje (segunda-feira, 15) o pagamento da primeira parcela do Fuminc Especial, Fundo Municipal de Cultura, em função da pandemia. Cem artistas serão beneficiados com R$ 1.200,00, divididos em três parcelas de R$ 400,00. Como contrapartida, os artistas terão que apresentar lives e depoimentos online sobre suas atividades culturais.

Conforme o calendário divulgado pelo secretário de Cultura e Turismo, Ubiratan di Assis, o pagamento do Fuminc Especial começa hoje, a partir das 15h30, na sede da Secult, no Casarão da Epifânio Sobreira, centro de Cajazeiras, com os artistas das letras A a E. Amanhã, dia 16, das 9h às 12, no mesmo local, recebem os artistas das letras F à I. E quarta-feira, das 9h às 12h, no Casarão da Epifânio Sobreira, recebem os artistas das letras J à W.

O prefeito Zé Aldemir autorizou a liberação de 120 mil reais para a Secretaria de Cultura e Turismo selecionar 100 artistas dos diferentes segmentos para receberem hum mil e duzentos reais cada, em três parcelas de 400 reais. A contrapartida será a apresentação de um projeto online de tempo mínimo de 20 minutos.

O secretário de Cultura e Turismo, Ubiratan de Assis, ressaltou a importância da iniciativa, afirmando que trata-se de um caminho mais curto para contemplar os artistas que estão mais afetados com os efeitos da crise do Coronavírus. A comissão criada para analisar as propostas e os nomes a serem contempladas foi formada por Ubiratan di Assis (secretário de Cultura), Bethoven Uilanov, Wanderley Figueiredo, Júnior Terra e Eduardo Jorge.

Veja a seguir os contemplados:

































































































fonte: Prefeitura Municipal de Cajazeiras

terça-feira, 9 de junho de 2020

A Mudança do Quíntuplo

Cleudimar Ferreira
cleudimar.f.l@gmail.com 



Passava provocando o futuro, atropelando sonhos e causando incertezas os dias secos de 1970. Destruindo qualquer possibilidade remota de se ver florescer, aquelas cores benditas do pau-d’arco ainda vivo, no prado morto de todos. Parecia que o destino não fazia mais parte do tempo, nem tampouco o tempo na rotina de Antonino. O que restava a ele, não era claro. Sentava lá no peituri de suas incertezas e olhava aquele panorama abstrato, confuso a sua frente. Na incógnita inquietante e vazia, molhava seus olhos de tristeza de não saber o que fazer. Porém mesmo galopando dúvidas, tinha uma razão de está ali, pois ainda acreditava nas mudanças do tempo. Sim, era preciso que isso acontecesse. Para tanto, era necessário agir, remexer. Fazer com urgência seu mundo girar, por mais parado que estivesse. Continuar assim, do jeito que aparentava ver, era caminhar em direção a um abismo total. Mas sabia ele que, abandonar tudo que havia sido conquistado às duras penas, era dolorido, porém necessário, pois não conseguia segurar os desesperos dos que e ele procuravam a caridade, o socorro imediato. Assim era a mesmice do seu tempo, assim era a rotina sombria das horas infindáveis.

A pequena bodega que tanta deva prazer e que matinha sortida em épocas de farturas, dava sinais de enfraquecimento e seu estoque, minguava. Despencava a cada semana, desaparecia sem perspectiva de volta. Como sempre ele dizia: “era uma calamidade.” Adonias, seu parceiro nas atividades de vendagens de bebidas, nas áureas noites de forrós que costumeiramente aconteciam nas adjacentes do Sitio Riacho do Bálsamo, mesmo estando perturbado com aquela situação do tempo, que atingia a todos e a ele também, apareceu desconfiado, palitando e chupando os dentes com uma proposta inusitada, tentadora, propondo firmar um consórcio comercial no ramo de mercearia, com vendas no varejo de estivas e cereais na cidade de Cajazeiras.  

Diante das muitas dificuldades que os dias lhes presenteavam, não estava nos planos de Antonino, firmar naquele instante qualquer negócio, quanto mais uma sociedade. Entretanto, depois de tantas luas perdidas, queimando a cabeça e o juízo de tanto pensar naquela inesperada proposta, bem como, mas constantes insistências de Adonias, velho amigo, parceiro de tantas noites saturadas, aturando bêbados e beiradeiros fanfarrões nos forrós da sua zonal rural, Antonino acabou aceitando aquela provocação comercial. Como não era homem de fugir de desafios, sempre se apegava a essa tese quando a precisão se fazia presente, achou que aquela vontade de Adonias seria a alavanca que a vida podia lhe dar naqueles compridos dias cinzentos.

Fizeram o combinado básico de se encontrar na cidade e lá, procurar apoio a Zé Capitão - o bom homem de negócios. Pessoa horado que estava sempre disposta a ajudar e ensinar aqueles que nas horas difíceis, decidia entrar no ramo de estivas e cereais. Com ajuda de Zé Capitão, montaram o negócio na Rua Temente Otacílio Fernandes. No inicio, em meio às batidas dos ferros e as fumaças dos foles de forja, tudo não passava de expectativa e planos de passagem para um futuro promissor. Mas os importunos da vida precisavam ser encarados e se eles aparecerem necessitava está preparado para o confronto. E ele apareceu na falta de ânimo de Adonias, para surpresas dos amigos mais chegados. E antes de completar um ano, a sociedade foi desfeita.

Mesmo sem ter mais a presença do seu escudeiro comercial, Antonino continuou tocando a mercearia com muito sacrifício, pois tinha que deixar a mulher e três filhos menores no sítio onde morava, administrar o que ainda restava do patrimônio para cuidar: a mercearia; uma casa; a pequena bodega rural e o baixio com três pés de laranjas, dois pés de manga jasmim e a cerca de arame que marcava a terra arrendada do seu primo segundo Zuca Moreira. Quando parava para pensar em tanto trabalho, não sabia discernir de onde vinha tanto jogo de cinturar para lidar com tudo. Mas não havia outro jeito diferente de viver, era esse o propósito que a vida lhe deu.

Com apenas um braço masculino na prole com capacidade de cuidar das tarefas da roça, Antonino seguiu cumprindo a rotina. A bodega no sitio já não dava mais lucro. Há muito tempo tinha se transformado em uma espécie de posto público de apoio a muitas famílias que sofrendo com a estiagem, passando por necessidades por causa da eminente seca, comprava fiado e não pagava e, nem ele mais cobrava, pois quase ninguém ali, naquela localidade tinha onde trabalhar, ganhar dinheiro e pagar o que devia. E assim, a “palo seco” que cobria a terra, se estendia agonizante e cada vez mais rasteira. Nessa contenda o tempo nefasto corria em direção contrária aos que todos naquele lugar queriam que ela andasse. E por ser assim, promovia o engrossamento da situação, trazendo sofrimentos para muitos, fome e desespero. Favorecendo o surgimento de distúrbios sociais, promovendo instabilidades, ataques e saques no comércio das cidades circunvizinhas a Cajazeiras.

O distanciamento provocado por passar semanas em Cajazeiras, tocando as vendas na mercearia da Rua Temente Otacílio Fernandes, fazia Antonino ficar ausente da educação dos filhos; da responsabilidade de zelar o baixio e da encolhida bodega. Tudo era cuidado com sacrifício, durante os dias que ele passava na cidade, pela esposa que ainda achava tempo para tratar também dos afazeres domésticos. Cansava a mulher e os filhos; penava Antonino por se sentir impotente diante de tanto trabalho a cumprir. Pensando no que viria mais a frente, com o agravamento das tensões sociais, ele resolveu desfazer da mercearia na cidade, fruto da sociedade com Adonias, vendendo parte do estoque e a outra parte, a mais essencial para consumo de casa, trouxe para recompor o pequeno estoque da bodega no sítio. Era o recomeço e a volta a estaca zero.

Agora mais aliviado e reintegrado a família, ele não pensava mais no futuro, pois o futuro parecia algo visionário que a cada dia corria como o tempo a contragosto, distanciando dos seus pensamentos, sem possibilidades de alcance. Com essa condição, o certo mesmo e se entregar aos infortúnios traçados para todos no desarrumado ano 70. Era uma oscilação que o levava para uma decisão. Se para mais ou para menos, puxava seu destino e o da sua família em direção a uma fronteira, a de recuo ou a do avanço para a libertação do joio que o prendia naquela terra, que tantas alegrias havia dado a ele, a esposa o três filhos pré-adolescentes, que pouco ou quase nada conhecia da vida ou sabia sobre ela e o futuro. Os dias passavam e a mesmice continuava provocante, ameaçadora, tirando a paciência de muitos chefes de família naquele lugarzinho desprezado pelo poder público. Esquecido e retirado das possibilidades de acesso às benesses do município de Cajazeiras, que todos ali, de direito, tinha da edilidade municipal.

Cansado da toda carga de problemas que o rodeava, certa vez numa manhã, Antonino acordou abriu a minguada bodega que simbolizava o fruto de tanto trabalho por nada, olhou o que restava nas prateleiras, e uma tristeza misturada com revolta, abateu o seu sentimento de tanta luta. Fechou a porta de baixo daquele pequeno comércio e se deslocou até a cozinha onde a mulher preparava o café matinal. Chegando, pediu atenção da esposa e falou: “olha, você vai ficar aqui, tomando conta de tudo, olhando tudo, que eu vou à Cajazeiras”. A mulher curiosa pergunta: “o que vai fazer lá numa segunda-feira como essa?” Ele respondeu: “Vou ver se boto uns caixões na feira pra ver se ganho dinheiro, pois a coisa está feia e eu não estou aguentando mais”. E ele foi... Pegou o “Misto” que vinha de Sousa e seguiu até o seu destino. Chegando lá, mais uma vez procurou o amigo Zé Capitão e pediu ajuda. Zé Capitão solidário com a sua situação, lembrou a ele que conhecia um feirante que estava vendendo uns caixões e indicou o endereço onde o tal feirante costuma estar. Sem perder muito tempo, Antonino foi até o citado endereço, a procura do dito feirante. Ao chegar ao ponto indicado onde o desconhecido estava se apresentou e perguntou se ele estava vendendo uns caixões e que ele estava ali a mando de Zé Capitão para comprar. Sendo confirmado pelo mesmo, que realmente esse queria desfazer dos objetos, Antonino sabendo mais ou menos o valor dos objetos, negociou com o indicado feirante e terminou comprando os seus quatros caixões de cereais.

Consolidado o negócio, levou os caixões até a mercearia de Zé Capitão e perguntou ou comerciante se poderia guardar os mesmos, juntamente com os cereais, no interior do seu comércio até o próximo sábado, dia da feira. Zé Capitão olhou nos olhos de Antonino e viu que o desespero acentuava seus olhos e tomava repentinamente conta de suas feições, e disse: “claro, Antonino, pode guardar ali dentro, junto com os outros de outros feirantes que já tem lá”. Contento pelo feito que havia conquistado, agradeceu a Zé Capitão pela ajuda que recebera pela segundo vez, deu um bom dia e voltou para casa. Chegando à sua residência ao meio dia, contou à mulher que havia feito um negócio na cidade e que ela se preparasse, pois aos sábados ia ficar ausente o dia todo e ela iria assumir os afazeres de casa com os meninos até a sua chegada ás cinco horas da tarde.

Sem fazer nenhuma oposição à atitude tomada pelo marido, a mulher aceitou calada aquela sua mais nova responsabilidade, pois entendia que o esforço feito pelo seu companheiro era sacrificado e objetivava a melhoria das condições de vida de todos, principalmente dos filhos. Agora com nova atividade comercial, a de feirante de legumes, ele pensava que sua vida iria tomar outro rumo e começou a fazer planos. Guardava sonhos de noites mal dormidas e fixava na linha do tempo só pensamentos positivos e metas a serem compridas. Tocado por esse automatismo psíquico, ele aturou vários meses num vai-e-vem sempre aos sábados, entre o Sitio e a cidade de Cajazeiras, acreditando que em breve espaço de tempo arranjaria meios de fazer mudanças profundas na vida.

Dividido entre os afazeres da terra, a bodega e os caixões, Antonino trabalhou infindáveis meses ao sol abrasador do descontrolado ano 70, até que num certo dia de feira, um freguês apareceu diante dele para comprar alguns quilos de legumes, aproveitou e lhe perguntou se ele não tinha interesse em comprar uma casinha. E foi logo afirmando que estava vendendo por motivos de não ter se adaptado a rua e que voltaria, tão logo vendesse, para sua terrinha no Sítio Poços. Havia nos dias sombrios daquele ano, uma reflexão que sempre insistia em martelar os pensamentos de Antonino. Porque não vir de vez morar em Cajazeiras e assim, acabar as tantas dificuldades passadas, cuidando de uma terra que não era sua e que pouca coisa lhe dava de retorno! Olhou para o freguês ali esperando sua resposta, e um inesperado impulso que lhe abateu naquele instante, acabou falando para aquele senhor que esperava sua resposta: É... Eu tô interessado! Faço o seguinte, quando a feira terminar no finalzinho da tarde, o senhor volte aqui e a gente vai olhar a casa, se eu gostar, a gente pode até fazer negócios. Feito o combinado, o dia seguiu seu curso e quando o relógio marcou às quatro horas, o vendedor da casa chegou. Com os caixões já guardados na mercearia de Zé Capitão, Antonino seguiu com o desconhecido senhor em direção à zona sul da cidade. Chegando à rua onde o imóvel ficava o vendedor abriu a casa.

Era uma casa pequena, um pouco estreita, conjugada, porém bem dividida, o bastante para atrair a atenção de Antonino. Perguntou ao vendedor quanto era a casa, e depois da resposta daquele homem, acabou fazendo o negócio e selando a compra da casa. Às cinco horas, com as chaves na mão, chegou a sua residência depois de mais um dia trabalho suado e cansativo. Minutos depois, depois de ter tomado banho e jantado, Antonino, chamou a esposa e falou sobre a compra da casa e avisou que logo na segunda-feira, voltaria a Cajazeiras, juntamente com seu cunhado Dorgival, para fazer alguns serviços de reboco, acabamento e pintura. O necessário que o imóvel estava precisando para ficar pronto para morar. A mulher encabulada com aquela surpresa alegre que o marido acabara da anunciar naquele momento, logo imaginou mil coisas na cabeça e entre uma delas, a de ir morar na cidade. Como quem estivesse lendo o pensamento da esposa, Antonino ponderou e disse a mulher que ia alugar a casa, e ia usar o dinheiro para aumentar a renda da família, e que esse era os seus planos para aquele momento.

A vida seguiu seu rumo na monotonia do tempo. Quanto mais se aproximava o final do ano, mais tormentos a população passava. A água de beber já não era encontrada com facilidade no leito do Riacho do Balsamo. Gado morria a míngua nos olhos de muitos criadores sem nada se poder fazer. As dificuldades se alastravam por toda parte, principalmente nos Sítios Bé e Serraria. A fome e o desespero passaram a ser o retrato amarelo nas paredes de muitas casas em todo região. Via-se o sentimento de revolta e descrença nas promessas das autoridades do município de Cajazeiras, que num inercia profunda, não conseguia ajuda para população faminta do campo. Era essa à imagem fiel estampada na face magrela de todos. Antonino e sua família como parte desse contexto sofria sem poder fazer nada para ajudar os que procuravam a sua bodega, pedindo de tudo, querendo comprar fiado. Mas ele tocava essa realidade da forma como podia. Da maneira como foi previamente determinada para sua missão naquele lugar onde nasceu, viveu sua adolescência e juventude. Se a bodega há muito tempo já não dava mais lucro, a outra atividade comercial que tinha na feira de Cajazeiras, acompanhando o agravamento do seco ano 70, passou dar os primeiros sinais de enfraquecimento.

Esses sinais passaram a ser visíveis no seu rosto escavacado; no seu corpo magro esquelético de pele amorenada do queimar do sol. Cansado daquela luta em vão, ele num dia de sábado do mês dezembro, há uma semana antes do natal, procurou o agropecuarista Nassau Coralino, que levava e trazia todos os sábados, os agricultores dos Sítios Almas e Rôdo para a feira livre de Cajazeiras. Combinou com ele para que no finalzinho da tarde fosse até sua casa pegar seus troços, pois estaria definitivamente se mudando com a família para Cajazeiras. Feito o trato com Nassau, ele voltou naquele dia mais sedo para casa na Caminhonete de Zé Duda. Quando chegou, chegou sem a feira da semana que sempre fazia na cidade e trazia para o consumo da semana. A mulher desconfiada com a atitude do esposo, começou a fazer perguntas e mais perguntas. Queria saber onda estava a feira e, como eles iam passar a semana sem a carne e outros gêneros alimentício que família consumia, que geralmente não se encontrava para comprar naquele Sítio. Para acalmar a esposa, Antonino respondeu que havia deixado à feira na mercearia de Salir, e que na segunda-feira, iria a Cajazeiras pegar e trazer para casa. Mas outra coisa cativava a curiosidade da esposa. Por que Antonino tinha retirado toda mercadoria que ainda havia nas prateleiras da pequena bodega e colocada dentro de caixas.

Algo estranho ela viu no esposo, pois Antonino sempre desconversava perguntando a esposa por que tanta curiosidade e preocupação com o que ele estava fazendo naquela tarde. A tarde foi passando e quando chegou às cinco horas, um ronco ecoou distante e uma nuvem de poeira subiu da estada e continuo formando uma linha sinuosa de fumaça cobrindo todo trajeto. Um cenário imprevisível que cada vez mais se aproximava do local onde morava Antonino e família. Era um caminhão que vinha vindo... E veio a até o terreiro da casa, estacionando quase colado no peituri. Os curiosos das casas vizinhas saíram correndo até o caminhão de Nassau e, muitos perguntavam ao mesmo, o que estava acontecendo para ele está passeando àquela hora, naquela localidade. Aí ele respondeu: vim pegar a mudança de Antonino. Nesse instante Antonino foi até a cozinha onde a mulher e os três filhos jatavam e disse para a mulher: Mulher chegou a hora! Arruma tudo, vamos fazer a mudança, e vamos simbora para Cajazeiras. E com ajuda dos amigos vizinhos, que tantas dificuldades e alegrias viveram, os “cacarecos” que havia na casa foram colocados encima do caminhão. As mulheres, comadres e amigas da esposa, ajudaram arrumar os três meninos. Quando estava tudo pronto, Antonino, mulher e os filhos - duas meninas e um menino, começaram a se despedir em meio às emoções, lágrimas e choros daquela gente amiga que conviveram durante longos tempos de farturas e dificuldades. Subiram no velho Caminhão “FNM” e partiram em direção a cidade, seguindo os suspiros raios do sol poente que ainda restava daquela tarde. E foram cortando a terra seca da estrada e antecipando o natal daquele ano, rumo à Cajazeiras para nunca mais voltar.