Cleudimar Ferreira
cleudimar.f.l@gmail.com
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Passava
provocando o futuro, atropelando sonhos e causando incertezas os dias secos de
1970. Destruindo qualquer possibilidade remota de se ver florescer, aquelas
cores benditas do pau-d’arco ainda vivo, no prado morto de todos. Parecia que o destino
não fazia mais parte do tempo, nem tampouco o tempo na rotina de Antonino. O
que restava a ele, não era claro. Sentava lá no peituri de suas incertezas e olhava
aquele panorama abstrato, confuso a sua frente. Na incógnita inquietante e vazia,
molhava seus olhos de tristeza de não saber o que fazer. Porém mesmo galopando
dúvidas, tinha uma razão de está ali, pois ainda acreditava nas mudanças do
tempo. Sim, era preciso que isso acontecesse. Para tanto, era necessário agir,
remexer. Fazer com urgência seu mundo girar, por mais parado que estivesse.
Continuar assim, do jeito que aparentava ver, era caminhar em direção a um
abismo total. Mas sabia ele que, abandonar tudo que havia sido conquistado às
duras penas, era dolorido, porém necessário, pois não conseguia segurar os
desesperos dos que e ele procuravam a caridade, o socorro imediato. Assim era a mesmice do seu tempo, assim era a rotina sombria das horas infindáveis.
A
pequena bodega que tanta deva prazer e que matinha sortida em épocas de
farturas, dava sinais de enfraquecimento e seu estoque, minguava. Despencava a
cada semana, desaparecia sem perspectiva de volta. Como sempre ele dizia: “era uma
calamidade.” Adonias, seu parceiro nas atividades de vendagens de bebidas, nas
áureas noites de forrós que costumeiramente aconteciam nas adjacentes do Sitio
Riacho do Bálsamo, mesmo estando perturbado com aquela situação do tempo, que atingia a todos
e a ele também, apareceu desconfiado, palitando e chupando os dentes com uma
proposta inusitada, tentadora, propondo firmar um consórcio comercial no ramo
de mercearia, com vendas no varejo de estivas e cereais na cidade de
Cajazeiras.
Diante
das muitas dificuldades que os dias lhes presenteavam, não estava nos planos de
Antonino, firmar naquele instante qualquer negócio, quanto mais uma sociedade. Entretanto,
depois de tantas luas perdidas, queimando a cabeça e o juízo de tanto pensar naquela
inesperada proposta, bem como, mas constantes insistências de Adonias, velho amigo,
parceiro de tantas noites saturadas, aturando bêbados e beiradeiros fanfarrões nos
forrós da sua zonal rural, Antonino acabou aceitando aquela provocação comercial. Como
não era homem de fugir de desafios, sempre se apegava a essa tese quando a
precisão se fazia presente, achou que aquela vontade de Adonias seria a alavanca
que a vida podia lhe dar naqueles compridos dias cinzentos.
Fizeram
o combinado básico de se encontrar na cidade e lá, procurar apoio a Zé
Capitão - o bom homem de negócios. Pessoa horado que estava sempre disposta a
ajudar e ensinar aqueles que nas horas difíceis, decidia entrar no ramo de
estivas e cereais. Com ajuda de Zé Capitão, montaram o negócio na Rua Temente
Otacílio Fernandes. No inicio, em meio às batidas dos ferros e as fumaças dos
foles de forja, tudo não passava de expectativa e planos de passagem para um
futuro promissor. Mas os importunos da vida precisavam ser encarados e se eles
aparecerem necessitava está preparado para o confronto. E ele apareceu na falta
de ânimo de Adonias, para surpresas dos amigos mais chegados. E antes de
completar um ano, a sociedade foi desfeita.
Mesmo
sem ter mais a presença do seu escudeiro comercial, Antonino continuou tocando
a mercearia com muito sacrifício, pois tinha que deixar a mulher e três filhos
menores no sítio onde morava, administrar o que ainda restava do patrimônio para
cuidar: a mercearia; uma casa; a pequena bodega rural e o baixio com três pés de
laranjas, dois pés de manga jasmim e a cerca de arame que marcava a terra arrendada
do seu primo segundo Zuca Moreira. Quando parava para pensar em tanto trabalho,
não sabia discernir de onde vinha tanto jogo de cinturar para lidar com tudo.
Mas não havia outro jeito diferente de viver, era esse o propósito que a vida lhe deu.
Com apenas um braço masculino na prole com capacidade de cuidar das tarefas da roça,
Antonino seguiu cumprindo a rotina. A bodega no sitio já não dava mais lucro.
Há muito tempo tinha se transformado em uma espécie de posto público de apoio a
muitas famílias que sofrendo com a estiagem, passando por necessidades por causa da eminente seca,
comprava fiado e não pagava e, nem ele mais cobrava, pois quase ninguém ali,
naquela localidade tinha onde trabalhar, ganhar dinheiro e pagar o que devia. E
assim, a “palo seco” que cobria a terra, se estendia agonizante e cada vez mais
rasteira. Nessa contenda o tempo nefasto corria em direção contrária aos que
todos naquele lugar queriam que ela andasse. E por ser assim, promovia o
engrossamento da situação, trazendo sofrimentos para muitos, fome e
desespero. Favorecendo o surgimento de distúrbios sociais, promovendo
instabilidades, ataques e saques no comércio das cidades circunvizinhas a
Cajazeiras.
O
distanciamento provocado por passar semanas em Cajazeiras, tocando as vendas na
mercearia da Rua Temente Otacílio Fernandes, fazia Antonino ficar ausente da
educação dos filhos; da responsabilidade de zelar o baixio e da encolhida
bodega. Tudo era cuidado com sacrifício, durante os dias que ele passava na cidade, pela
esposa que ainda achava tempo para tratar também dos afazeres domésticos. Cansava
a mulher e os filhos; penava Antonino por se sentir impotente diante de tanto
trabalho a cumprir. Pensando no que viria mais a frente, com o agravamento das
tensões sociais, ele resolveu desfazer da mercearia na cidade, fruto da sociedade
com Adonias, vendendo parte do estoque e a outra parte, a mais essencial para
consumo de casa, trouxe para recompor o pequeno estoque da bodega no sítio. Era
o recomeço e a volta a estaca zero.
Agora
mais aliviado e reintegrado a família, ele não pensava mais no futuro, pois o
futuro parecia algo visionário que a cada dia corria como o tempo a contragosto, distanciando
dos seus pensamentos, sem possibilidades de alcance. Com essa condição, o certo
mesmo e se entregar aos infortúnios traçados para todos no desarrumado ano 70. Era uma
oscilação que o levava para uma decisão. Se para mais ou para menos, puxava
seu destino e o da sua família em direção a uma fronteira, a de recuo ou a do
avanço para a libertação do joio que o prendia naquela terra, que tantas alegrias
havia dado a ele, a esposa o três filhos pré-adolescentes, que pouco ou quase
nada conhecia da vida ou sabia sobre ela e o futuro. Os dias passavam e a mesmice
continuava provocante, ameaçadora, tirando a paciência de muitos chefes de
família naquele lugarzinho desprezado pelo poder público. Esquecido e retirado
das possibilidades de acesso às benesses do município de Cajazeiras, que todos ali,
de direito, tinha da edilidade municipal.
Cansado
da toda carga de problemas que o rodeava, certa vez numa manhã, Antonino
acordou abriu a minguada bodega que simbolizava o fruto de tanto trabalho por
nada, olhou o que restava nas prateleiras, e uma tristeza misturada com revolta,
abateu o seu sentimento de tanta luta. Fechou a porta de baixo daquele pequeno
comércio e se deslocou até a cozinha onde a mulher preparava o café matinal. Chegando,
pediu atenção da esposa e falou: “olha, você vai ficar aqui, tomando conta de
tudo, olhando tudo, que eu vou à Cajazeiras”. A mulher curiosa pergunta: “o que
vai fazer lá numa segunda-feira como essa?” Ele respondeu: “Vou ver se boto uns
caixões na feira pra ver se ganho dinheiro, pois a coisa está feia e eu não
estou aguentando mais”. E ele foi... Pegou o “Misto” que vinha de Sousa e seguiu
até o seu destino. Chegando lá, mais uma vez procurou o amigo Zé Capitão e
pediu ajuda. Zé Capitão solidário com a sua situação, lembrou a ele que
conhecia um feirante que estava vendendo uns caixões e indicou o endereço onde
o tal feirante costuma estar. Sem perder muito tempo, Antonino foi até o citado endereço, a procura do dito feirante. Ao chegar ao ponto indicado onde o desconhecido estava
se apresentou e perguntou se ele estava vendendo uns caixões e que ele estava
ali a mando de Zé Capitão para comprar. Sendo confirmado pelo mesmo, que
realmente esse queria desfazer dos objetos, Antonino sabendo mais ou menos o valor dos objetos, negociou com o indicado
feirante e terminou comprando os seus quatros caixões de cereais.
Consolidado
o negócio, levou os caixões até a mercearia de Zé Capitão e perguntou ou
comerciante se poderia guardar os mesmos, juntamente com os cereais, no
interior do seu comércio até o próximo sábado, dia da feira. Zé Capitão olhou
nos olhos de Antonino e viu que o desespero acentuava seus olhos e tomava
repentinamente conta de suas feições, e disse: “claro, Antonino, pode guardar ali
dentro, junto com os outros de outros feirantes que já tem lá”. Contento pelo
feito que havia conquistado, agradeceu a Zé Capitão pela ajuda que recebera
pela segundo vez, deu um bom dia e voltou para casa. Chegando à sua residência
ao meio dia, contou à mulher que havia feito um negócio na cidade e que ela se
preparasse, pois aos sábados ia ficar ausente o dia todo e ela iria assumir os
afazeres de casa com os meninos até a sua chegada ás cinco horas da
tarde.
Sem
fazer nenhuma oposição à atitude tomada pelo marido, a mulher aceitou calada
aquela sua mais nova responsabilidade, pois entendia que o esforço feito pelo
seu companheiro era sacrificado e objetivava a melhoria das condições de vida
de todos, principalmente dos filhos. Agora com nova atividade comercial, a de
feirante de legumes, ele pensava que sua vida iria tomar outro rumo e começou a
fazer planos. Guardava sonhos de noites mal dormidas e fixava na linha do tempo
só pensamentos positivos e metas a serem compridas. Tocado por esse automatismo
psíquico, ele aturou vários meses num vai-e-vem sempre aos sábados, entre o Sitio
e a cidade de Cajazeiras, acreditando que em breve espaço de tempo arranjaria
meios de fazer mudanças profundas na vida.
Dividido
entre os afazeres da terra, a bodega e os caixões, Antonino trabalhou infindáveis
meses ao sol abrasador do descontrolado ano 70, até que num certo dia de feira,
um freguês apareceu diante dele para comprar alguns quilos de legumes,
aproveitou e lhe perguntou se ele não tinha interesse em comprar uma casinha. E foi
logo afirmando que estava vendendo por motivos de não ter se adaptado a rua e
que voltaria, tão logo vendesse, para sua terrinha no Sítio Poços. Havia nos
dias sombrios daquele ano, uma reflexão que sempre insistia em martelar os
pensamentos de Antonino. Porque não vir de vez morar em Cajazeiras e assim,
acabar as tantas dificuldades passadas, cuidando de uma terra que não era sua e
que pouca coisa lhe dava de retorno! Olhou para o freguês ali esperando sua
resposta, e um inesperado impulso que lhe abateu naquele instante, acabou falando para
aquele senhor que esperava sua resposta: É... Eu tô interessado! Faço o
seguinte, quando a feira terminar no finalzinho da tarde, o senhor volte aqui e
a gente vai olhar a casa, se eu gostar, a gente pode até fazer negócios. Feito
o combinado, o dia seguiu seu curso e quando o relógio marcou às quatro horas,
o vendedor da casa chegou. Com os caixões já guardados na mercearia de Zé
Capitão, Antonino seguiu com o desconhecido senhor em direção à zona sul da
cidade. Chegando à rua onde o imóvel ficava o vendedor abriu a casa.
Era
uma casa pequena, um pouco estreita, conjugada, porém bem dividida, o bastante
para atrair a atenção de Antonino. Perguntou ao vendedor quanto era a casa, e
depois da resposta daquele homem, acabou fazendo o negócio e selando a compra
da casa. Às cinco horas, com as chaves na mão, chegou a sua residência depois
de mais um dia trabalho suado e cansativo. Minutos depois, depois de ter tomado
banho e jantado, Antonino, chamou a esposa e falou sobre a compra da casa e
avisou que logo na segunda-feira, voltaria a Cajazeiras, juntamente com seu
cunhado Dorgival, para fazer alguns serviços de reboco, acabamento e pintura. O
necessário que o imóvel estava precisando para ficar pronto para morar. A
mulher encabulada com aquela surpresa alegre que o marido acabara da anunciar naquele
momento, logo imaginou mil coisas na cabeça e entre uma delas, a de ir morar na
cidade. Como quem estivesse lendo o pensamento da esposa, Antonino ponderou e
disse a mulher que ia alugar a casa, e ia usar o dinheiro para aumentar a renda
da família, e que esse era os seus planos para aquele momento.
A vida
seguiu seu rumo na monotonia do tempo. Quanto mais se aproximava o final do
ano, mais tormentos a população passava. A água de beber já não era encontrada
com facilidade no leito do Riacho do Balsamo. Gado morria a míngua nos olhos de
muitos criadores sem nada se poder fazer. As dificuldades se alastravam por
toda parte, principalmente nos Sítios Bé e Serraria. A fome e o desespero
passaram a ser o retrato amarelo nas paredes de muitas casas em todo região. Via-se o sentimento de revolta e descrença nas promessas das autoridades do município de
Cajazeiras, que num inercia profunda, não conseguia ajuda para população faminta
do campo. Era essa à imagem fiel estampada na face magrela de todos. Antonino e
sua família como parte desse contexto sofria sem poder fazer nada para ajudar
os que procuravam a sua bodega, pedindo de tudo, querendo comprar fiado. Mas
ele tocava essa realidade da forma como podia. Da maneira como foi previamente
determinada para sua missão naquele lugar onde nasceu, viveu sua adolescência e
juventude. Se a bodega há muito tempo já não dava mais lucro, a outra atividade
comercial que tinha na feira de Cajazeiras, acompanhando o agravamento do seco
ano 70, passou dar os primeiros sinais de enfraquecimento.
Esses
sinais passaram a ser visíveis no seu rosto escavacado; no seu corpo magro
esquelético de pele amorenada do queimar do sol. Cansado daquela luta em vão,
ele num dia de sábado do mês dezembro, há uma semana antes do natal, procurou o agropecuarista
Nassau Coralino, que levava e trazia todos os sábados, os agricultores dos Sítios
Almas e Rôdo para a feira livre de Cajazeiras. Combinou com ele para que no
finalzinho da tarde fosse até sua casa pegar seus troços, pois estaria
definitivamente se mudando com a família para Cajazeiras. Feito o trato com
Nassau, ele voltou naquele dia mais sedo para casa na Caminhonete de Zé Duda.
Quando chegou, chegou sem a feira da semana que sempre fazia na cidade e
trazia para o consumo da semana. A mulher desconfiada com a atitude do esposo, começou a fazer perguntas e mais perguntas. Queria saber onda estava a feira e, como eles iam passar a semana sem a carne e outros gêneros alimentício que família
consumia, que geralmente não se encontrava para comprar naquele Sítio. Para
acalmar a esposa, Antonino respondeu que havia deixado à feira na mercearia de
Salir, e que na segunda-feira, iria a Cajazeiras pegar e trazer para casa. Mas
outra coisa cativava a curiosidade da esposa. Por que Antonino tinha retirado
toda mercadoria que ainda havia nas prateleiras da pequena bodega e colocada dentro de caixas.
Algo
estranho ela viu no esposo, pois Antonino sempre desconversava perguntando a
esposa por que tanta curiosidade e preocupação com o que ele estava fazendo
naquela tarde. A tarde foi passando e quando chegou às cinco horas, um ronco
ecoou distante e uma nuvem de poeira subiu da estada e continuo formando uma linha
sinuosa de fumaça cobrindo todo trajeto. Um cenário imprevisível que cada vez
mais se aproximava do local onde morava Antonino e família. Era um caminhão que
vinha vindo... E veio a até o terreiro da casa, estacionando quase colado no peituri.
Os curiosos das casas vizinhas saíram correndo até o caminhão de Nassau e, muitos
perguntavam ao mesmo, o que estava acontecendo para ele está passeando àquela hora, naquela localidade. Aí ele respondeu: vim pegar a mudança de Antonino. Nesse
instante Antonino foi até a cozinha onde a mulher e os três filhos jatavam e
disse para a mulher: Mulher chegou a hora! Arruma tudo, vamos fazer a mudança, e vamos simbora para Cajazeiras. E com ajuda dos amigos vizinhos, que tantas
dificuldades e alegrias viveram, os “cacarecos” que havia na casa foram
colocados encima do caminhão. As mulheres, comadres e amigas da esposa, ajudaram
arrumar os três meninos. Quando estava tudo pronto, Antonino, mulher e os filhos - duas meninas e um menino, começaram a se despedir em meio às emoções,
lágrimas e choros daquela gente amiga que conviveram durante longos tempos de farturas
e dificuldades. Subiram no velho Caminhão “FNM” e partiram em direção a cidade, seguindo os suspiros raios do sol poente que ainda restava daquela tarde. E foram cortando
a terra seca da estrada e antecipando o natal daquele ano, rumo à Cajazeiras para nunca mais voltar.
2 comentários:
Parabéns Cleudimar. A minha alma sertaneja se reconhece em seu texto ponteado de poesia e beleza.
Obrigado.
Nós sertanejos nordestinos, não esquecemos, jamais nossas raízes e nossas histórias.
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