quarta-feira, 25 de janeiro de 2023

Um Título de Cidadão Cajazeirense para Mario Teixeira

 Cleudimar Ferreira



Durante tudo esse mês de janeiro, a cidade de Cajazeiras voltou à cena nacional em diversos momentos, mostrando através das suas estrelas e do seu estrelato, por que é hegemônica na linguagem cênica entre as demais cidades do interior desse país. Por conta disso, o glamour tomou conta do orgulho de sua gente, provocando no seio de muitos, motivos para falações e olhares curiosos nas imagens que foram exibidas tanto na TV como nas redes sociais e outros apetrecho midiáticos que a internet dispõe.

Mas o que possibilitou sua fama ser exposta assim, mais uma vez, como fora em outros instantes no passado? O que alimentou o devido destaque nas redes sociais e nos programas de TV e em outros veículos de comunicação de massa - principalmente aqui na Paraíba, foi o gancho proposital dado por Mario Teixeira, autor da Novela das Seis, da TV Globo. Nesse sentido, já é por demais conhecido do público, que a novela escrita por Mario Teixeira, carrega no seu elenco três atores cajazeirense. Quase todos, com exceção, acho, da atriz Susy Lopes, com formação inicial feita a partir do engajamento no mobilizado teatro que a cidade teve até aqui e, que ainda permanece ativo na atualidade, mesmo sem tanta luz como fora no passado.

Por isso, não é exagero dizer que a inclusão da cidade no texto da novela global, não veio de graça ou caiu por acaso de paraquedas na seara dos que fazem hoje o teatro em Cajazeiras, mas desembarcou baseado nos seus méritos; no tudo que a cidade construiu no campo das artes cênicas nas ultimas três décadas. Ou seja, no seu compromisso com a história da dramaturgia nordestina. Um trajeto percorrido com muito esforço e trabalho; com tantas lutas e a perseverança dos seus muitos agentes envolvidos com essa prática.

Cajazeiras não é exageradamente nenhum mar com constelações de estrelas. Mas modestamente, é um oceano no sertão repleto talentos; de atividades práticas e criativas, viva, quando o assunto em questão é cultural. Uma cidade onde todas as artes, principalmente a linguagem cênica, convergem e circulam livremente junto com os ventos das noites; dos dias secos de verão e, das manhãs amenas bem sedo tecidas de sol. Um lençol de seda dourada que nos envolvem num querer, num gostar e nas suas inspirações artistas que tanto tem nos colocado no topo dos grandes centros irradiadores de cultura do Nordeste e do Brasil, por que não!

Mas tudo foi um processo. Um laboratório experimental que veio lá de trás com seus pioneiros. Uma gente boa que abnegou na linha do tempo até chegar aos frutos de hoje. Um processo continuado que nos caracterizou como a cidade destaque nas artes cênicas; que começou formatar-se e concretizar-se com a construtiva ação de Íracles Pires-Ica (in memoriem) , nos anos 50 e 60. Trabalha esse que fez Dona Ica ser hoje reconhecida como a matriarca do nosso tão sucedido movimento teatral.

Se nesses anos o trabalho de Dona Ica teve significância no contexto das nossas representações dramáticas; nos anos seguintes, outro personagem por demais quixotesco, emoldurou nosso cordel cultural com a modernidade do seu teatro ideológico, de resistência, influenciando toda uma geração que advieram daquele presente, para o futuro. Um legado que o ator, autor, dramaturgo Ubiratan di Assis, na década de 70 e parte dos anos 80, traçou e riscou nos caminhos de Cajazeiras a João Pessoa, com a sua moderna e engajada forma de fazer teatro. Que se parecer por demais revolucionaria para esse tempo. Tanto foi que Ubiratan chegou e bateu facialmente nas portas dos teatros da capital, com o seu teatro vanguardista, galgando depois o destacado posto de primeiro gestor da FPTA.

Da contundente construção desse teatro além-sertão projetado por Ubiratan, vieram os mestres do futuro, como foram os casos de outros personagens, autores e diretores da nossa dramaturgia. O elenco foi vasto mais dar para arriscar alguns nomes. Eliézer Rolim (in memoriam), Tarcísio Siqueira, Roberto Cartaxo (in memoriam), Gutemberg Cardoso, Antônio dos Anjos (in memoriam), e um leque de atividades feitas por anônimos trabalhadores da atividade teatral, que tomou conta das escolas, das associações comunitárias e outros eventuais espaços cênicos que havia na cidade.

Essa movimentação durou, estendeu-se, foi segurada pelas mãos dos deuses do teatro até chegar à contemporaneidade, revelando-nos estrelas, que passaram a brilhar tanto na telinha quanto na telona. Olhando para trás, quem não lembra o trabalho do próprio Ubiratan na novela regional Velho Chico. De Buda Lira, Marcélia Cartaxo e Ana d’Lira, todos com atuação destacadas em diversas minisséries e novelas. 

Agora, tudo é festança. Tudo é contemplação de sonhos realizados. Tudo são ventos frescos de positividade e de outras perspectivas futuras para o nosso teatro. Nesse tudo, os atores Nenego Lira, Thardelly Lima e Susy Lopes bem que poderia ser acolhidos na sua volta do Projac, como foram recebidos em 1984, Eliézer Rolim (in memoriam) e a trupe de ‘Beiço de Estrada’ pretensos aclamados aos fogos e batucadas desde a entrada da cidade até o seu centro comercial.

Se o feito de Eliézer e do Grupo Terra, em 84, lançou o nome da nossa cidade no circuito nacional das artes cênicas, o inventario nordestino assinado por Mário Teixeira, hora no ar pela TV Globo, foi mais além. Quem tem visto os capítulos da novela, viu que no conjunto de indumentárias de Mar do Sertão, o autor gentilmente Incluiu no texto, citações de entidades e personalidades da nossa cultura. Atlético, Chico Amaro, forró, contendas futebolísticas entre Sousa e Cajazeiras. Um balaio destacado com parte da cultura cajazeirense que foi exposta para tudo Brasil. Um momento de louvação do nome de Cajazeiras, em cadeia nacional, que só trouxe positividade alto-estima para a cidade.

Portanto, uma cidade que viu tanto a sua produção cultural criar asas e voar tão alto, não negaria honras aos nossos atores e, principalmente, ao autor Mario Teixeira e a produtora Sílvana Feu de Mar do Sertão, pela prestação de serviço que fizeram, enaltecendo o nome de Cajazeiras na trama das seis. Seria o encontro da cidade com esses agentes culturais e a redenção de uma cidade que através da sua colenda Câmara de Vereadores, tem dado tantas titulações a muita gente que pouco ou nada de serviços prestados teve com a terra de Eliezer Rolim. 

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Referencia das fotos: 

Nanego Lira - Imagem Google; Mário Teixeira - Foto TV Globo/João Miguel Jr; Susy Lopes - Foto Nossa Fala; Thardelly Lima - Imagem Google. 

quinta-feira, 12 de janeiro de 2023

CONVERSAS DE CINE ÉDEN. O Privado período sem ver filmes no Éden

por Cleudimar Ferreira


Naquela tarde-noite de sábado, mesmo com a chegada da penumbra, ainda dava para ver nas águas turvas do Açude Grande, as últimas cores do por do sol, caprichosamente espelhada nos assentos dos bancos da Praça João Pessoa. Para quem gostava de gastar pacientemente as poucas horas que ainda havia do crepúsculo, esperando a noite chegar com a única sessão do Cine Éden, o cintilante sol nos acentos da Praça, principalmente os que ficavam frente-a-frente com a fachada da principal sala de exibição da cidade, percebia logo adiante na antessala do cinema, bem na entrada, expostos aos olhos dos que queriam ver e dos que não; os estampados cartazes das melhores películas que a programação do Éden podia oferecer para aquele mês: Viva Django! Love Story, Os Canhões de Navarone eram os destaques e as estrelas anunciadas.

Daciflay, não era bem um personagem de um enredo ficcional. Era quase real mesmo! Embora suas virtudes fossem surreais para a vida que ele levava. Ou seja, conduzia sem diferenças uma vida de classe media bem sucedida para os padrões das famílias sertanejas dos anos setenta. Eu pelo menos, dos filmes que assisti naquele que foi o tradicional cinema de Cajazeiras, não lembro ter visto um personagem com esse nome. A não ser o parecido George Mcfly da trilogia ‘De Volta Para o Futuro’, dirigida por Robert Zemeckis. Falavam as línguas em sintonia com os olhos bisbilhoteiros das cajazeiras daquele tempo, que o pai era um sucedido agropecuarista e político em Saint Helen, no noroeste paraibano, fronteira com o Estado do Ceará.

Carregando naturalmente um trejeito que muito lembrava o comediante Jerry Lewis, Daciflay não demonstrava apego a sua condição social, nem tampouco a alguma virtude que parecesse ter. Pois entre todos que comungava da sua amizade, ser versátil, engenhoso e articulista, erámos todos nós - confusos projetos de adolescentes com adultos, que parecia que não sair dessa fase nunca. Por isso, tanto ele como todos os garotos de sua época, na pura inocência da vida, achava que um desviozinho de conduta juvenil, não seria motivos de punição perante as regras e os costumes das famílias da época. Sendo assim, os atos que praticávamos, não passava de uma traquinagem um tanto quanto inocente.

Se por essa perdida razão, as artimanhas eram ou não um desvio de conduta, molecagens de garotos em fase de amadurecimento ou algo que parecesse ser; para nós não havia diferença nenhuma quando a tarefa que estava em jogo - à garantia certa da entrada no cinema. E foi cegamente guiado por esse raciocínio; instruído nesse caminho, que Daciflay nos envolveu numa arriscada missão. A de vender por vias paralelas, de forma ilegítima, as entradas no Cine Teatro Éden. Esse momento eu não esqueci, pois está sacrificado entre as lembranças que guardo em mim, muitos delas vividas a partir das diversas sessões que vi nesse cinema.

O principio de toda essa história, começou durante a convivência diária que todos nós alunos do Colégio Comercial Monsenhor Constantino Vieira, tínhamos nos intervalos das aulas. Depois de muitas conversas preliminares sobre essa perniciosa tarefa, num desses espaços entre as aulas, Daciflay chegou para mim e Letto d’Drão e nos contou com detalhes como seria a vendagem dos ingressos, bem como os mesmos estavam sendo adquirindos. Segundo ele, as entradas seriam vendidas as escondidas, em sigilo absoluto, para que ninguém ficasse sabendo dessa inclinação. Aparentemente uma sutil burlada no faturamento do cinema, comparada a uma parodia de alguns momentos da primeira fase do filme ‘Era uma vez na América´, de Sergio Leone, onde garotos na flor das suas puberdades deixaram se levar por brincadeiras ilícitas, que na vida real, fora da tela do cinema, seriam sumariamente desaprovadas pelos nossos pais.

No final da tarde do dia marcado para o inicio dessa atividade, depois das aulas, na calada da unidade do SANDU que ficava vizinho do Colégio Comercial, outros detalhes foram esmiuçados e esclarecidos. Um deles foi à necessidade de uma atenção total na segurança da atividade. Para que tudo não desse errado. Daciflay com seu senso de humor deixou clara que o sigilo absoluto era necessário para que nada vasasse ou viesse à tona, pois se isso acontecesse, cada um teria que se virar como pudesse com a Bomba H na carapuça. E lá fomos nós embarcar pela primeira vez nessa aventura que nenhum pensava ou sabia que fim terminaria.

No primeiro dia ficamos os três espalhados, fazendo ponto na esquina do Edifício Ok, se valendo apenas da pouca luz da Rua Joaquim de Souza. No movimento de ida e volta das 19 horas na Praça João Pessoa, no amplo intervalo antes da estreia do filme ‘Três homens em conflito’, quase todos transeuntes que passava na calçada do Edifício OK indo em direção do cinema, eram parados por um de nós e, uma entrada ao cinema era oferecida. Os frequentadores do Cine Éden, apressados para pegar a melhor cadeira, já vinham olhando e monitorando o crescimento da fila na bilheteria. Procurando evitar enfrentar a fila, alguns compravam nossos ingressos sem nenhuma objeção. Porém outros mais curiosos compravam, mas só depois de uma longa conversa e, as perguntavas clássicas eram: - onde vocês conseguiram esses ingressos? Porque estão vendendo? Isso vale mesmo? Não é falso não? As respostas dos aprendizes de cambista saíam orquestradas: - Vale! É estreia né! Desistimos de ver o filme, pois o cinema ficará lotado e vai atrapalhar o entendimento filme. Assim, não dar! Resolvemos revender e ver o filme com mais folga a amanhã.

Depois que vendemos todos os ingressos nessa noite, saímos até a Praça da Cultura para fazia o balancete. Quando chegamos ao local, Letto e eu, entregamos o dinheiro a Daciflay e recebemos dele os ingressos para nossa entrada no Éden. Minutos depois quando eu, Daciflay e Letto d’Drão, chegamos à portaria do cinema, o tempo estava estourando. Faltava pouco menos de 20 minutos para o inicio da projeção. Então, sem mais delongas, pegamos o rabo da fila da entrada, que conforme o horário já era bem pequena. Entramos sem nenhuma cara feia do porteiro e fomos ver o filme. Tanto Eu e como Letto, não tinha condições financeiras nenhuma que favorecesse pagar três por semana a entrada no Éden. Então essa brincadeira perigosa proposta pelo filho de seu Dacirvaldo, passou a ser um alívio no bolço dos nossos pais.

No transcorrer do tempo, envolvidos até a alma na atividade, percebemos que já tinha passados quase três meses viajando nessa prática. Até que um dia o colega Daciflay, depois de muita cobrança minha e de Letto para ele nos revelasse onde estava à fonte da derrama dos ingressos, acabou entregando o ouro e nos dizendo como as entradas estavam chegando às suas mãos. Meio tosco tenso e nervoso ele falou que a mina estava com o porteiro do cinema. Como praxe, o porteiro - encarregado original de receber os ingressos dos frequentadores, era o responsável pelo repasse. Como era habitual, ele rasgava a maioria dos bilhetes e depositava na urna, mas uma parte desses, ele simplesmente dobrava e colocava no receptáculo. No dia seguinte, quando voltava às 8 horas para recolher os ingressos rasgados da urna e queimar, conforme orientação dada pelo seu empregador, o exibidor Carlos Paulino - proprietário do Cine Éden, ele recolhia os que estavam dobrados, embolsava e, queimava o resto.

Essa brincadeira para uns garotos que desconhecia os limites dos atos que praticavam, estava indo muito bem. Pois até certo prazer em praticar era visível em cada um nós, nos deixando sentimentalmente bem à vontade. Era a garantia de não pagar o acesso ao cinema. Ganhava o porteiro do Cine Éden e Daciflay o dinheirinho do lanche e, eu e Letto, a entrada no Cine Éden, principalmente nas grandes estreias, como foi a do filme ‘O Dez Mandamentos’, com o lendário ator Charlton Heston, onde a quantidade de ingressos que vendemos foi a maior de todas.

Inocente do perigo que poderia ocorrer, o porteiro ganancioso aumentou a quantidade das entradas em nossas mãos no dia da rentrée do filme ‘Terremoto’. Nesse mesmo dia Daciflay apresentou um terceiro personagem nessa história. Era Gilnécio que passou a compartilhar conosco na estreia desse filme, a vendagem dos ingressos ao cinema de Carlos Paulino. Confessor que fiquei assustado e temeroso, pois já éramos quatro infringentes na prática, operando na área do Edifício Ok. Mas o interesse de todos, superava qualquer possibilidade de fracasso ou de algo dar errado. Por isso continuamos! Continuamos até que um dos frequentadores rompeu o silêncio. Ele chegou à fila da bilheteria com um ingresso na mão e, ao se dirigir a um amigo que estava na fila, disse que havia comprado um ingresso a uma pessoa na esquina do Edifício Ok.

O soldado Zé Maleiro, que era o encarregado de organizar a fila da entrada, estava próximo, viu esse frequentador com o ingresso na mão e ouviu também o que ele tinha dito para o amigo na fila. Zé Maleiro não perdeu tempo e, imediatamente perguntou ao frequentador quem era essa pessoa que havia repassado o ingresso para ele. O frequentador um tanto displicente não soube explicar quem era. Alguns minutos depois Zé Maleiro percebeu que outro frequentador chegou e foi direto para a fila de entrada com o ingresso na mão sem passa pela bilheteria. O organizador das filas e do movimento da portaria do cinema aproveitou a limitada luz do edifício Ok e se deslocou calmamente até a esquina do prédio. Ao se aproximou e viu a nossa movimentação em uma nas esquinas da Rua Joaquim de Souza com a Praça João Pessoa.

Ele apressou o passo em direção a Daciflay que estava mais próximo dele. Foi quando eu ouvi do nosso amigo a frase: - Sujou! Corre, lá vem Zé Maleiro. Nesse instante, eu vi quando Zé Maleiro chegou a tocar no braço de Daciflay, mas ele foi mais rápido e, juntos corremos desesperadamente em direção da Praça da Cultura e, de lá, cada um tomou seu rumo em direção das suas casas. No dia seguinte o terremoto desabou sobre o porteiro. Seu Calo Paulino, que não costuma vir pela manhã ao seu cinema, chegou depois das 7 horas da matina ao Cine Éden. Esperou friamente o porteiro que chagava, sempre às 8 horas, para demiti-lo da atividade que exercia no seu cinema.

Sobre a conversa entre os dois nessa manhã, não seu dizer como foi. Só sei que o coitado do porteiro foi substituído e, Daciflay, passou um bom tempo sem aparecer se quer na calçada do Éden. Quanto a nós - Eu, Letto e Gilnécio, já que Daciflay não havia revelado ao porteiro quem estava com ele nessa operação e, nem o próprio Zé Maleiro, na noite do ocorrido fraga, tinha conseguido identificar quem estava com Daciflay vendendo as entradas, tivemos por um triz salvaguardado os nossos rostos. Mesmo assim, só fomos assistir o filme ‘Terremoto’ na ultima sessão desse filme no Cine Éden. Pelo menos foi esse o meu caso.


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leitura da foto: 
Praça (Av.) Presidente João Pessoa (Foto colorizada). 
Tabuleta de divulgação do Cine Éden na Praça João Pessoa anunciando o filme do dia. Cartaz com os dizeres: Éden, hoje - livre, 'Uma Garota de Sorte'. Ing. Cr$ 3,00