por João
Batista de Brito
Tinha,
então, treze anos de idade.
Era final de setembro, começo de primavera, quando o Circo chegou ao seu bairro, Jaguaribe. Foi armado ali no terreno livre que sobrou depois que derrubaram os muros do Clube Cabo Branco.
Por acaso, acompanhou a armação, pois a avenida Primeiro de Maio era o seu caminho para a escola, o Grupo Sto Antônio. Entre idas e vindas, daí a pouco o Circo Parondi já estava de pé, e, no dia seguinte, os cartazes já anunciavam a programação, sem falar no palhaço de pernas de pau, percorrendo as ruas do bairro, divulgando o espetáculo aos gritos, rodeado de crianças.
Naquele fim de semana o Cinema Sto Antônio não o viu. O filme em cartaz não parecia boa coisa e, afinal de contas, o Circo era a grande novidade do momento.
E foi. Mágicos, animais adestrados, malabaristas, palhaços, drama - tudo empolgante, porém, nada mais empolgante que a bailarina.
Ah, a bailarina! Dançando no palco ou girando no trapézio de pernas para o ar, a bailarina era simplesmente maravilhosa, fantástica, luxuriante, a mulher mais linda do mundo. Sua pouca roupa mostrava um corpo perfeito, cintura estreita, seios rijos, coxas roliças, mãos e pés delicados, quadris carnudos, arredondados feito dois balões. Embora delgada, translúcida, vaporosa, também era corpórea, palpável, mais que isso, irresistivelmente sensual, carnal mesmo. O rosto era de uma deusa pagã, e o sorriso aberto, um convite ao amor.
Naquela noite não dormiu bem. Macia, sedosa, sedutora, a figura da bailarina veio para a cama com ele. Inquieto, nervoso, não conseguia conciliar o sono. Até seu cheiro sentia. Virava de um lado para o outro e uma espécie de fogo o queimava por dentro; essa sensação estranha, que nunca sentira, instigava seu espírito e seu corpo e gerava em suas carnes um desejo até então desconhecido, um que cobrava desafogo, fosse como fosse. Foi quando se deu conta de que estava perdidamente apaixonado pela bailarina.
Depois desse dia, o cofre onde escondia suas parcas economias - um porquinho de barro - esvaziou. Espedaçou-o no encalço das últimas moedas, e jogou os cacos no lixo. Inventando mentiras em casa, gastou o dinheiro todo com os ingressos do Circo e, mais grave, passou a gazear as aulas para rondá-lo, brechando sua vida fora das lonas. Fazia isso a manhã toda, na esperança de ter contato com a bailarina.
E teve. Ela terminou notando aquele menino com farda de escola, por ali, espionando, meio disfarçado, e sempre de olho nela. Ao se saber notado por ela, gelou e não teve coragem de falar, mas ela mesma falou: aproximou-se devagar e lhe perguntou o que ele fazia ali, e ele, o coração batendo, suado, trêmulo, gaguejante, disse que queria trabalhar no Circo, fazer qualquer coisa, aprenderia rápido.
“Que idade você tem?” perguntou.
“Treze”, disse, já arrependido de ter dito.
“Seus pais estão sabendo?”
Quis mentir que sim, mas disse “Não”.
“E por que você quer trabalhar no Circo?”
E aí juntou toda a coragem de que dispunha e confessou de uma vez por todas seu sentimento e sua intenção: estava apaixonado e queria estar com ela, queria casar.
Ela respondeu com uma larga risada, o que o deixou tonto e mais perdido que nunca.
E então ela curvou-se para fitá-lo mais de perto, e, ainda rindo, agora suavemente, talvez carinhosamente, foi dizendo que tinha três vezes a sua idade ou mais; que seria muito estranho para todo mundo se casassem; disse que ele esquecesse esse negócio de amor, que afinal de contas ele não tinha idade para assumir compromissos; e, com mais firmeza na voz, ordenou que ele fosse para casa, ou para a escola, que seria bem melhor, e acrescentou que vida de circo era coisa de maluco.
E afastou-se, apressada, em direção a uma das tendas do circo, de lá lhe jogando um beijo de mão. E ele nunca mais a viu.
Foi nesse dia triste que tomou consciência da dura verdade: que as mulheres não têm coração.
Era final de setembro, começo de primavera, quando o Circo chegou ao seu bairro, Jaguaribe. Foi armado ali no terreno livre que sobrou depois que derrubaram os muros do Clube Cabo Branco.
Por acaso, acompanhou a armação, pois a avenida Primeiro de Maio era o seu caminho para a escola, o Grupo Sto Antônio. Entre idas e vindas, daí a pouco o Circo Parondi já estava de pé, e, no dia seguinte, os cartazes já anunciavam a programação, sem falar no palhaço de pernas de pau, percorrendo as ruas do bairro, divulgando o espetáculo aos gritos, rodeado de crianças.
Naquele fim de semana o Cinema Sto Antônio não o viu. O filme em cartaz não parecia boa coisa e, afinal de contas, o Circo era a grande novidade do momento.
E foi. Mágicos, animais adestrados, malabaristas, palhaços, drama - tudo empolgante, porém, nada mais empolgante que a bailarina.
Ah, a bailarina! Dançando no palco ou girando no trapézio de pernas para o ar, a bailarina era simplesmente maravilhosa, fantástica, luxuriante, a mulher mais linda do mundo. Sua pouca roupa mostrava um corpo perfeito, cintura estreita, seios rijos, coxas roliças, mãos e pés delicados, quadris carnudos, arredondados feito dois balões. Embora delgada, translúcida, vaporosa, também era corpórea, palpável, mais que isso, irresistivelmente sensual, carnal mesmo. O rosto era de uma deusa pagã, e o sorriso aberto, um convite ao amor.
Naquela noite não dormiu bem. Macia, sedosa, sedutora, a figura da bailarina veio para a cama com ele. Inquieto, nervoso, não conseguia conciliar o sono. Até seu cheiro sentia. Virava de um lado para o outro e uma espécie de fogo o queimava por dentro; essa sensação estranha, que nunca sentira, instigava seu espírito e seu corpo e gerava em suas carnes um desejo até então desconhecido, um que cobrava desafogo, fosse como fosse. Foi quando se deu conta de que estava perdidamente apaixonado pela bailarina.
Depois desse dia, o cofre onde escondia suas parcas economias - um porquinho de barro - esvaziou. Espedaçou-o no encalço das últimas moedas, e jogou os cacos no lixo. Inventando mentiras em casa, gastou o dinheiro todo com os ingressos do Circo e, mais grave, passou a gazear as aulas para rondá-lo, brechando sua vida fora das lonas. Fazia isso a manhã toda, na esperança de ter contato com a bailarina.
E teve. Ela terminou notando aquele menino com farda de escola, por ali, espionando, meio disfarçado, e sempre de olho nela. Ao se saber notado por ela, gelou e não teve coragem de falar, mas ela mesma falou: aproximou-se devagar e lhe perguntou o que ele fazia ali, e ele, o coração batendo, suado, trêmulo, gaguejante, disse que queria trabalhar no Circo, fazer qualquer coisa, aprenderia rápido.
“Que idade você tem?” perguntou.
“Treze”, disse, já arrependido de ter dito.
“Seus pais estão sabendo?”
Quis mentir que sim, mas disse “Não”.
“E por que você quer trabalhar no Circo?”
E aí juntou toda a coragem de que dispunha e confessou de uma vez por todas seu sentimento e sua intenção: estava apaixonado e queria estar com ela, queria casar.
Ela respondeu com uma larga risada, o que o deixou tonto e mais perdido que nunca.
E então ela curvou-se para fitá-lo mais de perto, e, ainda rindo, agora suavemente, talvez carinhosamente, foi dizendo que tinha três vezes a sua idade ou mais; que seria muito estranho para todo mundo se casassem; disse que ele esquecesse esse negócio de amor, que afinal de contas ele não tinha idade para assumir compromissos; e, com mais firmeza na voz, ordenou que ele fosse para casa, ou para a escola, que seria bem melhor, e acrescentou que vida de circo era coisa de maluco.
E afastou-se, apressada, em direção a uma das tendas do circo, de lá lhe jogando um beijo de mão. E ele nunca mais a viu.
Foi nesse dia triste que tomou consciência da dura verdade: que as mulheres não têm coração.
DEIXE O SEU COMENTÁRIO
Referência da Imagem: Dita Von Teese - Atriz e Modelo. Produção da imagen: Revista Plastic Deeans