segunda-feira, 5 de maio de 2025

Os Bares das Cajazeiras Alucinantes

 porCleudimar Ferreira

leitura das imagens: 1ª. Bar Playboy Drinks, 2ª Bar dos Penetras, 3ª Karlos Center Bar e Drinks


Corria lentamente os idos anos 80. Nas duras vias das cajazeiras desse tempo, o suco magnético e aromático dos seus frutos, rompia o fundo dos copos flutuantes, nos bares das ruas centrais da cidade que não dormia nunca. Começava aí, a escalada raivosa em busca do novo, visivelmente talhada nas atitudes chocantes dos ideais de vanguarda. Nada de mal nisso! tudo muito bom, tudo muito bem para os que mesmo vivendo com o país, num período de turbulência social, com as primeiras manifestações públicas pela redemocratização, não enxergava nada por nada desse momento. 

Mas se via alguma coisa, fingia não ver, levantando o copo, acenando festivamente das calçadas desses bares, para aqueles que passeavam em ebriedade no outro lado da rua. O que importava era viver e, só. O objetivo orientava para altivez das coisas não aceitáveis, com intuído de causar admiração nos corações sensíveis ou nos conservadores fechados para as emoções. Bee Gees, pautava nos programas de maior audiência dos Dail local, sua melhor expressão. Por essa via, ‘More Than a Woman’ era a febre que juntava ao calor do agreste sertanejo e a puberdade de uma juventude sonhadora, no brilho final em preto e branco da TV Tupi.

Flutuando nesse momento, o que se esperava de curtição, era encontrado, mesmo limitado, na soberba interiorana dos finais de semana na Praça João Pessoa, que sempre oferecia o universo imaginário dos drinks coloridos; conversas e bate-papos do cotidiano, tudo em clima de birinights, guiados em plena luz negra de faros semiapagadas ou pelos globos giratórios das discotecas desse trecho. Como foi sublime esse momento, como foi eterno enquanto durou.

Se havia alguma dúvida da extinção desses locais, um passeio pela saudosa avenida, in loco, se consome essas lembranças como forma de reviver as nostálgicas conversas de bares em bares, cumprindo o percurso das horas, ao som dos ‘tintins’ dos copos de cristais e das batidas surdas nas mesas acidentais, que acolhia uma prole de praticantes de arremessos de taças embebecidas do consumido Pilsen Malt 90.

Se você não viveu o brilho cultural da Karlos Center; o populado petisco do Bar dos Penetras ou a testosterona do Bar dos Playboy, sinta-se à vontade em querer matar sua curiosidade ou assume que não conheceu esse tempo. Pois em sintonia com a embriaguez da vida, muitos que circularam por esses bares, descobriu em um copo de cerveja, que o mundo não gira, pois o mundo não tem forma. E que a terra não é o centro do universo. Mesma assim, era estonteante a saída desses bares, depois de um fim de noite.

A Karlos Center era um espaço quase temático. Isso porque havia serviços de bar; área de convivência com boate. Se destacou em meados dos anos 80, depois, motivado pela baixa frequência, o espaço de convivência foi desativado, ficando apenas os serviços de bar, drinks e petiscos. Em sintonia com a atitude jovem de sua época, o Playboy Drinks reunia o melhor do conceito em termo de espaço para juventude de sua época. Música, bebidas, petiscos, conversas. O Playboy Drinks Bar como queira falar, no auge da sua popularidade, instigou a moçada a paquera e construções de boas amizades.

Mas tudo isso é passado e, os bares do convívio de uma gente jovem alucinante, teve a sua alma embriagada, castrada e desmontada na escora de um balcão. E as suas decorações mal definidas, consternada na contramão que a boa estética, permitida para noites da cidade vespertina. Ficando nas poucas fachadas que restaram, as lembranças desbotadas das paredes, desenhadas com poster de astros da jovem guarda. Alvenarias de sonhos, encobertas por placas publicitários ou eletrônicas, das famosas Billboard incandescentes, que perduram na atualidade das cajazeiras permitidas.

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domingo, 4 de maio de 2025

A Urgência de uma Rede de Apoio Governamental

porHélio Costa

Porta luz sobre pote. Fotografia: (autor) Cleudimar Ferreira

Nos dias atuais, a arte enfrenta um cenário desafiador que vai além das questões criativas e estéticas. Para muitos artistas, a luta pela sobrevivência financeira é tão intensa quanto a busca pela expressão de suas ideias. Em um mundo onde a visibilidade e a valorização do trabalho artístico são frequentemente negligenciadas, torna-se imperativo que os governos desenvolvam políticas de amparo que garantam um suporte sólido para aqueles que vivem da arte.

A realidade é que muitos artistas dependem exclusivamente de suas obras para sustentar suas vidas. No entanto, a escassez de espaços para exposição, somada à falta de incentivos financeiros, transforma o exercício artístico em uma atividade repleta de incertezas. A ideia de que a arte deve ser uma vocação pura, desvinculada de questões financeiras, é uma noção romântica que não se sustenta diante das necessidades práticas dos criadores.

Uma política governamental eficaz poderia estabelecer uma rede de apoio que não apenas ofereça espaços para exposição, mas também promova a visibilidade das obras, garantindo que os artistas recebam uma contrapartida financeira justa por seu trabalho. Isso poderia incluir desde a criação de editais de fomento e aquisição de obras até a organização de feiras e festivais que valorizem a cultura local, atraindo a atenção do público e, consequentemente, de compradores.

Além disso, o suporte pode se estender à formação e capacitação dos artistas, proporcionando-lhes ferramentas para navegar no mercado e desenvolver habilidades empreendedoras. A articulação entre artistas e instituições culturais deve ser incentivada, criando um ecossistema que favoreça a troca e a colaboração. Em vez de ver a arte como um produto isolado, é fundamental reconhecê-la como parte de uma cadeia produtiva que gera emprego, educação e desenvolvimento social.

A pandemia de COVID-19 evidenciou ainda mais as fragilidades do setor cultural. Muitos artistas se viram sem alternativas de renda e sem a possibilidade de expor suas obras. Em resposta, iniciativas comunitárias e coletivos emergiram, mostrando que a solidariedade é uma força poderosa. Contudo, essa rede informal não substitui a necessidade de uma estrutura governamental que ofereça segurança e estabilidade.

É hora de os gestores públicos e a sociedade em geral reconhecerem o valor da arte como um bem vital para a cultura e a identidade de um país. Investir em políticas de apoio ao artista é investir no futuro da nossa expressão cultural. A arte não deve ser apenas um passatempo, mas sim um pilar da economia criativa, capaz de gerar transformação social e econômica.

Que este seja o momento de reflexão e ação. A construção de um ambiente onde os artistas se sintam seguros para criar e prosperar é uma responsabilidade coletiva. A arte precisa de espaço, e esse espaço deve ser garantido por políticas públicas que reconheçam e valorizem o potencial transformador da criatividade humana.

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terça-feira, 15 de abril de 2025

As ruas da cidade viravam paredes expostas com cartazes, fotos e filmes

porCleudimar Ferreira




Na era dos cinemas de ruas, as ruas da cidade de Cajazeiras, se tornaram paredes expostas em cartaz, que parecia projetar para o futuro todo romantismo de uma época, onde o cinema reinava absoluto, não só na produção das suas belas imagens ilusórias, mágicas, mas também sob o sentimento que essas icônicas estampas fotográficas provocavam na população que iam aos cinemas. Cartazes mostrados nas suas vias de pedras anômalos, eram sinônimos de aglomerações e curiosidades.

Mas tudo parou no passado, ficando o registro de uma época. Os retratos batidos pelos seus fotógrafos do tempo, são provas que Cajazeiras viveu esse momento com obstinação e paixão. Digo assim, por que vivi esse ciclo e percebia o apego a sétima arte, dos que frequentavam as três salas de exibições da cidade, estrategicamente distribuídas e fixadas no seu espaço geográfico, de acordo com as maiores movimentações e fluxo comum dos seus habitantes

Com a presença tão unânime do seu povo, os espaços de convivência da cidade iam se transformando em pontos de exposições das chamadas tabuletas de cinema. Pontos esses disputados pelos donos dos cinemas, para divulgação dos filmes da semana. Vias públicas a exemplo da Praça João Pessoa e Terminal Rodoviário, por certo era os locais de maior convergência de transeuntes.

A Praça João Pessoa, cuja posição urbana ficava e ainda fica na parte central da cidade, foi nas décadas 50 e 60 o principal entreposto ocupado pelo Cine Éden. Não por capricho do proprietário desse cinema, mas por ser a artéria onde estava instalada essa sala de exibições e ter a maioria dos bares, lanchonetes, danceterias e sorveterias como paradas obrigatórias da juventude cajazeirense dessa época. As aglomerações nesses espaços de convergência e entretenimento, também contribuía para o crescimento do público nas sessões do Cine Éden. 

Por outro lado, o principal terminal rodoviário da cidade - anexo ao Edifício Antônio Ferreira, era ponto cativo de divulgação dos filmes que seriam exibidos no Cine Teatro Apolo XI, de propriedade da Diocese de Cajazeiras. Para o exibidor do Apolo XI, o local era estratégico, por ser porta de entrada dos visitantes que chegavam e dos filhos da terra que retornava à cidade. 

A ocupação desses espaços públicos com essas carimbadas tabuletas, nos fazia entender como era percebível, sob o ponto de vista financeiro, o interesse de cada proprietário dessas salas. Ou seja, o Cine Éden acreditava na grande fluência de pessoas do centro comercial, por achar que essa concentração tinha um perfil mais popular. Nesse sentido, havia mais possibilidade de ter nas sessões da noite, principalmente as dos finais de semanas, o seu auditório lotado. 

No caso do Cine Apolo XI, havia uma confiança no movimento de embarque e desembarque dos ônibus e dos serviços de hotelaria do Edifício Antônio Ferreira, como fator importante para o aumento de público nas suas sessões diárias. Como esse cinema era um pouco afastado do centro, apostava também no poder aquisitivo da população da parte norte da cidade, onde o cinema estava situado, compreendendo aí os moradores da Barão do Rio Branco e das famílias de classe média da Rua Victor Jurema. 

Na contramão da prática seguida pelos cines Éden e Apolo XI, o Cine Teatro Pax, outro cinema administrado pela diocese, por ser o local de produção de tudo quanto era material de propaganda dos chamados cinemas do bispo, não tinha um ponto externo, específico, para divulgação da sua programação. A chamamento do público a sua sala, se limitava apenas aos cartazes colocados no seu interior ou na parte de fora do moro que quadava o seu adro. 

Como esse cinema estava situado na confluência entre o centro e as regiões sul e sudoeste da cidade, o público frequentador do Cine Pax - na sua maioria da zona sul, era fiel e mais cativo nas suas sessões, independente ou não do filme que estava em cartaz. Sendo quase certeza de auditório cheio. Por conta disso, achava o seu administrador, que as tais tabuletas de rua não eram tão necessárias, por isso, raramente se via esses espaços de propagando do Cine Pax, nas ruas de Cajazeiras. 

As tradicionais tabuletas, bases de madeiras emolduradas, para aberturas dos letreiros indicativos dos filmes que seriam exibidos nos dias da semana, enfeitava a paisagem central da cidade. Vez por outras, a pura abertura desses letreiros era quebrada e, os cinemas, embora esporadicamente, misturava colagem de cartazes coloridos com palavras, numa forma atrativa de atrair o público ao cinema. Mas isso era uma raridade e nem sempre era assim. O que prevalecia mesmo, era os evidentes letreiros estilizados.  

Essas famosas tabuletas, tão comum no espaço urbano da Cajazeiras do passado, simbolizava a melhor solução, em termo de propaganda, que os cinemas da cidade tinham para divulgar seus filmes. Elas eram um atrativo a mais no meio dos merchandisings que o comércio produzia para divulgar e vender. Muito mais do que simplesmente tabuletas publicitarias, elas eram também, objetos que compondo a paisagem urbana, serviram para testemunhar um passado, quando esses cinemas reinavam absolutos na vida dos cajazeirenses. 


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referências das imagens dessa postagem
:
 Borracha e Bosco Pinto. (fotógrafos que aturaram nesse periodo)

sexta-feira, 14 de março de 2025

porJoão Batista de Brito

Pavilhão do Chá em João Pessoa. imagem do acervo do IBGE.


Estávamos na João Pessoa dos anos quarenta. A família era das mais tradicionais e o casarão ficava no Parque Solon de Lucena, na época área nobre da capital.

Analice fora criada com o zelo esperado: babá, aula de piano, Aliança Francesa, ginásio no Colégio das Lourdinas, secundário na Escola Normal, tudo cabível a uma moça de família abastada, ainda mais filha única.

Foi no tempo da Escola Normal, ali na Praça João Pessoa, que os problemas apareceram. Não se sabe como, Analice conheceu esse rapaz e, em pouco tempo começaram um namoro que, com certeza, se a família soubesse, desaprovaria de chofre. Rapaz pobre, residente no popular bairro de Jaguaribe, Júlio estava longe de ter as credenciais necessárias. Os dois sabiam disso e por isso mesmo se mantinham furtivos, feito dois criminosos.

Poucos conheciam o caso, mas o fato é que o namoro chegou aos ouvidos da família, e daí a pouco, estava peremptoriamente encerrado. Se Júlio sofreu, não se sabe, mas, Analice ficou mal, muito mal. Filha obediente, engoliu o veto, a separação, a dor...

Passou-se o tempo e, com as providências da família, eis que, finalmente, apareceu “o homem certo” para Analice, esta agora já nos seus vinte e um anos de idade. Dez anos mais velho que ela, Constantino era um alto comerciante, proprietário de vários negócios na cidade. Com o reforço da família, o namoro logo virou noivado, que logo virou casamento.

E assim Analice foi se adaptando como podia a essa nova forma de vida, em sua confortável nova residência, uma das mais elegantes da rua Visconde de Pelotas. Não é que não gostasse de Constantino, mas sentia que seu afeto por ele - um homem bondoso e compreensivo – era diverso do que sentira por Júlio. Havia carinho, sossego, respeito, mas não havia chama. Por isso, toda noite rezava à Virgem Maria para esquecer de vez o passado e aceitar o presente.

Aparentemente a Virgem Maria lhe atendeu a súplica. Já fazia cinco anos de casamento, e tudo caminhava dentro da normalidade esperada. Na condição de esposa e dona de casa, Analice vivia, se não feliz, ao menos tranquila, e, mais importante, em paz com sua consciência.

Essa paz começou a ser ameaçada naquele dia em que decidiu que as roupas de cama e mesa da casa estavam gastas. Conversou com o marido, o qual, rindo do problema, lhe lembrou que as Lojas Medeiros e Cia, ali na subida da Guedes Pereira, eram da família: era só ir lá, escolher e mandar entregar. Nem pagar precisava, completou ele, ainda rindo.

E assim lá foi Analice às Lojas Medeiros e Cia.

Para seu total espanto, quem a atendeu? Sim, ele, Júlio, o mesmo Júlio que, agora que o revia, sabia nunca haver esquecido. Estava mais maduro, porém, formoso como sempre, com sua sensualidade morena, o brilho no olhar, a fala doce e o mesmo sorriso franco. Trêmula e um pouco tonta, Analice desempenhou como pôde o papel de freguesa, e ele, aparentemente muito bem, o papel de atendente. Entre os tecidos mostrados, ela não deixou de notar o anel em sua mão esquerda, visão que não sabia se a acalmava ou se mais a perturbava.

Na noite daquele dia Analice não dormiu. Então seu ex-amor era empregado de seu esposo! O destino estava maldosamente brincando com ela... E a insônia persistiu por noites e noites.

Notando-a abatida, o marido aconselhou-a a divertir-se um pouco. Chamasse a vizinha e amiga Letícia e fosse a um cinema, ou saísse para um sorvete, ou um chá, coisas assim.

Sem convicção, Analice foi com Letícia à matinê do Cine Rex. Finda a sessão, a amiga sugeriu um final de tarde no Pavilhão do Chá, ao que Analice reagiu negativamente, escondendo a lembrança de que aquele fora o local do seu primeiro encontro com Júlio. A amiga insistiu, e por fim, Analice acedeu; afinal, não podia continuar fugindo de lembranças que não valiam a pena lembrar.

Pois essas aprazíveis tardinhas no Pavilhão do Chá se tornaram habituais, o que foi alimentando em Analice a impressão de que o passado poderia ser vencido.

Isso até o dia em que, mais um espanto, ela avistou Júlio na calçada da praça. Como assim? Ocorre que os alegres fregueses do Pavilhão do Chá, recinto aberto, podiam ser vistos pelos passantes, da praça e da rua, inclusive pelos passageiros do bonde que fazia o percurso Ponto de Cem Réis-Jaguaribe, o meio de transporte diário de Júlio.

E de repente Júlio veio vindo em direção a ela. Nervosa, Analice chamou o garçom. Não adiantou: ele aproximou-se, deu boa noite, cumprimentou Letícia com um aceno de cabeça, e em seguida, apertou a mão de Analice, e no aperto de mão, veiculou uma discreta tira de papel, que Analice jogou na bolsa sem ver o que era.

Em casa, a sós no seu quarto, leu. Havia um número de telefone e uma frase escrita: “pelo amor de Deus me ligue.”

Desfazia-se daquele pedaço de papel? Ou fazia o que ele implorava?



domingo, 2 de março de 2025

CONVERSAS DE CINE ÉDEN: O Caçador de Fotogramas

porCleudimar Ferreira

Imagem meramente ilustrativa, editada a partir de uma foto de uma cena do filme: 'Alguém 
me Vigia' de 1979. Em destaque a atriz Lauren Hutton, protagonista do filme
 

No auge daqueles três cinemas, eis que explode um dos momentos contagiantes da minha adolescência. Um intervalo no tempo, em que muitos viveram comigo e, outros que não vivenciaram, passaram mais adiante, também, a se envolver e ser parte desse instante. E o que foi bom, não houve idade marcada ou preestabelecida, pois o interesse naquela diversão, era unânime e, por ser assim, atraia a vontade de todos, independentemente dos anos que tivesse ou da seriedade que aparentava ter.

Quando eu andava pelas ruas de Cajazeiras, facilmente sabia entender o sentido daquela atração quase voraz. Uma febre por aquelas atraentes microimagens, pulsava em quase todas as residências, pois o que eu via nessa eterna urbe, era que uma casa aqui, outra ali, sempre havia um grupo reunido, vislumbrando com ajuda de uma razoável lente artesanal, manipulada, a partir de uma lâmpada comum, com água dentro e um foco de luz solar que surgia por uma abertura no teto; uns tais fotogramas de cores e luzes, na parede de algum lugar das suas moradias.

Os inventos variavam de tamanho, qualidade e quantidade. Muitos da meninada dessa época, abusava da criatividade, sempre buscando a perfeição, na melhor confecção daquelas pequenos caixas mágicas, que nos fazia viajar por um mundo de fantasias e sonhos. Colavam os quadrinhos magnéticos, um, depois um; outro, após outro, com ajuda de um durex, formando um improvisado novelo, com imagens dos atores, estrelas protagonistas dos filmes de faroeste ou épicos, preferivelmente, imitando os verdadeiros rolos de fitas que chegavam em latões, nas cabines dos cinemas, para serem revisados e projetados, durante as sessões a noite nas salas de exibições da cidade.

Não se via naquelas caixinhas de sapatos ou de madeira, a possibilidade delas serem transformadas em algo concreto, pois não havia, sobretudo, nenhuma ligação com a realidade, porém, apenas, pequenos objetos que lembrava a ilusão do cinema ou as imagens que nele víamos. Imagens reverenciadas, por demais amadas, principalmente quando olhávamos projetados nas paredes de nossas casas, os retratos gigantes de Jonh Weyne, Clenn Ford, Gregory Peck, ou as well-defined beauties em plano aberto, de Claudia Cardinale, Greta Garbo, Sophia Loren e Natalie Wood.

A busca diária por tais fotogramas, aumentava e, as portas dos Cines Éden, Pax e Apolo XI, nos intervalos das exibições, bem como, no período da manhã - momento de limpezas dessas salas ou nos horários da tarde - quando os operadores de projetores, revisavam os rolos de fitas; tinha caráter construtivos, já que era na procura das melhores imagens, que surgia a formação dos nossos melhores bancos de fotogramas e, a meninada da vizinhança, era ávida, não fazia concessão e valorizava a qualidade das imagens.

No começo dessa fábula cinematográfica, passamos a andar pelos lixos dos cinemas de Cajazeiras, procurando esses esquecidos fotogramas, descartados das partes dos filmes, que não era adequados para exibição nas grandes telas. Até aquela ocasião, para encontrar essas preciosidades, perdidas ou não nos dispensários dos três cinemas, era necessário chegar na hora que os operadores recolhiam o lixo produzido pela revisão, ou horas depois. Isso, se ninguém chagasse antes. 

Tinha alguns que chegava a fazer plantão nos fundos dos cinemas, tocaiando o momento que o auxiliar de operador descia com o lixo da faxina, para vascular os entulhos, ansiosos na esperança de encontrar uma imagem. Se a procura dessas pequenas janelas, era aparentemente uma tarefa difícil, mais difícil ficava, com o aumento do número de interessados envolvidos na brincadeira de cineminha em casa.

Com a crescente demanda por dessas imagens nos cinemas da cidade, os operadores de projetores, que também eram os responsáveis pelas revisões dos filmes, passaram a fazer esse trabalho e, tudo que era cortado das fitas, iam sendo guardados e vendidos a preços não muito satisfatórios, para muitos garotos que não tinha se quer um centavo no bolço da sua calça coringa e, tudo que precisava comprar, dependia da boa vontade dos pais.

Lembro que certa vez estava sendo exibido no Cine Éden um filme de Faroeste, chamado ‘O Irresistível Forasteiro’, com Glenn Ford. O filme tinha sido gravado em cinemascope e a imagem apresentava um colorido perfeito, com uma resolução de fazer inveja aos 4k de hoje. A exibição tomava toda a extensão da tela. Como já tinha assistido no dia da estreia, fui dois dias depois ao Cine Éden com alguns trocados na mão. Meu propósito, era adquirir alguns fotogramas do filme que mostrasse um plano fechado do ator protagonista, no caso, Glenn Ford.  

Quando cheguei a calçado do cinema, vi que a porta estava fechada, mas a janela da cabine dos projetores, que dava para a Praça João Pessoa, estava aberta. Perguntei com a voz um pouco alterada: - tem alguém aí? Ninguém respondeu, ninguém apareceu. Já que esse compartimento do cinema ficava numa espécie de plano superior, em relação ao auditório, pequei uma pedrinha no calçamento da Praça João Pessoa e atirei em direção a janela, fazendo a mesma pergunta feita antes: - tem alguém aí? Subitamente, vi um pé e uma mão aparecendo, quase empresados, naquela janela estreita e bastante comprida. Era Manoelzinho Justino, um dos operadores, que no futuro veria a ser uma das vítimas fatais do atentado a bomba no Cine Teatro Apolo XI.

Ele apareceu na janela e perguntou o que eu queria. Disse a ele que desejava adquirir alguns fotogramas do filme ‘O Irresistível Forasteiro’. Fitas cujas imagens tivesse atores em plano médio ou fechado. Ele prontamente disse que tinha e perguntou quantas eu queria. Respondi, umas cinco. Ele replicou: - É dois cruzeiros. Vi que tinha esse valor, peguei o dinheiro enrolei muna pedrinha com uma liga e, joguei em direção a janela. 

Ele recebeu os cruzeiros, conferiu e falou que ia pegar os fotogramas. Fiquei esperando alguns minutos. De repente, Manoelzinho reapareceu na janela e, jogou em minha direção, um pacotinho envolvido num papel. O passador de filmes encostou a janela e desaparece de mim. Quando olho o conteúdo do pacotinho, os fotogramas vendidos por Manoelzinho, só tinha imagem com cenas de paisagens, ou seja, planos gerais da cidade cenográfica, cowboys pastoreando ovelhas, desfiladeiros e montanhas da região oeste americana.

Tentei no mesmo instante devolver a encomenda adquirida com operador do Éden. Gritei em direção a janela superior do cinema, chamando: - Ô Manoelzinho! não são essas as imagens que pedi e nem as que comprei. Clamei com a voz altiva e o ‘cara’ não apareceu. Voltei a, apliquei a técnica de atirar uma pedra na janela da cabine de operação do cinema, mas o funcionário da sala de exibição não deu ouvido, não deu as caras.

E assim voltei com aquelas imagens provocativas, desqualificando o meu caminho em direção a balaústre cega da porta principal das casas pernambucanas. Quanto aos meus fotogramas, fui, como diz no popular, ‘enrolado’ pelo tal Manoelzinho do Cine Éden. Mesmo assim, deu para aproveitar, pois como disse anteriormente, as imagens e o colorido do filme ‘O Irresistível Forasteiro’ eram mágicas, um vislumbre para os olhos de qualquer adolescente que vivia aqueles dias fantásticos, simbolizados via as caixas panorâmicas dos nossos três cinemas.

D  E  I  X  E    O    S  E  U    C O M E N T Á R I O




 AVISO: Esse texto é único e tem registro. Plagiar ou copiar sem breve autorização do autor, poderá acarretar em pedido de reparos perante a lei.

domingo, 23 de fevereiro de 2025

Rótulos de cigarros, provavelmente fabricados em Cajazeiras e Sousa.

porCleudimar Ferreira

Imagnes meramente ilustrativa. Fonte: do acervo da Fundação Joaquim Nabuco


Que interessante. No acervo de fotografias da Fundação Joaquim Nabuco, encontrei essas duas imagens de rótulos de cigarros fabricados nas cidades de Cajazeiras e Sousa. Os supostos impressos dos produtos originários das vizinhas cidades, parecem ser anúncios publicitários, divulgados em algum órgão noticioso, em circulação no passado, na região de Sousa e Cajazeiras. 

Os rótulos, talvez seja também, ilustrações das embalagens ou das caixas dos cigarros. Foram confeccionados a partir do uso da técnica de impressão litográfica, pela Litografia Rua Nova 39, uma das mais antigas da cidade de Recife, Pernambuco. Sendo que, especificamente, o rótulo do cigarro fabricado em Cajazeiras, feito em cores; e o de Sousa, em Preto e Branco. É o que consta na ficha catalográfica dos impressos, no site da Fundação Joaquim Nabuco.

Como se ver nas imagens acima, a arte nos rótulos, apresenta um desenho diferenciado, porém representativo, simbólico, com ilustrações e temática bastante comum nas gravações do final do século XIX (período Imperial) e primeiras décadas do século XX, quando o Brasil trocou a monarquia por um regime político republicano. Os impressos originais, pertencem ao colecionador Professor e Doutor Roque de Brito Alves, conforme ficha catalográfica. O acesso as imagens, só é possível através da caixa/menu de busca do site da fundação, digitando as palavras 'Cajazeiras, Paraíba'.

Conforme os rótulos, o cigarro cajazeirense, se chamava ‘A Flor do Brasil’ e tinha a marca ‘As Duas Coroas’ fábrica de cigarros Rozado e Irmão, como fabricante. Já o manufaturado na vizinha cidade de Sousa, tinha o nome de 'Cigarros Sertanejos' e, era fabricado na cidade sorriso por A. J. de Mello. Provavelmente, os cigarros eram distribuídos e vendidos no comércio das duas cidades e nas cidades circunvizinhas.

D E I X E  O  S E U  C O M E N T Á R I O


Imagens: Acervo da Fundação Joaquim Nabuco / coleção Roque de Brito Alves

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2025

Em Cajazeiras, um tea for two na porta de entrada para o Cine Éden

porCleudimar Ferreira

Inicio da Avenida (Praça) João Pessoa - Cajazeiras/PB, década de 50.

O título original do filme escrito nessa tabuleta, inserida no contexto visual que a foto acima expõe, por sinal, bem colocada na rua pelo Cine Éden, seria: 'Tea For Two' ou na linguagem pindoramista, ‘Chá Para Dois’. Protagonizado pela atriz Doris Day, ‘Chá Para Dois’ foi produzido em 1950, ano da invasão da Coreia do Sul pela Coreia do Norte e do anúncio para o mundo do desenvolvimento da bomba de hidrogênio. O filme teve a direção de David Butler, com roteiro escrito por Herry Clork, inspirado no musical da Broadway No, No, Nanette, espetáculo produzido por Herry Frazee, em 1919.

A película é uma comédia musical, romântica, ambientada nos Estados Unidos, que conta a história de Nanette Carter, uma herdeira aficionada por musicais, que é convencida a financiar um show na Broadway. Confiante no triunfo do espetáculo, o elenco passou a fazer os ensaios na casa de Nanette.

No primeiro dia de ensaio, o elenco chegou a sua propriedade, mas várias complicações cômicas aconteceram. Uma delas foi uma aposta que o tio de Nanette havia feito, a qual não conseguiu vencer. E o pior, um fato inusitado aconteceu nessa história, todo dinheiro que o tio dela tinha, que também era parte do dinheiro da aposta, o tio perdeu com a quebra do bolsa de valores.

Procurando uma saída para evitar o fracasso da produção, uma assistente de Nanette, conseguiu convencer um advogado a apoiar o show. Com o apoio do advogado, o espetáculo, ‘No, No, Nanette’, finalmente é realizado e, passou a se tornar um sucesso. 

Como se observa, a imagem do cartaz que foi exposto no início da Praça João Pessoa, não exibiu o nome original do filme, mas outro nome. Nesse tempo, era comum os filmes produzidos em outros país, entrar em solo brasileira e as distribuidoras, renomear, dando outro título aos filmes. O letreiro na tabuleta do Éden não é bem legível, mas dá para ler o que o letrista escreveu, o que nesse caso, me parece ser ‘Uma pizza para dois’.

O local na Praça João Pessoa onde o cartaz na foto está, era considerado da década de 50 até a primeira metade dos anos 80, a porta de entrada do Cine Teatro Éden. Então, era um lugar estratégico, não desqualificando os outros locais na cidade, usados pelas demais salas de cinema existente em Cajazeiras, para divulgação das suas programações diarias, como os cines Pax e Apolo XI.

Cartaz do musical 'No, No, Nanette' e do Filme 'Chá Para Dois'.

A praça, como caminho para o mais tradicional cinema de Cajazeiras, se destacava por ser a princpal artéria de convivencia da cidade; por ter também vários pontos pitorescos, conhecidos e frequentados pela população, a exemplo da Sorveteria Trianon de seu Chatô, que ficava nesse prédio de 1º andar que a imagem mostra, na esquina da Travessa Acácio, que dá acesso a Rua Higino Rolim e a Igreja Matriz Nossa Senhora de Fátima.

Do lado direito da fotografia, aparece em evidência, o prédio onde funcionou por muito tempo as Casas Pernambucanas. Na parte de cima das pernambucanas, ficava instalado a representação do Departamento de Estradas e Rodagem (DER-PB) e na calçada, a tradicional Banca de Revistas de Diana de Chico Bembem. Logo depois, o Cartório de Antônio Holanda e em seguida, a agência do Banco da Cooperativa Agrícola.

Por outro lado, as sombras do passado que a fotografia expõe, tanto do lado esquerdo, quanto do lado direito da principal praça de Cajazeiras, indicam que no momento do Click, o tempo romantizava, que esse instante, aconteceu no período da manhã, aproximando do meio-dia, com nuvens que prenunciava que a cidade estava vivendo um periodo chuvoso. 

Dependendo do dia e horário, as sombras podiam esconder Jeeps, Caminhonetes, Rurais, Caminhões FNM e os primeiros carros de passeios - com ênfase, a chegada dos Aero Willys na cidade. Porém, essas sombras não eram e, nunca foram contratempo, embaraço ou algo que escondesse o caminho em direção ao Cine Éden, principalmente se a estrela do filme fosse com Doris Day ou se o tema na fita, em exibição, falasse de Chá, de Pizza, de Prisma, Pássaros ou coisa assim. Pois o cinema, nos anos 50, era convidativo e, dependo ou não do que era exibido, o público comparecia, lotando as salas de exibições.  


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