domingo, 28 de março de 2021

Pérolas ao Sol

por: Mariana Moreira


E os derradeiros vestígios da chuva da noite cintilam nos fios e pontas de folhas, como reluzentes pérolas incendiadas pelo claro sol da manhã, que entre em minha janela, anunciando o dia. E um longínquo e solitário canto de galo destoa da cidade, com saudades de um poleiro e um monturo para ciscar basculho e catar minhocas.

Olho a rua que teima em manter-se viva e pulsante, Carros, motos e gentes seguem na direção do movimento, negligenciados dos perigos que, sorrateiros, assuntam o mundo na forma de uma pandemia.

Um desgarrado bem-te-vi estica as asas na parábola de uma antena. Estufando o peito e encarando o sol, solta o cantar melodioso enquanto serelepes saguis fazem malabarismos mil na fiação elétrica.

E a rua ganha mais movimentos. Um senhor com idade de vovô protege-se da intensidade incandescente do brilho do sol com a mão em concha acima dos olhos. Na outra mão a sacola de pão quentinha pego na padaria que madruga a manhã, anuncia o cheiro do café que se espraia pela casa.

E uma lembrança de primeiras manhãs de infância me assalta o cheiro do café misturando a fumaça da maravalha úmida e preguiçosa que, lerdamente, sopra labaredas no fogão a lenha, habilidosamente atiçado pelas mãos paternas no inicio das tarefas do dia, antecipando a retirada do leite e o árduo trabalho na roça e no cuidado com o minguado rebanho.

Volto meu olhar para o presente. A rua continua se agitando. Um gari assobia uma melodia desconhecida enquanto uma a vassoura tenta dar um ar de limpeza às nossas irresponsáveis atitudes de considerar a rua lugar de ninguém e, portanto, depósito de nossos entulhos e dejetos.

Arrastando sua carrocinha, sonha com uma fumegante xicara de café e um pão com margarina para saciar a barriga desperta ainda na madrugada para cumprir a exaustiva jornada, para muitos, invisível.

Vozes humanas despertam meu olhar para um grupo de pessoas que, em uma calçada, compõe uma animada prosa. À distância me permite ouvir murmúrios indecifráveis, mas com certeza, em algum momento, a conversa teve como mote a morte de um amigo, conhecido, parente, alimentando as dramáticas estatísticas da pandemia que, avassaladora, em nosso país ganha a aliança parceira de um presidente irresponsável e genocida.

E da minha janela de mundo olho a vida que teima em pulsar lá fora.

E me invade o medo de que a pandemia nos roube não somente vidas, mas lembranças com a gota de água de chuva que resplandece no fio elétrico, tangida pelo sol que insiste em nos lembrar que ainda pulsamos.


fonte: Gazeta do Alto Piranhas

quarta-feira, 24 de março de 2021

Praça da Cultura: Prefeito planeja entregar reforma na primeira quinzena de abril.

por: Cleudimar Ferreira



O prefeito de Cajazeiras José Aldemir, que é um “caba” imprevisível - virtude de alguns raros políticos que não costuma prometer, mais tem ousadia de usar o fator surpresa quando quer realizar feitos, acertadamente, marcou um ponto importante no interesse de alguns segmentos sociais cajazeirense. Está prestes a concluir um trabalho de suma importância na politica municipal de preservação e manutenção do patrimônio histórico e cultural da cidade.

Se bem que nesse ultimo setor - o cultural, ele poderia ter feito mais, se o ocaso epidemiológico, gerado pela crise sanitária que vem afetando as administrações das cidades brasileiras, não tivesse atrapalhado e descontrolando a correta aplicação orçamentaria no setor produtivo artístico do município. Mas tudo bem, esse descontrole não é algo isolado, visto como exclusividade só de Cajazeiras, mas do país todo e, em si tratando de Cajazeiras, até que José Aldemir tem feito às equações, se preocupando mais com os acertos. Se preparando para errar menos e, por fim, buscando formas de como agradar a população da cidade.

Se formos elencar as suas pelejas no sentido de cumprir metas nesse setor importante para população de Cajazeiras - que é o cultural, basta lembrar que ele manteve, mesmo em meio a descontrolada crise da saúde no país, o principal meio de fomentação da produção cultural na cidade, que é Fundo Municipal de Incentivo a Cultura (FUMINC). Manteve sim, com ampliação dos recursos e cumprimento de metas, ajudando os agentes produtivos da cultura a atravessar esse período turbulento-transitório, com menos apertos monetários. É claro que o FUMINC não é um fundo com grandes volumes de financeiros, mas é o que a prefeitura tem a disposição e, pode fazer pelo setor.    

Num país onde os trabalhadores de cultura, foi jogado a cabo, por uma politica devasta de desmonte e sucateamento da sua indústria cultural por parte do governo federal, prefeituras que mantiveram as duras penas seus principais prêmios de incentivo à cultura, sem falsa modesta ou não querendo agradar ninguém, o que Aldemir fez, me parece ser um grande feito.


Em todo caso, mesmo num momento adverso como esse que passamos; mesmo fazendo o trivial; José Aldemir, como o mínimo, mas com cheiro de máximo, programa para já, a entrega da reforma de um equipamento que é a cara da história e do passado de Cajazeiras. Que tem uma forte ligação com a cultura da cidade, que é a Praça Nossa Senhora de Fátima - conhecida tradicionalmente como Praça da Cultura ou Praça da Matriz.

No caso da remodelação desse espaço público, a importância do feito não está só na praça, mas nos seus componentes como: o velho coreto centenário, a fonte luminosa de tantas décadas e todo o sítio histórico que compõe o conjunto da praça. Aliás, o apelido praça da cultura se consagra, por ser aquele espaço, no passado, palco de grandes eventos que marcaram o movimento cultural da cidade, como foi caso da realização das várias versões do Festival Regional da Canção no Sertão; dos inúmeros Saraus e Festivais de Poesia Estudantil, além das exposições de artes, apresentações de violeiros e de teatro realizados no local. 

A população de Cajazeiras, mais precisamente do centro e do entorno da Igreja Nossa Senhora de Fátima, tem muito é que comemorar e, viver essa satisfação de ver esse bem comunitário totalmente restaurado e revitalizado. Esperam ansiosamente a estrega do equipamento de convivência muito mais atrativo e seguro, com nova iluminação, piso e a parte de jardinagem totalmente adequada a praça.

Para o prefeito Zé Aldemir, a obra tem um significado muito especial. E afirma que também está ansioso para entregá-la, por se tratar de um local, palco de grandes acontecimentos da vida política, cultural e religiosa da terra do Padre Rolim.



fonte e fotos: Wanderley Figueiredo

segunda-feira, 22 de março de 2021

Como escreve Linaldo Guedes

COMO EU ESCREVO:


Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?

Sim. Creio até que todos temos, mesmo que não admitamos. No meu caso específico, costumo acordar entre 4 e 5 da manhã. Fico deitado na cama um pouco, depois levanto-me, ligo o som numa rádio daqui da minha cidade e ligo o computador. Abro minha caixa de email, o email da editora Arribaçã. Vejo se tem algo para responder, dou uma rápida olhada nas redes sociais e leio um pouco algum livro. Depois saio para o meu trabalho. Fins de semana e feriados, demoro mais um pouco no computador após acordar e sempre busco escrever algo.

Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?

Prefiro trabalhar nesse horário matinal. O clima está mais frio e a cabeça também. Costumo dizer que de manhã cedinho a cabeça está vazia. Fica mais fácil encaixar ideias, construir poemas, fazer uma matéria, um artigo, produzir uma palestra, enfim…

Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?

Escrevo todos os dias, porque além de ser poeta sou jornalista e editor. Então, estou sempre escrevendo uma matéria, uma reportagem, um artigo ou dando pareceres sobre livros. Mas na poesia, que é de fato meu ofício literário, sou levado por ela, e não o contrário. Então, quando surge um poema, uma ideia de um poema, tenho que fazer o jogo dele e parar o que estiver fazendo para tentar construir o poema. Ou, então, anotar a ideia, um verso num papel e depois, com mais tempo, trabalhar o poema. Quando decido publicar um livro, fico, durante o período de gestação do livro, lendo, relendo, escrevendo e refazendo os poemas da obra, até ela ficar pronta. Isso pode durar meses. Até anos. Veja você que há três anos planejo publicar um livro de poemas e não consigo concluí-lo. Sempre acho que está faltando algo e fico adiando.

Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?

Bem, literariamente falando, escrevo poemas e aqui e acolá ensaios e resenhas. Falando da minha produção poética. Geralmente, escrevo o poema a partir de uma ideia (que pode ser chamada também de inspiração). Às vezes é um tema, um verso que surge, uma palavra, algo que li ou vi e fica martelando na mente até transformar em poesia. A hora da transformação dessa ideia em poema é que são elas. Cerco-me de livros, de dicionários, de gramáticas e até da Bíblia ou livros sobre o Budismo, além de estar com o Google aberto para qualquer pesquisa. Tudo isso ajuda na construção do poema. Na escolha de uma palavra, de um advérbio, de um adjetivo, no arremate, enfim. Mas, claro, tudo parte de uma inspiração ou ideia, mas mesmo quando o poema é encomendado (já fiz muitos assim), o processo é o mesmo. Para mim, o poema enquanto não for publicado em livro, pode ser alterado. Depois que o publico em algum livro, não mexo mais nele.

Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?

Não costumo ter travas na escrita. Tenho vazios, buracos. Às vezes, passo meses sem escrever e nem ter vontade de escrever um poema. Mas quando decido escrever, ele vem naturalmente. Também não temo não corresponder às expectativas. Penso que se alguém me contratou ou me provocou para determinado projeto é que sabe de meu potencial. E eu só costumo aceitar tal convite ou provocação se tiver plena e absoluta consciência de que conseguirei dar conta do recado. Caso contrário, agradeço o convite, mas recuso. Em relação a projetos longos, aí sim, confesso que fico ansioso. Tento lidar com essa ansiedade trabalhando simultaneamente em projetos menores. É uma forma de a mente não ficar focada apenas naquele projeto longo.

Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?

Enquanto não publicar em livro, estou sempre revisando meus poemas. O mesmo em relação aos meus textos para jornal. Não costumo mostrar meus textos e poemas para outras pessoas antes de publicá-los, a não ser para eventuais prefaciadores dos livros. No caso dos poemas, publico-os nas redes sociais. Às vezes, alguém comenta, sugere a mudança de algum verso ou palavra. Guardo as sugestões e depois avalio se as incorporo ao meu poema.

Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?

Hoje, faço tudo no computador. À mão, só se surgir uma ideia, um verso, algo assim, quando estou na rua. De maneira geral, lido bem com a tecnologia. Pelo menos com o básico: Word, corel drawn, internet, fazer pesquisa, etc. Mas sem deslumbramento ou afetação. Não sou viciado em internet, embora use sempre.

De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?

Ih, de tanto lugar. De uma conversa, de um olhar, de uma expressão, de uma música, de um filme, de um comentário, de um livro, enfim. No caso da poesia, já disse que sou meio que refém dela. Por exemplo: lancei meu primeiro livro aos 30 anos e naquela época (em 1998) já idealizava quais livros queria fazer a seguir. E fiz alguns desses planejados. Mas outros surgiram no caminho de intrometidos e se fizeram livros sem minha autorização.

O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos? O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?

Creio que o que mudou realmente foi meu conhecimento do mundo. Comecei a fazer poemas com 15 anos, hoje estou com 50. De lá para cá, muita coisa mudou em minha vida, seja pessoalmente, seja profissionalmente, seja literariamente. Mudam também os conceitos. Estamos sempre em evolução. Obviamente, era mais intuitivo e menos cerebral na construção de meus poemas. Hoje consigo aliar as duas coisas por igual, sem perder o meu estilo. O que diria a mim mesmo se pudesse voltar à escrita de meus primeiros textos? Citaria o trecho de uma música de Chico Buarque: “não se afobe não, que nada é para já”.

Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?

Quero concluir e lançar ainda este ano o “Cabo Branco e outros lugares que não estão no mapa”, que será meu quinto livro de poemas, mas não sei se consigo. Tenho vários projetos ainda não começados, como minhas memórias do jornalismo e os bastidores do mundo literário. Mas na verdade tenho um projeto de um livro (em tese de poemas) que une religião, filosofia e política, mas não posso e nem devo falar mais sobre ele agora. Não sei se conseguirei um dia fazê-lo. Seria a minha grande obra, se conseguisse. Quem sabe? 

LINALDO GUEDES é cajazeirense, jornalista, poeta e editor.

 


Entrevista publicada originalmente em 3 de abril de 2019, no comoeuescrevo.com (@comoeuescrevo). https://comoeuescrevo.com/linaldo-guedes/

sábado, 20 de março de 2021

RETALHOS HISTÓRICOS DO SÍTIO CATOLÉ

por: Padre Andrade


Vista panorâmica hoje do Sítio Catolé. Foto: Cleudimar Ferreira


As terras do Sítio Catolé constituem parte das sesmarias doadas a Inácio Cabral da Cunha e sua mulher: Bernarda Domingues de Azevedo, em 1732. A propriedade desses dois primeiros colonizadores iniciava se no Sitio Santo Antônio, um pouco além da Barragem que margeia a BR 230. Partindo do Sul em direção ao Norte, a dita propriedade se estendia até o Sítio Calixto.

Do leste ao Oeste, ia da Barra do Catolé, limite com o Sítio Almas, até, um pouco além da casa de Seu Pedro Marcelino. A outra propriedade que ocupava o primitivo território do Sítio Catolé fora doada a Vicente Marcos de Paiva, em 29 de outubro de 1754.

Tinha esta propriedade, o nome de data do Riacho do Catolé. Eis, pois, o nome mais antigo do Sítio: Riacho do Catolé. Não é fácil entender de imediato, as configurações históricas dessas propriedades, pois, já no século XVII, seus proprietários, venderam partes das mesmas. 

A mais primitiva pertencente a Inácio Cabral da Cunha e sua mulher, tinha o nome de: Data de Santo Antônio. No limite sul, ambos se encostavam, na altura da Ponte que fica sobre o Riacho da Curicaca, pertinho da concessionária Fiat. Sei bem que, por outra direção, mais referida aos Sítios: Cachoeirinha e Pé de Serra, três outras Sesmarias atingiam o município de Cajazeiras.

As duas que mais aparecem como bem conhecidas, são: a Data do Formigueiro, doada a João Manoel Dantas, em 20 de Maio de 1752 e a Data das Sobras da Lagoa de São Francisco, Doadas a Luiz Gomes de Albuquerque, em 7 de Fevereiro de 1767.

A Data do Formigueiro atinge o pé de Serra. A Data das Sobras da Lagoa de São Francisco, pega grande parte da Cachoeirinha e do Catolé dos Macieis, lugar de morada do Velho Moisés, de saudosa memória.

A surpresa que me toma, é saber que, houve também, outra Data de Terras, denominada de: Sobra da Data do Catolé. Esta, doada em 7 de Agosto de 1788, a João Carvalho da Silva. Esta data, de complicada localização tem, também, seu lugar ao sol, na história territorial do catolé.

RESUMINDO TUDO:

O Catolé, propriamente dito, tem seu fundador. Vicente Marcos de Paiva e a data de fundação foi a de 29 de Outubro de 1754. Esta se configura como dará oficial, porém, é quase certo que, seus vaqueiros, já enveredavam pelo velho Catolé, antes daquele dia e ano.

Embora, pioneiros na história da colonização do território do município de Cajazeiras e de parte do Catolé, em particular; Inácio Cabral da Cunha e Bernarda Domingues de Azevedo, não levam o troféu de fundadores do Catolé, porque, mesmo que suas terras tenham atingido consideravelmente o Catolé, a sede da Fazenda, ficava no Santo Antônio do Bé e não no Catolé. Quero dizer: suas terras atingiam o Catolé, por extensão.

Contudo, o referido casal, teve sua parcela de contribuição para o desenvolvimento de parte do Catolé e por isso, tem seu lugar em nossa história.

Luiz Gomes de Albuquerque e sua esposa, Luiza Maria do Espírito Santo, foram de grande importância para a história do Catolé, visto que, além das terras que tinham por Sesmarias, compraram muitas partes das outras Sesmarias que atingiam o Catolé.

João Carvalho da Silva era pelo que me parece, descendente do grande estrategista, Manoel Araújo de Carvalho. Ele foi o último dia, pioneiros colonizadores das terras do Sítio Catolé.

O Catolé era um todo, com esse nome. O segundo nome mais antigo, era o da Barra do Catolé, pois, aparece nos documentos oficiais com esses nomes, desde 1754.

Os outros nomes de Sítios foram surgindo depois. O mais primitivo era: Riacho do Catolé. Começava na ponte da Curicaca, rasgava parte do Bairro Vila Nova, margeando a estrada que vai para São João do Rio do Peixe. 

Um dos nomes mais antigos que surgiu no velho Riacho do Catolé foi o do Sítio Calixto. Este nome, conjectura que foi dado, homenagem a um dos artistas mais antigos de Cajazeiras, cujo nome era Calixto.


PADRE ANDRADE
É padre, professor de ensino religioso e pesquisador
residindo atualmente no Sítio Catolé-Cajazeiras 

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segunda-feira, 15 de março de 2021

PÃO DE SAORA: PATRIMÔNIO IMATERIAL DA CULTURA PARAIBANA.




Conhecido e saboreado por consumidores fiéis de Cajazeiras e de outras cidades do Alto Sertão paraibano, ou até de outros estados, o famoso Pão de Saora está a "uma fornada" de se tornar Patrimônio Cultural Imaterial da Paraíba.


Projeto de Lei de autoria do deputado estadual Jeová Campos, propõe o reconhecimento do Pão de Saora como Patrimônio Imaterial da Paraíba. Na propositura apresentada à mesa e ao plenário da Assembleia Legislativa, nesta segunda-feira (15/03), sob o número 2.590/2021, o deputado defende o seu projeto, argumentando que o produto alimentício idealizado pelo Senhor Severino Cabral dos Santos - Seu Saora, como era popularmente conhecido, passou ser fabricado em meados do Século XX, na cidade de Cajazeiras.

Na defesa do projeto, o deputado afirma ainda que o produto alimentício feito por Seu Saora é de importância relevante na cultura e na tradição alimentar, não só do Alto Sertão paraibano, mas de todos os rincões aonde sua receita vem sendo perpetuada.

Paraibano nascido em Teixeira, em 19 de outubro de 1918 e falecido em Cajazeiras, em 2004, aos 86 anos, Seu Saora, diante das dificuldades enfrentadas ao longo da vida, teve a feliz ideia de fabricar pães de forma artesanal, caseira, com a ajuda da família. Em sua fórmula simples e sem segredos, os pães de Saora, como ficaram conhecidos, adquiriram fama.

Hoje o produto ainda é fabricado sem qualquer complemento químico. Da mesma forma, tal como era feito por Seu Saora, o que lhes confere, além da qualidade e sabor inigualável, a garantia de um alimento saudável e nutritivo, como, aliás, deve ser aquele que é considerado o primeiro e mais sagrado alimento do nosso dia a dia.



terça-feira, 9 de março de 2021

O imperador da Pedra do Reino

por: Waldemar José Solha 


Com o toque de Midas de Bráulio Tavares e do autor de O Auto da Compadecida”, eis o "ABC de Ariano Suassuna".

Tenho esse livro - lançado pela José Olympio Editora - entre algumas preciosidades, como: "O Escorpião Encalacrado", de Davi Arrigucci Jr. (sobre a obra de Cortázar); "Hamlet e o Complexo de Édipo", de Ernest Jones (que aplica a teoria freudiana no príncipe da Dinamarca e no próprio Shakespeare);

"Como se Faz um Filme", de Eisenstein (em que ele conta como criou “O Encouraçado Potenkin”); "A Filosofia da Composição", de Edgar Allan Poe (sobre o surgimento e evolução de seu célebre poema "O Corvo") e "Signo e imagem em Castro Pinto", de João Batista B. de Brito.

Como intelectual enciclopédico que é, tão fissurado pelas artes quanto pela ciência e tecnologia, avesso a todo mistério e segredo - se desvendável -, Bráulio revela que foi buscar a ideia estrutural desse perfil biográfico de Ariano em obras como o "ABC de Castro Alves", de Jorge Amado, e o “ABC de Jesuíno Brilhante”, de autor anônimo (reproduzido em "Heróis e Bandidos", de Rodrigues de Carvalho). Mas esse seu livro me remete diretamente, também, ao "Dicionário Khazar", de Milorad Pavić, um romance sérvio que marcou época nos anos 80.

O resultado de todas essas influências é o retrato cubista, por sua fragmentação temporal, espacial e temática, de um personagem fascinante (Suassuna), que nasceu num palácio, o da Redenção, teve o pai assassinado no Rio, viveu a infância e a adolescência em Taperoá, sertão paraibano, estudou Direito e Filosofia no Recife, ficou famoso por suas aulas-espetáculos,

por seus ensaios, por uma peça de teatro (O "Auto da Compadecida"), por um romance de título estranho ("A Pedra do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta"), por suas incursões nas artes plásticas e na poesia, por ter fundado o Movimento Armorial, etc, etc... E bote etc. nisso! Entrou na Academia Brasileira de Letras. Foi tema, no carnaval carioca, do samba-enredo "Aclamação e Coroação do Imperador da Pedra do Reino". Foi assunto do documentário "O Senhor do Castelo", de Marcus Vilar. Foi nomeado - aos oitenta anos - secretário de cultura do governo do estado de Pernambuco e - consagrado - seguiu de rota batida para a imortalidade, devidamente coroado pelos louros do plim-plim.

Claro que na ficha catalográfica do ABC consta “Biografia”. Claro que na d“Os Sertões” de Euclides da Cunha não há registro de um "romance". Mas é como eu li todos dois. Com mais ou menos apego à realidade nua e crua, tem surgido toda uma série de famosos romances-verdade, nonfiction novels ou romans-a-clé, como "A Sangue Frio" ("In Cold Blood"), de Truman Capote, "Pé na Estrada" (“On the Road”), de Jack Kerouac, e "Coração das Trevas" ("Heart of Darkness"), de Conrad, e até eu parti para a mesma senda na parte intitulada “A Gigantesca Morgue” na obra "História Universal da Angústia", ao juntar - numa série de contos de extrema violência -, a condensação de 126 reportagens nessa linha, colhidas num período de dez anos. Esse artifício leva o leitor a receber a experiência da realidade com uma força extraordinária. No "ABC", a densa conjunção de solidez, argúcia, clareza e beleza faz com que o livro salte - no meu entender - do terreno simplesmente biográfico para o romanesco. Há um momento em que o próprio Bráulio diz, nesse seu trabalho:

Quanto mais verdadeira uma coisa, mais bela. Cita Keats:

Beauty is truth, truth Beauty.

Beleza é verdade, verdade, Beleza.

E a Beleza, segundo Plotino (citado por Ariano, idem por Bráulio), é… os seres em máximo de ser. 


O livro mostra como Suassuna, que diz ser feio desde menino, mas apaixonado pela beleza, torna-se, com o tempo, um ser "em máximo de ser", dotado, portanto, de enorme beleza, pelo que passou a ser intensamente amado por todo o país. "A década de 1990 - diz Bráulio - trouxe-lhe notoriedade pessoal de um modo que ninguém seria capaz de supor”. A tal ponto, anota, que surgiu "um grau de impaciência do autor com a quantidade de compromissos a que é submetido". De fato, ele viveu, no final, numa roda-viva "de aulas, feiras-de-ciência, artigos, mesas-redondas, programas de televisão, homenagens, semanas culturais, entrevistas para jornais, orelhas de livros, depoimentos para vídeos e filmes ou revistas, cartas de recomendação para instituições culturais, apresentação em catálogos de exposições”, e a lista prossegue interminável.

Como diz a raposa ao nosso distante Pequeno Príncipe:

“Tu deviens responsable pour toujours de ce que tu as apprivoisé.

- O que é apprivoisé? - pergunta-lhe o menino.

Apprivoiser é "domesticar, domar, amansar”, diz o dicionário francês-português. Mas a tradução corrente da frase, é "Tu te tornas responsável para sempre por aquilo que cativaste". E o eco responde "domesticaste, dominaste, amansaste”. Parece que Ariano conseguiu, na verdade, em sua luta pela preservação de nossa cultura burro-xucra, domá-la, dominá-la, monopolizá-la - apesar do massacre alienígena. Não só pelo seu trabalho de autor, como pelas influências que exerceu e exerce.

O "ABC de Ariano Suassuna" foi dado à luz ao sol da onça caetana. Louvado seja ele, além de seu autor e de seu tema.



W. J. Solha é dramaturgo, artista plástico e poeta. fonte: https://www.carlosromero.com.br/

O MISTÉRIO DA CEIA DA IGREJA DO ROSÁRIO DE POMBAL

escreveu na sua página social facebook. Waldemar José Solha

 

Há uma data no frontão da igreja do Rosário, de Pombal: 1721. Vivi nessa cidade do alto sertão paraibano, de 1963 a 1970, um bom tempo numa casa atrás do templo, onde teria sido seu cemitério. E sempre me intrigou a Última Ceia (a primeira foto, abaixo) que há num dos seus altares. A respeito dela diz o Inventário dos Bens Móveis e Integrados da Igreja de Nossa Senhora do Rosário, de Luís Carlos Kehrle, Piedade Farias e Verneck Abrantes de Sousa:

É “uma pintura sobre madeira tabuada, de autor desconhecido, datada, possivelmente, no final do século XVIII”.

Bem, a cena com o candelabro logo acima da cabeça de Cristo, tem muito da que Mestre Ataíde - Manuel da Costa Ataíde (1791-1827) - fez pra igreja de São Miguel e Almas (terceira foto deste texto), de Ouro Preto, na época. E ele abordou o tema em várias outras igrejas mineiras, uma delas a de São Francisco, também de Ouro Preto (quarta foto) - que literalmente reproduz uma gravura (segunda foto) do italiano Francesco Bartolozzi (Florença, 1725 - Lisboa, 1815). O fascículo 22 de Arte no Brasil - coleção da Abril Cultural que fiz em 1979 - diz que várias ceias pintadas no país, no período, foram inspiradas nessa ilustração que saíra em vários missais do fim do século XVIII e começo do XIX. Seria de se deduzir que o artista que fez o trabalho para a igreja do Rosário de Pombal também se inspirou nela, mas... Ela se parece menos com a gravura (a não ser pelo candelabro e pela disposição dos apóstolos em círculo) do que com a versão... Com menor influência (a não ser pela presença da luminária), que Ataíde criou pra igreja de São Miguel e Almas. Pergunto-me se essa têmpera de Pombal - com esse mesmo candelabro e a mesma composição dos apóstolos em círculo (bem diversa da disposição horizontal do grupo) não teria vindo da terra do Aleijadinho e das mãos de Ataíde (que acrescentou cor às suas esculturas), detalhe que lhe daria o prestígio que a pobre, “em mau estado de conservação” merece.




fontehttps://www.facebook.com/waldemarjose.solha.5