quinta-feira, 22 de maio de 2025

A Tradição da Fogueira de São João Está Desaparecendo

 Cleudimar Ferreira

Fogueira de São João - Sertão da Bahia. Foto: Coisas do Sertão-Luiz Carlos Marques Cardoso

E o São João e as festas juninas? Estamos cada vez mais pertos desse momento festivo do povo nordestino. Lembro que já nesse mês de maio os preparativos; o estado de euforia; o clima festivo das pessoas; prenunciava como seria o colorido das festas juninas desse período do ano. No lugar onde nasci; onde vivi o vislumbre da minha infância, uma região modestamente acidentada, encantadora, cheia de relevos e elevados; baixios, rios e riachos, o período junino começava no finalzinho do mês de abril, com os moradores dos sítios e suas casas isoladas, fazendo as primeiras tarefas para viver em junho essa tradição popular.

De todas, a mais significativa - aquela que ficou para sempre na minha memória, era o jeito como as pessoas se dedicavam ao trabalho de concepção da fogueira junina. Um ritual quase sagrado de respeito a esse momento, pois seguia um curso involuntário que todos faziam como se fosse uma necessidade. A começar com a escolha da madeira (dos paus como chamavam) que seria queimada na véspera de São João. Nada era cortado ou blocado da pouca vegetação natural que havia no lugar. Mesmo quando chegava o mês de outubro, quando os agricultores começavam preparar suas terras para plantio, durante as primeiras chuvas de fevereiro do ano seguinte. Toda madeira era colhida na margem do rio. 

Muitos escolhiam a parte da chamada a mata ciliar, ou seja, a que ficava próximo do rio e, durante o preparo do terreno agricultával, reaproveitava e cortava algumas árvores secas, muitas caídas pela erosão no solo. Porém, muitas dessas árvores ou morriam por conta do excesso de umidade da terra arenosa ou eram cortadas para fins domésticos, para abastecer os fogões de lenhas e, as que restavam, era arrastava em direção a margem, fazendo uma espécie de parede com troncos, galhos, gravetos e folhagens. Esse procedimento era para proteger, fazendo sombra para a vegetação ripária que preservava a beira do rio.

Essa madeira descartada nas encostas do rio, quando das primeiras cheias do ano, era carregada pelas enchentes e ficavam presas na margem do rio quando as águas baixavam.  Ou espalhadas nos baixios até onde as águas iam, durantes as inundações. Era nesse momento que todos passavam a procurar essa madeira como se procurava ouro, pois quanto mais grossa fosse os paus, mais duradouro seria o fogo e a fogueira. Tinha fogueira que durava até três dias. Essa lenha era trazida no lombo dos jumentos até os terreiros das casas onde era montada a queimada.

Na naite da queima, véspera do dia de São João, as famílias de reuniam ao redor das fogueiras, montava suas mezinhas cheias de comidas típicas do mês, preparadas a partir do milho amarelo-ouro, adocicado, tirado das roças, colavam suas cadeiras e iam prosear, conversar e fazer suas simpatias. As crianças passavam a brincar com chuveirinho e traque de sala. Os homens nas beiradas dos terreiros soltavam seus foguetões, agradecendo a São João pela colheita farto do milho. Quando duas famílias se combinavam para serem compadre e comadre, o encontro aconteciam na beira da fogueira na residência de uma das duas.

A oração desse momento era mais ou menos assim: “São João disse e São Pedro confirmou, que você fosse meu compadre, por que São João mandou”. Essas palavras eram repetidas duas vezes pelas duas pessoas que queria ser compadre, uma do lado direito e a outra do lado esquerdo da fogueira, só que trocando de lugar, com as mãos dadas, por cima da fogueira. Essa mesma ocasião acontecia para as senhoras e os senhores que desejavam ser compadre e compadre. Esse ritual tradicional aos pés das fogueiras, geralmente acontecia entre seis e oito da noite, pois quando havia próximo onde moravam algum forró programado para esse dia, as famílias deixavam suas fogueiras queimando o resta da noite, já que muitas se deslocavam até o local do forró para se divertir, dançar e festejar São João.

A fogueira era no passado um elemento simbólico entre todos os momentos culturais das festas juninas. Com o passar do tempo, a falta de respeito e a descaracterização da cultura junina durante o São João, ofuscaram o seu brilho e a sua importância nesse período festivo do povo. A começar pela ligação da fogueira com o desmatamento. Depois com o falatório dos órgãos ligados a saúde pública, afirmando que esse procedimento era prejudicial à saúde das pessoas que sofria doenças respiratórias, também que as fogueiras poluíam o meio ambiente com suas fumaças e finalmente, que as fogueiras estavam aumentando o número de queimados nos hospitais públicos.

Tudo isso foi apagando as tradicionais fogueiras do mês junino, culminando com a sua proibição nas cidades, nos vilarejos e povoados, pela marcação cerrada do IBAMA, a quem desobedecia às normas impostas pelo órgão nesse período. Depois passaram a agir na zona rural, onde a tradição era mais fechada e cultuada. Da mesma forma aconteceu com os festejos, que praticamente estão proibidos, atendendo pedidos da sociedade protetores de animais, por achar que os barulhos dos fogos afugentavam o comportamento dos animais e, a suposta justificativa, que também nos hospitais o número de vítimas fogos de artifícios estava ficando cada vez maior todo ano.

Junto a todo isso, se ver correndo por fora, o desespero da tradicional cultura nordestina, que sem força diante da bolha explosiva dos ritmos urbanos, declaradamente representada pela indústria cultural, perde a cada festa junina o espaço reservado de direito ao autêntico forró raiz - de pé de serra, para outros ritmos vindos do Sul, desconexos e antiquados para o contexto junino do nosso São João. Eu nasci e cresci no meu lugarzinho, no Sítio Catolé, em Cajazeiras, fazendo e vendo os outros fazerem fogueiras do São João e nunca vi ninguém se queimar ou ser queimado nas fogueiras que fazíamos. Também não via e nem ouvia pessoas se queixarem das fumaças dessas fogueiras.

Até porque, o prazer de viver uma tradição tão bonita como é o São João; com tudo que ele nos proporciona; a sua musicalidade, as brincadeiras, os festejos, o congraçamento, as comidas típicas, as cores, a cultura, arte e a simbologia, nunca houve no passado, no tempo da minha infância, espaço para reclamação que alardasse fatos de que pessoas foram vítimas de queimaduras ou tiveram crises asmáticas por contas das fumaças das fogueiras de São João.

Portando, é cabível arriscar uma reflexão, sobre esse falatório afirmando que as fogueiras trazem problemas para segurança e saúde das pessoas. Veja que não é bem assim. Pode até trazer, a fumaça, um certo incômudo, mas é passageiro, é só um dia. Da para aguentar, não avai matar ninguém. 

Esse bafafá todo sobre a tradicional fogueira, que ela provoca crises em pessoas alérgicas não passa de argumento de gente de cidade grande, que não viveu ou nunca conheceu as verdadeiras tradições juninas do nosso povo. Que infelizmente a cada ano que passa, vai esfriando, desaparecendo ou sendo substituída por outras culturas que não é a junina e nem tem ligação com a cultura nordestina. 


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segunda-feira, 5 de maio de 2025

Os Bares das Cajazeiras Alucinantes

 Cleudimar Ferreira

leitura das imagens: 1ª - Bar Playboy Drinks, 2ª - Fuba's Bar (Bar dos Penetras), 3ª - Karlos Center Bar e Drinks


Corria lentamente os idos anos 80. Nas duras vias das cajazeiras desse tempo, o suco magnético e aromático dos seus frutos, rompia o fundo dos copos flutuantes, nos bares das ruas centrais da cidade que não dormia nunca. Começava aí, a escalada raivosa em busca do novo, visivelmente talhada nas atitudes chocantes dos ideais de vanguarda. Nada de mal nisso! tudo muito bom, tudo muito bem para os que mesmo vivendo com o país num período de turbulência social, com as primeiras manifestações públicas pela redemocratização, não enxergavam nada por nada desse momento. 

Mas se viam alguma coisa, fingiam não ver, levantando o copo, acenando festivamente das calçadas desses bares, para aqueles que passeavam em ebriedade no outro lado da rua. O que importava era viver e, só. O objetivo orientava para altivez das coisas não aceitáveis, com intuído de causar admiração nos corações sensíveis ou nos conservadores fechados para as emoções. Bee Gees, pautava nos programas de maior audiência dos Dail local, sua melhor expressão. Por essa via, ‘More Than a Woman’ era a febre que juntava ao calor do agreste sertanejo e a puberdade de uma juventude sonhadora, no brilho final em preto e branco da TV Tupi.

Flutuando nesse momento, o que se esperava de curtição, era encontrado, mesmo limitado, na soberba interiorana dos finais de semana na Praça João Pessoa, que sempre oferecia o universo imaginário dos drinks coloridos; conversas e bate-papos do cotidiano, tudo em clima de birinights, guiados em plena luz negra de farós semiapagadas ou pelos globos giratórios das discotecas desse trecho. Como foi sublime esse momento, como foi eterno enquanto durou.

Se havia alguma dúvida da extinção desses locais, um passeio pela saudosa avenida, in loco, se consome essas lembranças como forma de reviver as nostálgicas conversas de bares em bares, cumprindo o percurso das horas, ao som dos ‘tintins’ dos copos de cristais e das batidas surdas nas mesas acidentais, que acolhia uma prole de praticantes de arremessos de taças embebecidas do consumido Pilsen Malt 90.

Se você não viveu o brilho cultural da Karlos Center; o populado petisco do Bar dos Penetras ou a testosterona do Bar dos Playboy, sinta-se à vontade em querer matar sua curiosidade ou assuma que não conheceu esse tempo. Pois em sintonia com a embriaguez da vida, muitos que circularam por esses bares, descobriu em um copo de cerveja, que o mundo não gira, pois o mundo não tem forma. E que a terra não é o centro do universo. Mesma assim, era estonteante a saída desses bares, depois de um fim de noite.

A Karlos Center era um espaço quase temático. Isso porque havia serviços de bar; área de convivência com boate. Se destacou em meados dos anos 80, depois, motivado pela baixa frequência, o espaço de convivência foi desativado, ficando apenas os serviços de bar, drinks e petiscos. Em sintonia com a atitude jovem de sua época, o Playboy Drinks reunia o melhor do conceito em termo de espaço para juventude de sua época. Música, bebidas, petiscos, conversas. O Playboy Drinks Bar como queira falar, no auge da sua popularidade, instigou a moçada a paquera e construções de boas amizades.

Mas tudo isso é passado e, os bares do convívio de uma gente jovem alucinante, teve a sua alma embriagada, castrada e desmontada na escora de um balcão. E as suas decorações mal definidas, consternada na contramão que a boa estética permitida, permitia para noites da cidade vespertina. Ficando nas poucas fachadas que restaram, as lembranças desbotadas das paredes, desenhadas com poster de astros da jovem guarda. Alvenarias de sonhos, encobertas por placas publicitários ou eletrônicas, das famosas Billboard incandescentes, que perduram na atualidade das cajazeiras desnudadas.

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Visão geral da antiga Karlos Center Bar e Drinks - no centro comercial de Cajazeiras


domingo, 4 de maio de 2025

A Urgência de uma Rede de Apoio Governamental

Hélio Costa

Porta luz sobre a boca do pote. Fotografia: (autor) Cleudimar Ferreira

Nos dias atuais, a arte enfrenta um cenário desafiador que vai além das questões criativas e estéticas. Para muitos artistas, a luta pela sobrevivência financeira é tão intensa quanto a busca pela expressão de suas ideias. Em um mundo onde a visibilidade e a valorização do trabalho artístico são frequentemente negligenciadas, torna-se imperativo que os governos desenvolvam políticas de amparo que garantam um suporte sólido para aqueles que vivem da arte.

A realidade é que muitos artistas dependem exclusivamente de suas obras para sustentar suas vidas. No entanto, a escassez de espaços para exposição, somada à falta de incentivos financeiros, transforma o exercício artístico em uma atividade repleta de incertezas. A ideia de que a arte deve ser uma vocação pura, desvinculada de questões financeiras, é uma noção romântica que não se sustenta diante das necessidades práticas dos criadores.

Uma política governamental eficaz poderia estabelecer uma rede de apoio que não apenas ofereça espaços para exposição, mas também promova a visibilidade das obras, garantindo que os artistas recebam uma contrapartida financeira justa por seu trabalho. Isso poderia incluir desde a criação de editais de fomento e aquisição de obras até a organização de feiras e festivais que valorizem a cultura local, atraindo a atenção do público e, consequentemente, de compradores.

Além disso, o suporte pode se estender à formação e capacitação dos artistas, proporcionando-lhes ferramentas para navegar no mercado e desenvolver habilidades empreendedoras. A articulação entre artistas e instituições culturais deve ser incentivada, criando um ecossistema que favoreça a troca e a colaboração. Em vez de ver a arte como um produto isolado, é fundamental reconhecê-la como parte de uma cadeia produtiva que gera emprego, educação e desenvolvimento social.

A pandemia de COVID-19 evidenciou ainda mais as fragilidades do setor cultural. Muitos artistas se viram sem alternativas de renda e sem a possibilidade de expor suas obras. Em resposta, iniciativas comunitárias e coletivos emergiram, mostrando que a solidariedade é uma força poderosa. Contudo, essa rede informal não substitui a necessidade de uma estrutura governamental que ofereça segurança e estabilidade.

É hora de os gestores públicos e a sociedade em geral reconhecerem o valor da arte como um bem vital para a cultura e a identidade de um país. Investir em políticas de apoio ao artista é investir no futuro da nossa expressão cultural. A arte não deve ser apenas um passatempo, mas sim um pilar da economia criativa, capaz de gerar transformação social e econômica.

Que este seja o momento de reflexão e ação. A construção de um ambiente onde os artistas se sintam seguros para criar e prosperar é uma responsabilidade coletiva. A arte precisa de espaço, e esse espaço deve ser garantido por políticas públicas que reconheçam e valorizem o potencial transformador da criatividade humana.

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