sábado, 30 de abril de 2022

BALADA PARA JOSÉ SIQUEIRA

por: Lau Siqueira



Sempre acredito na força do acaso. Algumas coisas acontecem numa sequência espetacular. Se as coincidências existem ou são fruto de um roteiro misterioso escrito previamente, não sei. O fato é que quase sempre existe muita estranheza em algumas casualidades. Não sou absolutamente uma pessoa religiosa. Costumo me definir como “ateu ecumênico”. Sequer há originalidade alguma nisso. Na verdade, foi o que ouvi da boca do jornalista e biógrafo Fernando Morais e adotei.

Em 2019 eu trabalhava num programa social de música e estávamos na Serra do Açu, em Catolé do Rocha, gravando uma cena para um documentário sobre a vida do Maestro José Siqueira. Foi ele o criador da Ordem dos Músicos do Brasil. Fundou orquestras importantes como a Orquestra Sinfônica Brasileira, Orquestra do MEC, Orquestra Sinfônica de Recife e muitas outras. Possui uma obra tão vasta e encantadora quanto Heitor Villa Lobos, mas era comunista e foi silenciado pela ditadura.

Entre setembro de 2013 e dezembro de 2014, presidi a maior fundação cultural da Paraíba. A FUNESC - Fundação Espaço Cultural. Uma instituição que administra todos os teatros estaduais e o maior centro cultural do Brasil - o Espaço Cultural José Lins do Rego. Um baita equipamento que abriga teatros, cinema, gibiteca, planetário, escola de música, escola de dança, museu, galeria, uma biblioteca com mais de 100 mil títulos, um dos maiores acervos expressionistas do mundo, o Memorial Abelardo da Hora, etc.

Todavia faltava uma sala de concertos e o governador Ricardo Coutinho decidiu que a reforma incluiria esse presente ao povo paraibano. A Orquestra Sinfônica da Paraíba - OSPB já foi considerada uma das melhores do país. Quando cheguei na Fundação o nome que estava previsto para a sala era do grande Maestro Eliazar de Carvalho que havia sido regente da OSPB nos anos 80. O Maestro Eliazar é um dos grandes nomes da música erudita em nosso país em todos os tempos. Disso ninguém duvida.

Sempre fui incomodado com o débito que a Paraíba tinha com o grande maestro sertanejo. Um homem que com 14 anos já regia a Orquestra Filarmônica de Bonito de Santa Fé, no Sertão. Alguém que sonhava em ver os jovens do seu estado tocando suas músicas. Então parti para uma consulta junto aos músicos. Visitei alguns professores do Curso de Música da Universidade Federal da Paraíba. O nome do Maestro foi unanimidade e a sala de Concertos ganhou o nome do grande José Siqueira.

Gravando para o documentário em Catolé do Rocha, já distante da Fundação, as fichas começaram a cair. Descobri que José Siqueira tinha falecido em 22 de abril de 1985. Exatamente no dia em que cheguei a Paraíba. A morte do maestro foi ofuscada por uma grande comoção nacional. Naquele dia, era anunciada também a morte do presidente Tancredo Neves. Percebi então que estava fechando um ciclo na gravação de uma cena com uma orquestra jovem executando uma música do maestro em pleno Sertão.

Apesar da coincidência no sobrenome, não existe qualquer parentesco comigo. Nasci na fronteira com o Uruguai e ele no Alto Sertão da Paraíba. Este gênio brasileiro compôs peças monumentais, como “Xangô - cantata negra”; “Quinta Sinfonia - indígena”; a ópera “A compadecida”. “Toada para José Siqueira” é um documentário de Eduardo Consonni, Rodrigo T. Marques, descendentes do Maestro. Admirado na Europa, José Siqueira ainda carece de pleno reconhecimento no Brasil.



sábado, 23 de abril de 2022

LUDOVINA E A BOTIJA DOS SEUS SONHOS

"O segredo e os mistérios de uma botija no Sítio Barra do Catolé, em Cajazeiras."

Foto da internet / divulgação


por Cleudimar Ferreira

Não tinha muitas posses aquele povo, que chegasse a tal ponto de ser atraído pela avareza. Mesmo todos sabendo que o temor dos resquícios de bandoleiros e salteadores, que ainda povoava o sertão dos anos quarenta, trouxesse o temor e a necessidade de alguns prenderem seus bens, esconder ou mesmo enterrar grandezas no ceio daquela terra cheia de mistérios, mas generosa com todos, fosse um desafio a mais na missão de insistir em continuar sobrevivendo.

Rubião talvez não vivesse temendo esse presente medo e, nem tampouco pensando na futura tão sonhada felicidade. Mas Ludovina a sua esposa, sim! Ela, uma caboca de rosto afilado, bem definido; de corpo bonito e com a alegria sempre aberta era o reverso do esposo. Seja onde estivesse ela deixava bem claro que não comungava muito com a sisudez desinteressada do marido sobre esse ponto. Era uma mulher descontraída, apegada às amizades conquistadas. Sendo assim, até parecia que ela acreditava e desejava o improvável, tal era o seu desprendimento quando o assunto da conversa era de interesse comum.

Divertida e amiga de todas as mulheres, Ludovina não perdia tempo quando queria alfinetar os homens do seu convívio social. Rubião não enxergava nenhuma anormalidade no comportamento de sua concubina. Embora de sorriso fechado, ele achasse aquilo tudo divertido. Entretanto, não era bem assim. Ludovina tinha mistérios estampados no rosto que o esposo não sabia quantos e quais eram e, nem ela revelava. Mas revelou! Um dia revelou, não para Rubião, mas para o amigo do seu marido, o bem simpático Nelito Beato, dono da única bodega que havia na comunidade rural onde moravam e, que pacientemente, vendia fiado no varejo a todos do lugar, com promessas de pagamento no final do mês.

Nelito, filho do Beato Vicente, era sujeito simpático com todos. Gostava da camaradagem e baseando no ditado “tanto faz, tanto fez”, ele brincava e descontraia homens e mulheres, mesmo que as mulheres fossem prendadas e bem casadas. Era uma piadinha aqui, outra acolá e, ninguém não se queixava de nada. Eram todos amigos e um lavava a mão do outro para que a harmonia prevalecesse naquela localidade. Por ser assim, certo dia Ludovina, aproveitou que Nelito Beato estava sozinho no balcão da bodega e foi comprar querosene para as lamparinas.

Quando adentrou naquele pequeno comércio, deu bom dia para o dono do estabelecimento e pediu a ele a mercadoria que veio comprar. Depois a lábia, o fuxico e os mexericos tomou conta do recinto e no meio da conversa, Ludovina fez uma revelação a Nelito. Disse ela:
- Nelito, a conversa tá boa, mas eu tenha uma confissão para falar, que diz respeito somente a mim e a você!
Encabulado com a atitude da esposa do seu amigo Rubião, mas curioso com o que aquela mulher tinha para dizer, ele perguntou:
- Que confissão é essa Ludovina, que tu tem pra me dizer?  
Ludovina exprimiu um singelo sorriso e junto com um sutil movimento de cabaça para o lado, e respondeu:
- Sabe o que é?...
Olhou outra vez de lado aquela mulher.
- Não sei!
Rebateu na hora o dono da bodega.
- Sabe o que é! Voltou a falar Ludovina. E continuou:
- É que eu tive um sonho. Um não... dois! No primeiro sonho, uma pessoa cujo rosto não deu para perceber direito, apareceu igualzinha uma sombra, disse que havia uma botija com muito dinheiro; muita prata e algumas joias, enterrada no Sítio Barra do Catolé. E que essa botija era para mim e para você. Foi tão real Nelito, esse sonho, que eu fiquei confusa quando acordei.

Quando Ludovina terminou de contar o sonho, Nelito já com os olhos arregalado, engolia a saliva e rebateu a cliente na hora:
- Deixe de besteira, essa é mais uma daquelas asneiras que tu sempre inventa. Botija é coisa que existe só para lunáticos. Isso não passa de história de trancoso, ou melhor, que só aparece nas estórias de assombrações contadas por Soliveira e Seu Adailton e, você sabe disso.
Ludovina contrariando o bodegueiro cortou na hora a conversa de Nelito Beato e aumentando o tom da voz, disse:
- É verdade o que eu estou falando! Não estou mentindo não. Que interesse eu haveria de ter, para inventar essa história para você, homem. É verdade! É verdade! Pode acreditar.
Nelito perplexo com a conversa de Ludovina fitou os olhos no olhos da esposa de Rubião. E ela continuou:
- Semana passada eu tive um segundo sonho. E nesse, a mesma pessoa, no mesmo lugar do primeiro sonho me disse que a botija era para nós e, só quem poderia arrancar à mesma era a gente. Disse também que se a gente quisesse levar uma terceira pessoa, que levasse, mas que a mesma fosse de confiança e, que podia ir, mas só para ficar distante, olhando nós desenterrar.

Reflexivo com a contundente oralidade da amiga freguesa, o dono da venda, desloucou as mãos até a bomba e começou a puxar da lata de querosene a quantidade que Ludovina havia pedido. Quando terminou, entregou o litro com aquele combustível a cliente. Ao receber o líquido, a mesma pediu a Nelito que anotasse na conta do esposo. Depois, antes de sair da simplificada venda, volta a perguntar ao bodegueiro se ele ia ou não arrancar a tal botija com ela. Nelito com mais coragem e com ar de seriedade, respondeu que sim. Que ia com a mesma até para lua. Ludovina sorriu e respondeu:
- Tá certo! Mas não conte para ninguém. Fica só entre nós essa conversa. Eu vou marcar o dia e nesse dia quando a gente for, antes de sair e ir até o local, eu digo onde está a botija, certo! E saiu, deixando o filho do Beato Vicente, calado, pensativo com tudo que Ludovina havia dito. 

Passados alguns dias, eis que em uma noite, inesperadamente apareceu com um lampião nas mãos no terreiro da residência de Nelito, Ludovina acompanhada com seu esposo Rubião. Era noite de lua clara e o vento do verão, ventava muito trazendo do Vele do Balsamo a inhaca da carniça das carcaças dos animais mortos, aguçando os faros dos cachorros que latiam nos arredores, nas frentes das casas próximas onde morava Nelito.
Sentado em um banco de jucá, o bodegueiro contemplava as estrelas platinas que piscavam no céu enluarado. Pensativo, alheio àquela luz que se aproximava, ele só esperava as horas passar até chegar o momento de se entregar ao sono e deitar na rede já armada no alpendre. Quando Ludovina e Rubião chegaram, deram boa noite e já foram sentando em outro banco que havia ao lado de Nelito. Ludovina não perdeu tempo e foi logo puxando a conversa:
- E aí Nelito, vai ou não vai desenterrar a botija conosco?
Nelito respondeu:
- Conosco? E você não disse que era só eu e você! E Rubião vai também?
Rubião respondeu:
- Sim, Nelito! Por medida de segurança. A gente nunca sabe o que vai acontecer com quem vai arrancar uma botija desse tipo. Botija que é anunciada por um espirito em sonho, só pode ser coisa de outro mundo! Não é? Até por que nos sonhos de Ludovina, o ser que apareceu disse que vocês poderiam levar outra pessoa. Eu tô me propondo e Ludovina achou por bem ser eu essa terceira pessoa. Entendeu amigo?
Nelito nesse instante olhou para os dois e disse:
- Tá certo, tá combinada! E quando é o dia que nós vamos arrancar essa botija?
Dorinha respondeu:
- A gente pensou que o melhor dia síria um dia de sábado, às onze horas, pois é justamente nesse dia e nessa hora que muita gente que mora nas proximidades do local onde está a botija, estão todos na feira. Assim fica mais fácil ninguém saber de nada. Certo Nelito?
Certo! Respondeu Nelito.
- E em que lugar e local está esse tal botija? Perguntou Nelito Beato
- A botija está enterrada no Sítio Barra do Catolé, debaixo da latada da cozinha da casa de Zeca Lobo. O bojo está encostado da soleira da porta de entrada. No sonho a imagem que apareceu disse que a mesma não era muito profunda e estava fácil de ser retirada de lá, numa fundura de trinta centímetros. Respondeu Ludovina.
E Zeca Lobo sabe disso? Como vamos arrancar esse troce de lá com o dono da casa presente? Curioso quis saber Nelito.
Dessa vez quem respondeu foi Rubião:
- Nelito, tu sabe muito mais do que eu que Zeca Lobo é celeiro e, todo dia de sábado ele vai a Cajazeiras vender suas celas e fazer a feira da semana. Então vamos aproveitar esse momento que ele não vai está em casa. Nem ele nem Epitácio Pereira que mora em frente a sua residência e nem as pessoas que moram próximas. Todos, como sempre faz, estarão na feira. Esse é melhor dia que temos.

Zeca Lobo era um tipo Urtigão. Tinha cabelos compridos, barba de Papai Noel, usava chapéu da aba longa e gostava de sentar as tardezinhas num velho banco de braúna que havia há anos no alpendre do seu velho casarão centenário.  Morava sozinha a beira da estrada que ia até o Sítio Almas e, quase toda sua vizinhança não sabia qual família pertencia ou se tinha. A única coisa que todos tinham certeza era que esse personagem vivia tranquilo, pouca conversa produzia, porém o mesmo exercia uma atividade nobre, necessária naquele espaço rural. Além do trabalho na agricultura Zeca Lobo era fino artesão de confecção de celas e outros acessórios que equipava a montaria. O baixo alpendre da sua residência era o virtual espaço de exposição dos seus produtos para quem passava pela estrada rural, que cortava a comunidade de Barra do Catolé.

Com a saída de Ludovina e o esposo, Nelito ainda matou alguns minutos, fazendo um exame na consciência se valia apenas ir ou não ao encontro da tal botija. Percebeu que havia mudanças a caminho naquela noite. É que a lua traquejou entre as nuvens negras que se formava, diminuindo a claridade, provocando o surgimento da penumbra no terreiro de sua residência, tornando a noite mais sombria, insultando os cachorros que não parava de latir. Só que dessa fez, com mais intensidade. Sentiu uma misteriosa energia, pesada, ocupar o seu corpo, provocando arrepios e fazendo os pelos dos baraços aumentar. Já estava passando da meia-noite. Ficar ali, sobtensão, só ia provocar mais o seu medo. Descolou as pressas do banco onde sentava e se recolheu a outra rede que havia no quarto da esposa Nazinha. Agora bem mais seguro do que do lado de fora, Nelito viu as horas alternar na luz do candeeiro e, intermitente esperou a noite passar e um novo dia raiar.

Os dias passaram levando com os ponteiros do tempo e as semanas também. A ansiedade de Nelito era evidente na inquietude como ele atendia a freguesia no pequeno balcão de sua bodega. Ele pensava e repensava a cada dia como seria esse momento. Até que finalmente o sábado marcado para o desfecho dessa história, chegou. Na manhã desse dia, Zelito passou a observar atentamente as pessoas da redondeza se preparando logo sedo e outras, deslocando-se para a cidade de Cajazeiras. Quando a hora marcada com Ludovina e Rubião havia chegado, ele se preparou com tudo que necessitava e foi até a casa onde os dois moravam. Ao despontar no local, encontrou a residência fechada. Curioso ele bateu na porta chamando Rubião. Chamou uma vez, duas, três. Resoluto que de dentro da casa não vinha nenhuma resposta, ele decidiu arrodear a casa. Caminhando na lateral da alvenaria, todas as janelas que passava pelos seus olhou, olhava pelas frestas e não viu se quer um ruído no interior do imóvel. Deslocou até a porta dos fundos, de saída da cozinha e tudo que viu foi só escuridão e um silêncio em todo interior da casa do casal.

Sem entender o que estava acontecendo e quase certo que não havia ninguém ali, Nelito voltou, caminhou na direção ao frontão daquela residência. Olhou em frente e viu o velho Polino em pé, tragando um cigarro de palha, escorado num cabo de foice, observando a movimentação dele ao redor da casa dos seus vizinhos. Nelito aproximou-se do ancião, chegou e deu bom dia para aquele homem que igual a todos que moravam naquela localidade, também era seu amigo. Perguntou ao velho Polino se ele sabia se o casal Rubião e Ludovina estava em casa ou se haviam saído. A resposta dada por aquele senhor foi a que os dois haviam saído logo sedo, acompanhado por Roberval, em direção ao sitio Barra do Catolé.

Contrariado com a resposta de Polino, Nelito balançou e, em seguido, baixou a cabeça. Naquele momento, o comerciante sentiu que havia sido enganado por Ludovina e Rubião. Tenso e decepcionado com a atitude tomada pelos dois, ele despediu do velho Polino. Cabisbaixo e pensativo aprumou o passo de voltou para casa. Para ele aquela manhã passou a não ter mais sentido naquele sábado, pois havia já perdido a carona na Chevrolet de Simá Carolino, principal transporte que sempre usava todos os sábados para ir a feira livre de Cajazeiras, onde comprava as mercadorias que abastecia sua pequena bodega.

Sem uma das principais personagens desse enredo, o roteiro traçado nos sonhos de Ludovina, tinha tudo para dar errado ou poderia apresentar problemas mais adiante. De fato, no outro lado dessa história, conforme afirmou o velho Polino, seguiram pisando firme sem Nelito, o caminho pedregoso até a Barra do Catolé, Rubião, Ludovina e Roberval. E Foram... Sem olhar para traz, caminhando e deixando poeira na estrada a procura do local onde a tal botija das visões de Ludovina durante o sono, estava enterrada. Quando aproximaram da casa de Zeca Lobo, presenciaram um cenário em silêncio; desértico, com as casas mais próximas, fechadas, onde até os cachorros pega-bigús, pareciam que havia desaparecidos.

Quando os três personagens chagaram a uma distancia de dez metros da casa de Zeca Lobo, decidiram pular uma cerca de pedra que margeava a estrada. Depois de terem atravessado a cerca, seguiram, adentraram por uma pequena bola de mata, até chegar ao terreiro da cozinha do casarão do urtigão Zeca Lobo. Quando estavam próximos da latada que protegia a porta dos fundos da residência, local exato onde, segundo a entidade nos sonhos de Ludovina, a botija estava, um vento frio e veloz surgiu do nada, trazendo assoviou, tomando conta do lugar. Imediatamente algumas nuvens que se formavam no sul, se deslocaram na direção do Sítio Barra do Catolé. Sem perder tempo Ludovina percebeu a mudança busca no tempo, olhou e falou para o esposo Rubião:
- Vamos agir. E logo! Pois nós não sabemos o que vem por aí. E continua falando: Vamos fazer assim: Roberval pega a chibanca e vai cavando, e eu e você-Rubião, tirando a terra do buraco. Certo?
Atendendo o apelo da esposa, Rubião não quis perdeu os minutos das horas programados para arrancar a botija. Olhou para o substituto de Nelito na empreitada e ele, para Rubião disse:
- Vamos começar por que eu tô curioso para saber o que tem nessa coisa!

Roberval arregalou os olhos para Rubião e sem mais demora, agarrou a chibanca e começou a quebrar a soleira da porta e depois, com mais força ainda, a cavar o local. Tensos e apressados, Ludovina e Rubião fazia o trabalho de retirada da terra do pequeno buraco que as chibancadas de Roberval fazia. Distraídos porem atraídos pelo tesouro que a tal botija poderia ter, eles esqueceram o mundo, o tempo e o relógio. Só saíram desse estado de demência total, provocado pela ansiedade de querer ter o que havia no bojo da botija, quando do nada os primeiros sinais enigmáticos começaram aparecer, trazendo surpresas, mistérios e medo. Eles vieram quase que concomitantemente, trazendo preocupações para as três personagens. Mesmo assim, não deixaram as mogangas abater as suas convicções e, continuaram na perseguição da tal botija. Roberval, cavando; Rubião e a esposa Ludovina, limpando o buraco; jogando a terra para fora.

Quando a busca ao bojo da botija já estava bastante adiantado, os sinais do além começaram a intensificar, trazendo terror e arrepios na pele dos três. Seixos de pedras passaram a ser arremessados de dentro da mata em direção ao terreiro da cozinha, num revezamento constante com gemidos, murmúrios e gargalhadas. Em meio ao um vento forte e frio, os galhos das árvores que margeavam o escalvado dos fundos do casarão, faziam voos rasantes no terreiro como se quisesse desapegar dos troncos, aumentando a tensão e o medo. Quadro de repente um imenso galho de Mororó, descolou da mata em direção a Ludovina, Rubião e Roberval, atingindo as costas de Ludovina.

Nesse momento um estrondo aterrorizante ecoou em volto ao buraco que estava sendo aberto por Rubião, provocando uma espécie de deslocamento de um objeto metálico em direção ao centro da terra, exalando uma espécie de fumaça preta e um cheiro de enxofre em todo trajeto percorrido. Diante desse cenário Ludovina foi a primeira a fugir do local, pulando desesperada a cerca de pedra em direção à estrada. Quando chegou à estrada começou a correr daquele local e mais adiante, viu Roberval e Rubião correndo também em direção à residência de Expedito Vilante. Atordoada e assustada em meio aos pingos da chuva que começou a cair, ela gritou:

- Espera!.. Espera. Espera por mim. Não me deixe aqui sozinha pelo amor de deus. Rubião, mesmo desorientado, conseguiu ouvir o grito da esposa. Ele junto a Roberval, ainda teve tempo de parar, esperar a companheira chagar, para os três seguirem na estada, espavoridos em direção ao caminho de casa e, guardar por certo tempo, o segredo da tal botija dos sonhos Ludovina, que ela nunca conseguiu arrancar.




A v i s o: O plágio ou reedição desse texto sem a devida autorização do autor, implicará em sansões na forma da lei. 

quarta-feira, 20 de abril de 2022

Prefeitura de Cajazeiras inicia as inscrições para Fuminc 2022.


Estão abertas a partir desta quarta-feira (20/04), até o dia 10/05, as inscrições de projetos para a quinta edição do Fuminc. Para essa versão 2022 do Fuminc, a Prefeitura Municipal de Cajazeiras, através da sua Secretaria de Cultura e Turismo, investirá o montante de R$ 246.621,26 reais nos projetos aprovados no edital, que já foi divulgado e, está à disposição dos artistas e promotores de cultura para acesso no site da Prefeitura.  

Os projetos apresentados serão avaliados e selecionados em duas etapas: avaliação técnica dos projetos culturais realizada por uma equipe composta por três membros com experiência na área cultural, indicados pela SECULT - Secretaria Municipal de Cultura e Turismo; avaliação técnica dos projetos culturais realizada por uma equipe composta por três membros com experiência na área cultural, indicados pela pasta de Cultura e Turismo.

A Comissão divulga resultado dia 15 de maio e entre os dias 25 e 30 de maio já será paga a primeira parcela para os artistas selecionados.

Os formulários padrão para as inscrições de projeto, tanto para pessoa física ou jurídica estão disponíveis na sede provisória da Secretaria Municipal de Cultura e Turismo de Cajazeiras, situada na Biblioteca Pública Municipal Castro Pinto - Sala da Cultura, ou no Centro Cultural Zé do Norte, a Rua Victor Jurema, s/n, no centro de Cajazeiras/PB, ou através do site: www.cajazeiras.pb.gov.br.

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quinta-feira, 7 de abril de 2022

ERA ASSIM O MEU DOMINGO

por Cleudimar Ferreira




Hoje é domingo! É claro, se eu fosse saudosista ou vivesse com os olhos direto no retrovisor e a imaginação em confluência com o passado, nesse momento - às seis horas dessa manhã de vinte e sete de março de dois mil e vinte dois, eu estava com meu pensamento já ligado, antenado, lembrando das antigas matinês de domingo do Cine Teatro Apolo XI.

Nesse cinema, as sessões deste dia eram matutinas. Começavam sempre entre às nove horas e trinta minutos e a duração das películas exibidas, dependendo do tempo de cada filme, iam até às onze e trinta, ou quase chegando ao meio-dia. Esporadicamente, havia filmes que tinha uma duração maior e até passava das doze horas. Os filmes que rolavam no cinema do Bispo Dom Zacarias, ou eram aquelas aventuras produzidas por Walt Disney ou os clássicos faroeste americano protagonizados pelo lendário ator John Wayne.

À tarde, eu colocava os nervos a for da pele e as emoções ligadas nas partidas de futebol. Ou seja, nas grandes contendas entre o Atlético Clube Cajazeirense e as equipes de futebol de Sousa, que frequentemente era a Sociedade Esporte Clube. Além disso, quem nos visitava também nos domingos, eram os clubes da vizinha cidade de Juazeiro do Norte/CE. As pelejas aconteciam no velho e histórico Estádio Higino Pires Ferreira. 

Quando não havia disputa futebolística no Higino Pires, eu assiduamente não perdia tempo, ia vender ou trocar minhas revistas em quadrinhos, nas escadarias do Cine Teatro Pax, durante a sessão vesperal desse extinto cinema. Nas tardes de domingo o Pax, se tornava o ponto de encontro da garotada e da juventude da zona sul da cidade. 

As trocas ou vendas das tais revistinhas, só ia até o início do filme, pois quando esse momento chegava, todos previamente, já com seus ingressos no bolço, corriam em direção a portaria do cinema. Não ficava ninguém nas escadarias do Pax. Quando o "The End" se mostrava, marcando o fim do filme, as luzes da cidade já anunciavam o início da noite.

Em outro estágio do tempo, quando o filme não era lá essas coisas ou convidativo, eu chegava mais sedo em casa. Dias assim, em outras noites, quando os ponteiros dividia o mostrador do relógio, marcando às dezoito horas, eu descia a Rua Samuel Duarte, sobre a penumbra dos últimos raios do sol da tarde, em direção a missa da Catedral de Nossa Senhora da Piedade. Depois, às dezenove horas, quando a missa acabava, com a alma aliviada dos pecados da semana, rumava para a Praça João Pessoa.

Nesse local - point da juventude cajazeirense dos anos setenta e oitenta, eu relaxava às tensões desse dia, nos braços dos brotinhos cheirando a leite, nos dancings do Jovem Clube e da Boate Chapéu de Couro. Era assim o meu domingo. Um tempo que agora me fez lembrar a frase: "Como era gostoso o meu francês". Título de um filme do cineasta Nelson Pereira dos Santos (Im memoriam), protagonizado pela atriz Ana Maria Magalhães.

João Pessoa, 27.03.22

Calorosos abraços nesse domingo a minha querida e saudosa Cajazeiras de tantos momentos vividos.

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domingo, 3 de abril de 2022

Como foi anunciado o encontro de Ba Freyre com Roberto Menescal



Foram me chamar, eu estou aqui, o que é que há?

Estávamos tranquilamente em nosso apartamento em Israel, quando o telefone tocou. Era o seu irmão Zuellington Freyre.
Z Freyre - Ba, você está sentado?
Ele estava sentado, mas teve que levantar para atender ao telefone. Naquele tempo, com fio.
B Freyre - Não, por quê? Aconteceu alguma coisa?
Perguntou em tom preocupado.
Z Freyre - Pois senta que vem novidade.
E foi dessa maneira, que Ba Freyre ficou ciente de que em um mês, ele teria que se preparar e retornar ao Brasil para um encontro marcado com um dos seus maiores ídolos, o mestre Roberto Menescal, que ao escutar sua música através do seu baixista Adriano Giffoni, ficou encantado com o talento e diversidade do nosso compositor, demostrando um grande interesse em conhecê-lo.
“Um diamante a ser lapidado!” Foram as palavras por ele usadas para definir o trabalho do Ba.
Ba Freyre estava eufórico e nesse ínterim, nós dois em Israel, paralelamente com seu irmão e sua empresária Marta Carvalho em Fortaleza, elegemos 12 canções para serem reproduzidas pelo grande mestre.

O repertório escolhido:
01- Tudo Pela Música (música que relata o início da trajetória de Ba Freyre e que deu nome ao título do álbum. Hoje essa frase se encontra em sua lápide, em português e em hebraico)
02 - Amor Transcendental
03 - Braços e Mente
04 - Céu da Boca
05 - Talvez
06 - Acender
07 - Preciso aprender a me amar
08 - Deusa do Oriente
09 - Prisioneiros desse amor
10 - Offside
11 - Mera Luz
12 - Manayra



mais informações sobre esse momento, acesse: Ba Freyre in Memoriam. https://www.facebook.com/bafreyremusic

sexta-feira, 1 de abril de 2022

UM LENÇO

Direitos reservados dessa imagem: PNGTree.com


por João Batista de Brito

Foi na sala de espera do médico que ela o conheceu. Nem havia notado quem estava ao seu lado, e se surpreendeu com a abordagem de um desconhecido. “É seu?” ele perguntou, com o lenço dela na mão. “Sim”, respondeu confusa, e agradeceu.

E do lenço caído ao chão brotou o papo. A espera pelo atendimento foi longa - a tarde quase toda - e conversaram à vontade.

Era um senhor um pouco mais coroa que ela, educado, simpático, com um rosto bonito, pele rosada, viçosa, um riso franco que saía de uma boca sensual, um olhar atraente que, não sabia por que, a encantou.

Ao ser ele chamado para a consulta, ela quase sentiu pena. Despediram-se com um “até logo” e ela acompanhou-o com a vista, até ele desaparecer na porta da outra sala. Achou absurdo que estivesse sentido afeto por um estranho, e, sem entender, sentiu-se no momento um pouco solitária.

Por alguns dias, se viu pensando nele. O que poderia significar para ela um estranho que conhecera numa sala de espera? Logo ela, casada, e bem casada.

E, no entanto, até sonho houve. E muito estranho: no sonho, estava fazendo amor, e de repente, o rosto do esposo ia se transmudando no rosto do desconhecido. Nesse dia, acordou perturbada e passou a manhã inquieta, um pouco irritada. O esposo perguntou se havia algo errado e ela respondeu que não: por que haveria?

Já estava quase superando a lembrança dele, quando o viu de novo. Uns dias depois do médico, tinha ido caminhar na calçadinha da praia, e na volta, parou num Café para um ligeiro lanche. Mal sentou, avistou-o, sentado a uma mesa mais adiante, sorridente. Ficou feliz que ele a reconhecesse, e sorriu de volta. Sorriu mais do que devia, pois logo ele veio ter à sua mesa.

Foi quando ficou sabendo que ele, divorciado, sozinho na vida, residia no seu bairro, e que era, como ela, assíduo frequentador do Café, e também caminhante da calçadinha. O fato de haver outras chances de se encontrarem - como negar? - encheu-a de alegria. Não podia deixar de admitir, foi um momento quase mágico.

Depois daquela tarde, toda vez que saía para caminhar, ela se punha a olhar em torno, na esperança de avistá-lo. Qualquer senhor alto e alvo era ele... e nem sempre era. Aliás, raramente era. Na calçadinha da praia olhava em torno, e se não o via, voltava para casa um pouco desapontada.

Passaram-se umas três semanas sem que ele aparecesse. E começou a ficar preocupada. Será que não o veria mais? Acontecera alguma coisa? Viajara? Mudara-se? Adoecera? E aí dava-se conta do quanto estava sendo tola em sofrer por um quase desconhecido que nada representava em sua vida.

Foi então que, caminhando na calçada da praia, afinal se encontraram mais uma vez. A demonstração de júbilo foi espontânea e recíproca. Estava uma tarde bonita, o mar seco e sereno, o céu limpo e belo. Sentaram-se na muradinha da calçada, um pertinho do outro, feito dois namorados, e conversaram banalidades e riram de graça, numa liberdade feliz, como se fossem adolescentes irresponsáveis.

Em dado momento, sem querer, os joelhos se tocaram. O toque foi rápido, mas ela não conseguiu evitar um arrepio. Era a primeira vez que os corpos se tocavam. Na ocasião, pensou se alguma vez se tocariam de novo, em alguma parte que não os joelhos. Ao se despedirem, terminaram por marcar um novo encontro, numa data próxima, para um chá no mesmo Café de sempre.

Esses inocentes chás se repetiram, dias salteados, entre os quais as tardes, para ela, pareciam mais vazias. Cada vez mais ansiosa, mas também angustiada, ela sentia que não podia continuar alimentado... Alimentando o quê? Algo que nem sabia dizer o que era. E duvidava que ele soubesse.

Um dia ele perguntou se não podiam trocar números de celulares. Disse que não convinha, e ele respondeu que entendia. Mais tarde, em casa, ela ficou pensando por que tinha dito que não convinha. Ora, amigos têm, sim, o direito de se comunicar por celular, por que não? Ter dito que não convinha era sintomático de que não eram propriamente amigos. E o fato de ele ter respondido que entendia, era mais sintomático ainda.

E continuaram a se ver, cada vez mais regularmente. Até que um dia ele, semblante fechado, confessou que tinha algo a propor, e que o faria no próximo encontro.

Desde então, ela perdeu completamente o sossego, imaginando o que poderia ser. E se entregava a devaneios penosos que lhe corroíam o espírito. Iria ele sugerir que não deveriam se ver mais? Ou iria dizer que estava apaixonado e que queria levar aquilo adiante? Qualquer das duas alternativas iria doer. E muito.

Por isso, tomou uma decisão.

E na hora marcada, não compareceu ao encontro. Ficou em casa, e, trancada no banheiro, chorou. As lágrimas, enxugou-as com o lenço que um dia ele apanhara do chão.



fonte: (Facebook) João Batista de Brito. https://www.facebook.com/profile.php?id=1827430791