por: João
Batista de Brito
Contam
que a história aconteceu na João Pessoa dos anos 1950. Mas não garanto.
Benício
estava preocupado com a esposa. E não era de agora. Já fazia tempo que Diana
andava estranha, aérea, desconcentrada, alheia às coisas da casa. E alheia a
ele também.
Até
na cama estava distante, sem corresponder aos seus agrados, na maior parte das
vezes, recusando fazer amor. Ele bem que tentava ser compreensivo, paciente,
mas nem sempre era fácil. Um homem com seu vigor físico precisava de uma mulher
sempre disponível. E ele não era aquele tipo de homem de ir procurar fêmeas lá
fora.
Aparentemente,
o problema surgira depois que Diana passou a frequentar a Biblioteca da cidade,
e a tomar livros emprestados. Só vivia agarrada com um livro e praticamente não
fazia mais nada na vida...
O
que aqueles livros tinham de tão atraente, ele não sabia, pois, homem sem
instrução, Benício nunca fora afeito a leituras, a não ser a dos papéis
necessários aos seus negócios, que eram muitos.
O
primeiro livro que viu em casa, posto em cima de uma cômoda depois de lido,
trazia um título estranho, “Dom Casmurro”, e ele não tinha a menor ideia do que
tratava. Afinal, Casmurro nem nome de gente era.
Em
uma de suas idas a Recife pra tratar de negócios, Benício, encontrou, um dia,
por acaso, um velho amigo, Xavier, com quem cursara o curso primário. Depois
dos abraços saudosos, foram tomar um café numa casa de lanches próxima.
Residente em Recife havia anos, Xavier era jornalista e escritor nas horas
vagas. Pois, no meio da conversa, Benício lembrou-se de aproveitar a
oportunidade pra perguntar sobre Dom Casmurro – um livro que, com certeza, o
amigo conhecia muito bem. De que tratava?
De
bom grado, o amigo fez pra ele um breve resumo do enredo e, com uma pitada de
ironia, perguntou se Benício estava agora interessado em literatura. Benício
desconversou, mas, mesmo assim, quis saber se a tal Capitu do livro, afinal,
tinha mesmo sido infiel ao Bentinho. A resposta - “ninguém sabe”- foi
insatisfatória, mas, de todo jeito, aquilo deixou Benício com uma pulga atrás
da orelha: então era um livro sobre traição conjugal que a sua Diana lia.
Um
segundo livro aparecido em casa, “O primo Basílio”, manteve a pulga na orelha
de Benício. Na próxima viagem a Recife, não fez outra: procurou o amigo Xavier
e lhe perguntou se ele conhecia o tal livro. Claro que conhecia, e adorava. E
pagou um jantar pra Xavier só pra ouvir a história de “O primo Basílio”. E não
deu outra: era traição conjugal na batata.
Como
Benício sabia que Xavier vivia em situação financeira difícil, ofereceu para
lhe dar a ajuda que ele quisesse -
contanto que o amigo, vez ou outra, lhe orientasse nessas coisas literárias,
isto sem ter que saber de seus motivos. Xavier achou estranho, mas - fazer o
quê? - precisava da grana, e, afinal, era até divertido ser pago para relembrar
o enredo de obras que amava.
Em
seguida, veio outro livro chamado “Ana Karenina”, que deixou Benício cada vez
mais intrigado, pois, pelo depoimento de Xavier, seguia a mesma linha da mulher
adúltera. Depois foi “A letra escarlate”, que deixou Benício pasmo, pois a
mulher traidora ganhava uma rubrica no peito, para a cidade toda saber da sua
falta de caráter. Mas, o pior foi o próximo, “Madame Bovary”, história de uma
mulher que não teve só um, mas vários amantes, um atrás do outro. Como é que
Diana, a sua Diana, podia gostar de livros assim?
Benício
estava horrorizado. Não admira que Diana estivesse tão perturbada. A questão
era: por que ela lia aquele lixo? E outra questão mais geral: por que a
Biblioteca do Estado adquiria e mantinha toda aquela imoralidade? Bem que sua
avó dizia: o mundo está perdido, e olhe que sua avó, que era analfabeta, se
referia ao cinema, e só por causa dos beijos na tela – imagine se ela tivesse
acesso à literatura.
Outra
coisa que Benício não entendia. Não eram romances novos, modernos, de agora.
Eram livros do Século passado, e outra coisa intrigante, todos escritos por
homens. Que homens eram esses que adoravam escrever sobre traições femininas?
Não
adiantava Xavier lhe explicar que as heroínas daqueles romances não eram
doidivanas, mas, figuras trágicas, por contingências da vida, “mulheres
apaixonadas fora do casamento”, e os romances constituíam mergulhos profundos
na alma feminina.
Com
essa, Benício deixou de procurar Xavier. Não adiantava ficar se atormentando
assim. O que tinha que fazer, tinha que ser feito em casa. E ia, sim, dar um
basta naquela história toda.
Naquele
dia voltou pra casa decidido a pôr fim às leituras de Diana. Entrou em casa com
passos firmes, porém, antes de se aproximar da esposa, viu mais um livro sobre
a sua mesa de leitura que, ao contrário dos outros, trazia nome de mulher na
capa e o título era: “Perto do coração selvagem”.
E
foi onde Benício sentiu que estava, ao chegar perto da esposa.
fonte: (face do autor) https://www.facebook.com/photo/?fbid=10217360044992915&set=a.4826176152100