sábado, 29 de maio de 2021

AS NARINAS DO DRAGÃO

por: Vilma Maciel



Obra em versos, cantos e contos do poeta Bosco Maciel, paraibano de Cajazeiras PB. Hoje, radicado em Guarulhos SP. É membro das Academias: Academia Guarulhense de Letras e da Academia de Letras de Cajazeiras, PB. É também criador da Casa de Cordel, localizada no bairro Gopouva, em Guarulhos.

Está obra é uma expressão pura da cultura popular. É uma introspecção no tempo e no espaço que permite ao poeta jogar um foco de luz sobre suas raízes nordestina, resgatando a tradição e os costumes de seu povo, dando mais autenticidade universal a sua obra de arte literária, uma vez que, a diversidade de temas de seus versos ressalta sua importância no contexto atual e suas manifestações populares e artísticas em todo Brasil.

Na primeira parte do livro, cordel, o texto poético “Luna Peregrina”, o poeta retoma o princípio simbólico da Lua, “Lua Luna” como princípio da vida humana em relação com a mãe naturezas, “Lua e Mar". Neta sétima estrofe pág. 18:

Lua luna peregrina

Com teus olhos cor de Prata
Que lumem noites na mata
Como neve a gotejar
Sê então compreensiva
Filha de quarto crescente
Se não quer contar pra gente
Conte o segredo pro Mar.

Os elementos característicos do cordel estão presentes na maioria de seus textos. Em "Vida de Carrossel", pág. 54, o poeta vê o mundo em várias etapas existenciais, a infância com sua fértil fantasia imaginativa, pág. 54.


Coloridos cavalinhos
Pulem, pulem, sem parar.
Mostrem graça, mostrem vida.
Pra pequena Margarida
Que tem tristeza no olhar
No canto, a sina do beija-flor.

O poeta enriquece o texto com os elementos estilísticos que o texto requer. Usa os recursos da rima e do ritmo.


O beija-flor
Fez um ninho
Num raminho de juá
Colibri
Passarinho
Brinquedinho
De avoar

Na terceira parte, o autor utilizando do gênero narrativo, (fábula), faz uma viagem literária em busca de uma nova versão de forma poética da obra prima de Maquiavel, "O Príncipe", contextualizando com o controverso momento atual. É um desnudamento do autor frente aos fatos sociais em várias vertentes: políticas, educacionais humanística. Momentos inexoráveis de perspectivas nebulosas. Nossos aplausos Bosco Maciel, representante efetivo das manifestações populares de nossa cultura no Brasil, mais a vez enriquecendo a nossa Literatura Brasileira.





Vilma Maciel é natural de Cajazeiras radicada em Juazeiro do Norte/CE; é especialista em língua portuguesa, literatura e produção textual e planejamento educacional. Universidade Salgado de Oliveira, Rio de Janeiro, 1996. URCA, 1987. UFC - Fortaleza, 1987.



sexta-feira, 28 de maio de 2021

FEIJÃO

por: João Batista de Brito




Dizem que vida de casados é tudo igual. Pode ser, mas há, sim, as nuances.

Lembro os amigos Nelson e Clara, aparentemente uma relação comum, porém, só até certo ponto.

Residentes na bela Curitiba, ele um engenheiro de seus cinquenta e oito anos, ela, uma publicitária de seus quarenta. Ele no segundo casamento, ela no primeiro. Sem problemas, salvo os do dia a dia, aqueles dos quais ninguém escapa.

No caso deles, um probleminha adicional era de ordem culinária. Ocorre que ele era nordestino de origem, e ela paulistana da gema: o drama é que ela nunca soube cozinhar o feijão que ele amava. Fazia uma polenta muito boa, mas quem foi que disse que ele engolia polenta?

Não que ele quisesse feijão todo dia, porém, aos sábados o prato, para ele, era sagrado. Sabe como é uns mergulhos na piscina, umas cervejinhas.., e, se possível, o feijão dos seus sonhos. Os acompanhamentos (arroz, carne, legumes) eram irrisórios.

De boa vontade, Clara tentava e não tinha jeito. Nunca teve. Por mais que se esforçasse, seu feijão nunca tinha o tal sabor esperado por ele – um sabor que ela nem sabia qual fosse, já que nunca estivera no Nordeste, muito menos em Cajazeiras, a terra dele.

Até para a internet ela apelou, mas, como se sabe, internet não dá sabor ao feijão de ninguém.

Uma vez ela quis quebrar a regra, e, ao invés do seu desprestigiado feijão, fez de surpresa um salmão ao molho de maracujá que ficou uma delícia. Ele comeu bem, mas, sem entusiasmo, como a dizer: isso se come em qualquer restaurante de Curitiba.

As coisas tomaram um rumo diferente após uma certa noite em que foram ao vernissage de um amigo, artista plástico afamado. Lá encontraram Edna, a ex de Nelson, da faixa etária dele e ainda hoje solteira.

Em dado momento, olhando por acaso um dos quadros da exposição, Clara e Edna se viram lado a lado. Sabendo que Edna, como o marido, era nordestina de Cajazeiras (“terra onde se sabe preparar um bom feijão” - Nelson sempre dizia), Clara não resistiu e ousou confidenciar seu problema culinário, e, humildemente, pediu a Edna uma orientação. Esta, riu e foi super solícita, lhe explicando toda uma receita, com todos os detalhes.

No sábado seguinte, Clara tentou a receita oral de Edna, e o seu feijão saiu ruim como sempre. Um belo dia, aborrecida da vida, perguntou a Nelson se ele ainda tinha o telefone de Edna. Meio surpreso, ele deu e ela, na frente dele mesmo, ligou. Primeiro perguntou se Edna tinha porventura os sábados livres. Ouvindo que sim, foi adiante e indagou se seria muito incômodo para ela aparecer num sábado qualquer para fazer com ela o tal feijão de Nelson. Sempre rindo, Edna não só acedeu como marcou logo para o próximo sábado.

Não sei até que ponto foi embaraçoso para o meu amigo Nelson de repente ter em casa a esposa e a ex-esposa, ambas em atividade na cozinha... Só sei que adorou voltar a comer o feijão de sua terra, e, no fundo, torceu por mais.

O fato é que terminou virando hábito: todo sábado Edna aparecia e, como previsto, o espaço da cozinha era dela. Pois bem, com o passar do tempo, as duas, Clara e Edna, firmaram amizade e, sempre trocando telefonemas, criaram o hábito de sair juntas, pegar um filmezinho, ou se encontrar no shopping ou noutros lugares, para bons papos de finais de tarde, com chá e torradas.

Desses papos, naturalmente, fazia parte falar de Nelson: como era preguiçoso para sair à noite; como criticava os gastos femininos com cosméticos e roupas; como queria ver futebol na tv quando elas queriam assistir ao Saia Justa; como urinava na borda da bacia sanitária; como roncava na cama... etc. Entre risadas e mais risadas, saíam frases como “Não sei como você aguentou tanto tempo com ele” ou “Eu entendo o que você está passando”, embora, logo em seguida, sempre viessem, de ambas as partes, os devidos elogios ao homem de suas vidas.

A amizade entre as duas mulheres ficou tão sólida que no dia em que meu amigo Nelson anunciou à esposa que já estava em vias de marcar a viagem aos mares do Caribe - a viagem com que sempre sonharam, uma espécie de segunda lua de mel - Clara foi logo dizendo que fazia questão que Edna também fosse.

Quando, estupefato, Nelson lhe perguntou se ela estava consciente do absurdo que estava dizendo, Clara não se fez de rogada e alegou que a coitada da Edna havia recentemente perdido a mãe, estava deprimida, sozinha e precisando de apoio. E fazia questão de ajudá-la. Uma viagem ao Caribe iria lhe fazer bem.

Não tive mais notícias do casal, e não sei como foi essa viagem ao Caribe. Só conto o que sei.



quinta-feira, 27 de maio de 2021

SERIA SINAIS DE UM PLANO SUPERIOR OU DE UMA FORÇA ALÉM DO TEMPO.


A lua do dia 26.05.2021 fotografada por Cleudimar Ferreira

Não sei o que está acontecendo com o planeta terra. Mas os sinais que apareceram por aqui, onde moro, ou foram induzidos a partir de forças ocasionais ou foram causados por energias suscetíveis da Lua de Sangue - que dizem que vai aparecer no céu hoje ou viajantes sinais vindos de outros planos, que nós terráqueos ainda não desenvolvemos inteligência suficiente para entender tais fenômenos. 

Pois bem! Só sei que há poucos minutos, antes de escrever essas linhas, olhei para o mundo e percebi que de repente o céu que estava claro, azul, começou a ficar nublado, carregado com nuvens escuras que se deslocaram de Mangabeira ao Baixo Roger, ou seja, do Sul para o norte, do leste para o oeste e vice-versa; num ballet esfumaçado, numa velocidade de causar tensão. 

No mesmo tempo, fortes ventos apareceram do nada e se debateram nas copas das árvores, numa rapidez fora do comum, jogando as falhas secas das figueiras do estacionamento do “Coelhos Bar”, sobre o calçamento do rua Maria Ferreira da Silva, varrendo o que tinha de entulho para o interior mata da UFPB. Aí senti a temperatura baixar sobre um ensaio nublado e passageiro do tempo! Cachorros nervosos latiram nos quintais das casas vizinhas e outros, os vira-latas, uivaram na rua, desesperadamente, sem controle, como se estive sentindo dores ou acuados com algo visível a eles e não aos humanos. 

Da mesma forma e no mesmo instante, os gatos de rua, atordoados, correram miando, pulando ou subindo os muros procurando abrigos. Até a Manéa e a Pretinha daqui de casa, tranquilas e serenas como sempre foram, com os olhos esbugalhados, ensaiaram uma correria do terraço para dentro de casa, procurando proteção nos quartos, debaixo das camas. Lá das granjas, por trás do Carrefour, os galos roucos da tarde, ensaiaram fora de hora e da ordem, cântico assustadores e agourentos no terreiro de lá, fechando o ciclo da tarde. Tudo isso em suscetiveis segundos, em fração de vinte minutos. 

Seriam sinais vindos de um plano superior ou de uma força além do tempo? Se tudo foi à energia quântica liberada do fenômeno lunático - da tal lua sanguínea, isso eu não sei! Mas que pareceu com coisas inusitadas, não explicáveis para nós ambíguos aventureiros dessa galáxia, talvez sim! Uma energia volátil provocada por algo que não está ao nosso alcance, isso sim, pareceu ser. 

Cleudimar Ferreira



segunda-feira, 17 de maio de 2021

CAJAZEIRENSE, CARLOS CARDOZO, ARTISTA PLÁSTICO, EM SÃO PAULO, UM GÊNIO NAS ARTES EM TELAS E NO PORCELANATO

por: Jose Pereira De Souza Filho


Filho de Santa Oliveira e Zé Cardozo, ambos já faleceram. Carlos é irmão de Bosco Maciel, Folclorista, músico, escritor e poeta, que mora em Guarulhos (SP). Com oito anos de idade, Carlos, já dava os primeiros passos no desenho. Apegado às formas, o garoto observava as coisas, desenhava animas, paisagens e encarava as cores como alimento de suas criações primárias. Sobre as cores nesse período, o artista costuma dizer que: “dava vontade de comer”.

Em 1970, cinco anos após a morte de sua mãe, Carlos Cardozo, depois de um longo período de recluso e falta de interesse pelo desenho, volta a desenhar, motivado pelo seu irmão, que desenha também. Mas uma decisão, em 1972, faz mudar tudo em sua vida, ele deixa a cidade de Cajazeiras rumo a São Paulo, seguindo o trajeto de seu irmão, que há dois anos já residia naquela cidade. Sua primeira moradia na “pauliceia desvairada” foi numa pensão, na Rua Amaral Gurgel, no centro, numa localidade boêmia em que existe muitas boates. A chamada “boca do lixo”.

Em São Paulo, trabalhou como entregador de roupas, bancário e digitador. Atividades, que não tiraram o gosto pela arte, pois sempre achava um tempinho para se dedicar ao desenho. Em 1974, foi morar no Rio de Janeiro. No Rio, começou a frequentar cursos livres de pintura na escola de Belas Artes, três meses depois, já estava participando de exposições coletivas, em locais como Palácio de Cristal, em Petrópolis e em Hotéis da Zona Sul.

Empolgado com a produção, que realizava e achando, que poderia viver só da arte, saiu de um emprego, que exercia na área de computação, para se dedicar só a pintura de quadros. Porém, diante de situações adversas, que o mundo da arte proporciona, principalmente, aos artistas em início de carreira, volta em 1976 para São Paulo e vai morar numa travessa, na Rua Augusta e passa a frequentar as Galerias de Artes da região. Nesse mesmo período, Carlos Cardozo passa a levar seus quadros para a cidade de Embu das Artes, uma maneira encontrada de divulgação do seu trabalho.

No ano de 1978, Cardoso se encontrava numa agência de empregos, com vários quadros debaixo do braço, aguardando ser entrevistado para vaga de digitador, na cidade de Brasília. Ao ser chamado, o entrevistador, vendo os seus trabalhos de arte, nem fez entrevista, preencheu o verso de um cartão de visitas, com algumas recomendações ao seu amigo, que era o dono de uma Agência de Propaganda e pediu que fosse no dia seguinte se apresentar a esse amigo. Esse foi o seu primeiro serviço em que se sentiu feliz. Estava colocando em prática o que mais gostava: desenhar, criar e pintar, ganhando dinheiro. Tornou-se ilustrador, trabalhando em várias agências conceituadas de São Paulo e Salvador. Carlos Cardozo ganhou vários prêmios com ilustrador.

Depois de dois casamentos, o pintor Cajazeirense, em 1992, decide morar com a sua família no Nordeste, na cidade de Recife, onde passou a trabalhou em agências de propaganda, ficando um ano. Entretanto, por problemas de adaptação, o pintor volta em 1994 a São Paulo, onde até hoje se dedica exclusivamente a pintura.

Mais experiente e recuperado dos problemas renais, que lhe incomodava, o artista já participou de exposições em locais importante da cidade de Osasco, como as de 2003 – no Osasco Plaza Shopping; 2004 e 2007, no Clube ACM e no Teatro Municipal de Osasco. Carlos Cardozo é um artista completo, pois é escultor, desenhista, pintor e caricaturista. Seu trabalho é um resultado de dedicação, perseverança e experimentalismo estético. Atitudes comuns em artistas comprometidos com a sua arte e com o prazer que esse lhe proporciona. Carlos Cardozo tem quadros expostos em paredes de restaurantes de alta classe, em São Paulo. Carlos Cardozo foi meu colega de classe no Colégio Estadual de Cajazeiras, em 1971.


fonte: Blog Cajazeiras de Amor

quarta-feira, 12 de maio de 2021

Ação da OAB contrapõe atos do Governo para desmontar a Cultura


A OAB Nacional ajuizou Ação Civil Pública, com pedido de liminar tutela de urgência, questionando ilegalidades no processamento dos projetos culturais submetidos à Lei Rouanet (Lei Federal n. 8.313/1991), que violam as garantias fundamentais do direito à cultura e ao acesso à cultura. A ação foi distribuída à 1ª Vara Federal da Seção Judiciária do Distrito Federal.

A petição contesta uma série orquestrada de atos do Poder Executivo Federal que têm por objetivo declarado o desmonte da cena cultural no país. O resultado é a limitação de aprovação de projetos culturais e, por consequência, a redução da produção cultural no país. “em absoluta asfixia do setor”.

A OAB argumenta que “atos omissivos e comissivos de autoridades vinculadas à União Federal têm acarretado incalculáveis danos ao patrimônio público e social na medida em que violam as garantias fundamentais do direito à cultura e ao acesso à cultura, em total desrespeito à ordem jurídica vigente e aos compromissos internacionais assumidos pela Federação”.

Para o presidente da Comissão Especial de Cultura e Arte, Ricardo Bacelar Paiva, signatário da petição, “a interrupção da fruição dos bens culturais, com o não funcionamento da lei Rouanet, gera danos irreparáveis aos processos coletivos e individuais de construção da identidade brasileira. Os signos, axiomas e expressões que transcendem as atividades artísticas formam uma teia de significados subjetivos que permeiam a formação da cultura, o conhecimento e manutenção dos saberes e das formas de expressão centenárias, que são repositórios dos nossos valores. A paralisação da Lei Rouanet, portanto, lesiona a dignidade do povo brasileiro, por conta do enfraquecimento de vínculos com os ideais, estéticas e símbolos que traduzem o real sentimento de pertencimento a um país e sua cultura, imprescindíveis ao bem comum”.

Também autor da ação, o presidente da Comissão Especial de Direitos Autorais, Sydney Limeira Sanches, destaca que “a Ação Civil Pública proposta pela OAB é uma resposta da sociedade e dos atores da cultura contra o deliberado desmonte que vem sendo realizado pelo governo Bolsonaro ao setor cultural. A medida visa restaurar as políticas públicas de incentivo à cultura consolidadas nos últimos 30 anos, em especial, por meio da Lei Rouanet, bem como assegurar que os preceitos constitucionais do direito à cultura sejam preservados. O desprezo do governo federal em relação à arte e ao conhecimento já são conhecidos, mas temos a certeza de que não irão prosperar. O Conselho Federal está atento e vigilante na defesa dos direitos culturais”. 

A Ação Civil Pública objetiva “preservar a integridade da sistemática de aprovação de Projetos Culturais por meio de Incentivo com renúncia fiscal, visando, pois, que não sejam impingidas ilegais limitações à aprovação de Propostas e Projetos, o que concretiza os direitos fundamentais constitucionalmente previstos”.

Lei íntegra da ação 

Reproduzido do site da OAB Nacional 



domingo, 2 de maio de 2021

AMADA, AMANTE


por: Eduardo Pereira

Toda cidade tem seu cabaré. Ops! Generalizar é errado. Então, quase. Cajazeiras não poderia ser diferente.

Desde a descoberta de minha consciência, a tal idade da razão, por volta dos sete anos de idade, eu já sabia que Cajazeiras tinha cabaré. Inevitável, para meninos criados soltos nas ruas, não perceber que esse ambiente fazia parte do cenário da cidade, tal qual a prefeitura, o cemitério, as escolas, as igrejas...

Como o prefeito era o destaque da política e o padre o influenciador na comunidade, a dama da noite em Cajazeiras também era bastante conhecida. Quem não conhecia Lilia das Mangueiras, não seria cajazeirense.

Guri, na Praça do Espinho, meu reduto de amadurecimento e deformação, via Lilia caminhando pela ladeira do cemitério Coração de Jesus rumo ao centro da cidade – fechando negócios para reabastecer o prostíbulo? - e acompanhava-a meu olhar gurejoso. Galega formosa, parecia uma alemã. Óculos escuros, não para disfarce, mas por elegância, andava de peito aberto. Era uma mulher respeitada e deslumbrante aos meus olhos de toda cidade.

Sabíamos que muitos homens de família frequentavam os cabarés. Durante a semana pecavam nos braços das Lilias nos Sete, Oito, Nove... Candeeiros, e aos domingos purificavam nos confessionários e nas comunhões suas almas devotadas aos longos sermões do bispo Dom Zacarias Rolim de Moura, nas missas das sete da noite na igreja Catedral. Já em casa, beijavam suas mulheres e seus filhos com polidez e descaramento machista.

Fui criando mais consciência e percebendo que a dama dos prazeres de Cajazeiras era o que era porque, quer queira quer não, rasgava os preconceitos de que, por ser meretriz, não impunha respeito e admiração por seu trabalho.

Ela botou moral e respeito no seu bordel. É tanto que, se não fosse essa postura, jamais seria lembrada para ser homenageada com a láurea de cidadã cajazeirense. A questão polêmica ganhou repercussão nacional em matéria do Fantástico da Tv Globo. Só faltou mesmo um plebiscito para decidir se ela poderia receber o título de cajazeirense, ou não.

Em votação pela Câmara Municipal, foi derrotada. O caráter falso-moralista e hipócrita da maioria da sociedade imperou.

Tantas e tantas reportagens rolaram sobre Lilia, e lembrei de uma que afirmava que ela ajudava prostitutas idosas e desprezadas. Sua generosidade estava expressa em seu nome de batismo: Maria de Jesus. Não preciso falar mais nada. Nem vou evocar passagens bíblicas sobre a relação de Maria Madalena com Jesus. Longe de comparações com Maria de Jesus, nossa querida amada e amante Lilia das Mangueiras. 

Sua marca ficou registrada em “a mulher que ensinou Cajazeiras a amar”. E em nome de uma geração de amor às mulheres ricas, pobres, santas, prostitutas, devassas, lembraremos eternamente Lilia.