sexta-feira, 28 de maio de 2021

FEIJÃO

por: João Batista de Brito




Dizem que vida de casados é tudo igual. Pode ser, mas há, sim, as nuances.

Lembro os amigos Nelson e Clara, aparentemente uma relação comum, porém, só até certo ponto.

Residentes na bela Curitiba, ele um engenheiro de seus cinquenta e oito anos, ela, uma publicitária de seus quarenta. Ele no segundo casamento, ela no primeiro. Sem problemas, salvo os do dia a dia, aqueles dos quais ninguém escapa.

No caso deles, um probleminha adicional era de ordem culinária. Ocorre que ele era nordestino de origem, e ela paulistana da gema: o drama é que ela nunca soube cozinhar o feijão que ele amava. Fazia uma polenta muito boa, mas quem foi que disse que ele engolia polenta?

Não que ele quisesse feijão todo dia, porém, aos sábados o prato, para ele, era sagrado. Sabe como é uns mergulhos na piscina, umas cervejinhas.., e, se possível, o feijão dos seus sonhos. Os acompanhamentos (arroz, carne, legumes) eram irrisórios.

De boa vontade, Clara tentava e não tinha jeito. Nunca teve. Por mais que se esforçasse, seu feijão nunca tinha o tal sabor esperado por ele – um sabor que ela nem sabia qual fosse, já que nunca estivera no Nordeste, muito menos em Cajazeiras, a terra dele.

Até para a internet ela apelou, mas, como se sabe, internet não dá sabor ao feijão de ninguém.

Uma vez ela quis quebrar a regra, e, ao invés do seu desprestigiado feijão, fez de surpresa um salmão ao molho de maracujá que ficou uma delícia. Ele comeu bem, mas, sem entusiasmo, como a dizer: isso se come em qualquer restaurante de Curitiba.

As coisas tomaram um rumo diferente após uma certa noite em que foram ao vernissage de um amigo, artista plástico afamado. Lá encontraram Edna, a ex de Nelson, da faixa etária dele e ainda hoje solteira.

Em dado momento, olhando por acaso um dos quadros da exposição, Clara e Edna se viram lado a lado. Sabendo que Edna, como o marido, era nordestina de Cajazeiras (“terra onde se sabe preparar um bom feijão” - Nelson sempre dizia), Clara não resistiu e ousou confidenciar seu problema culinário, e, humildemente, pediu a Edna uma orientação. Esta, riu e foi super solícita, lhe explicando toda uma receita, com todos os detalhes.

No sábado seguinte, Clara tentou a receita oral de Edna, e o seu feijão saiu ruim como sempre. Um belo dia, aborrecida da vida, perguntou a Nelson se ele ainda tinha o telefone de Edna. Meio surpreso, ele deu e ela, na frente dele mesmo, ligou. Primeiro perguntou se Edna tinha porventura os sábados livres. Ouvindo que sim, foi adiante e indagou se seria muito incômodo para ela aparecer num sábado qualquer para fazer com ela o tal feijão de Nelson. Sempre rindo, Edna não só acedeu como marcou logo para o próximo sábado.

Não sei até que ponto foi embaraçoso para o meu amigo Nelson de repente ter em casa a esposa e a ex-esposa, ambas em atividade na cozinha... Só sei que adorou voltar a comer o feijão de sua terra, e, no fundo, torceu por mais.

O fato é que terminou virando hábito: todo sábado Edna aparecia e, como previsto, o espaço da cozinha era dela. Pois bem, com o passar do tempo, as duas, Clara e Edna, firmaram amizade e, sempre trocando telefonemas, criaram o hábito de sair juntas, pegar um filmezinho, ou se encontrar no shopping ou noutros lugares, para bons papos de finais de tarde, com chá e torradas.

Desses papos, naturalmente, fazia parte falar de Nelson: como era preguiçoso para sair à noite; como criticava os gastos femininos com cosméticos e roupas; como queria ver futebol na tv quando elas queriam assistir ao Saia Justa; como urinava na borda da bacia sanitária; como roncava na cama... etc. Entre risadas e mais risadas, saíam frases como “Não sei como você aguentou tanto tempo com ele” ou “Eu entendo o que você está passando”, embora, logo em seguida, sempre viessem, de ambas as partes, os devidos elogios ao homem de suas vidas.

A amizade entre as duas mulheres ficou tão sólida que no dia em que meu amigo Nelson anunciou à esposa que já estava em vias de marcar a viagem aos mares do Caribe - a viagem com que sempre sonharam, uma espécie de segunda lua de mel - Clara foi logo dizendo que fazia questão que Edna também fosse.

Quando, estupefato, Nelson lhe perguntou se ela estava consciente do absurdo que estava dizendo, Clara não se fez de rogada e alegou que a coitada da Edna havia recentemente perdido a mãe, estava deprimida, sozinha e precisando de apoio. E fazia questão de ajudá-la. Uma viagem ao Caribe iria lhe fazer bem.

Não tive mais notícias do casal, e não sei como foi essa viagem ao Caribe. Só conto o que sei.



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