domingo, 2 de maio de 2021

AMADA, AMANTE


por: Eduardo Pereira

Toda cidade tem seu cabaré. Ops! Generalizar é errado. Então, quase. Cajazeiras não poderia ser diferente.

Desde a descoberta de minha consciência, a tal idade da razão, por volta dos sete anos de idade, eu já sabia que Cajazeiras tinha cabaré. Inevitável, para meninos criados soltos nas ruas, não perceber que esse ambiente fazia parte do cenário da cidade, tal qual a prefeitura, o cemitério, as escolas, as igrejas...

Como o prefeito era o destaque da política e o padre o influenciador na comunidade, a dama da noite em Cajazeiras também era bastante conhecida. Quem não conhecia Lilia das Mangueiras, não seria cajazeirense.

Guri, na Praça do Espinho, meu reduto de amadurecimento e deformação, via Lilia caminhando pela ladeira do cemitério Coração de Jesus rumo ao centro da cidade – fechando negócios para reabastecer o prostíbulo? - e acompanhava-a meu olhar gurejoso. Galega formosa, parecia uma alemã. Óculos escuros, não para disfarce, mas por elegância, andava de peito aberto. Era uma mulher respeitada e deslumbrante aos meus olhos de toda cidade.

Sabíamos que muitos homens de família frequentavam os cabarés. Durante a semana pecavam nos braços das Lilias nos Sete, Oito, Nove... Candeeiros, e aos domingos purificavam nos confessionários e nas comunhões suas almas devotadas aos longos sermões do bispo Dom Zacarias Rolim de Moura, nas missas das sete da noite na igreja Catedral. Já em casa, beijavam suas mulheres e seus filhos com polidez e descaramento machista.

Fui criando mais consciência e percebendo que a dama dos prazeres de Cajazeiras era o que era porque, quer queira quer não, rasgava os preconceitos de que, por ser meretriz, não impunha respeito e admiração por seu trabalho.

Ela botou moral e respeito no seu bordel. É tanto que, se não fosse essa postura, jamais seria lembrada para ser homenageada com a láurea de cidadã cajazeirense. A questão polêmica ganhou repercussão nacional em matéria do Fantástico da Tv Globo. Só faltou mesmo um plebiscito para decidir se ela poderia receber o título de cajazeirense, ou não.

Em votação pela Câmara Municipal, foi derrotada. O caráter falso-moralista e hipócrita da maioria da sociedade imperou.

Tantas e tantas reportagens rolaram sobre Lilia, e lembrei de uma que afirmava que ela ajudava prostitutas idosas e desprezadas. Sua generosidade estava expressa em seu nome de batismo: Maria de Jesus. Não preciso falar mais nada. Nem vou evocar passagens bíblicas sobre a relação de Maria Madalena com Jesus. Longe de comparações com Maria de Jesus, nossa querida amada e amante Lilia das Mangueiras. 

Sua marca ficou registrada em “a mulher que ensinou Cajazeiras a amar”. E em nome de uma geração de amor às mulheres ricas, pobres, santas, prostitutas, devassas, lembraremos eternamente Lilia.



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