quinta-feira, 3 de julho de 2025

A Resistência Cultural: Um Ato de Cidadania

Rui Leitão

Imagem criada por IA

Não há como discutir a questão da cidadania sem reconhecer a cultura como um direito básico. Daí a importância de estimular o desenvolvimento da vida cultural para que se consiga preservar a democracia. Uma sociedade mais justa não pode prescindir do aprimoramento individual dos seus cidadãos através da participação no processo cultural que promova o aprendizado na convivência com as diferenças e adversidades.

A cultura é, indiscutivelmente, uma ferramenta de inclusão social. Através dela se adquire identidade, voz e esperança. Em nosso país, a cultura se manifesta de maneira plural, refletindo nossas tradições e atuando como um poder questionador e promotor de reflexões. É o que podemos chamar de resistência cultural. Um movimento pelo qual parcelas da população, ainda que sob pressão, procuram manter viva a sua cultura, com manifestações que se colocam em oposição a poderes estabelecidos que adotam políticas repressivas.

Foi assim durante os anos de chumbo da ditadura militar. Artistas, escritores, músicos, cineastas e movimentos populares foram à linha de frente do enfrentamento simbólico ao autoritarismo. O teatro de resistência, a música de protesto, os festivais universitários, a poesia engajada - tudo isso foi combustível para manter acesa a chama da liberdade em tempos de censura e repressão. A cultura virou trincheira. O palco virou palanque. A canção virou manifesto.

Em meio à brutalidade do regime, o campo cultural se tornou um dos principais focos de rearticulação das forças democráticas. A arte engajada assumiu papel decisivo na conscientização da sociedade, muitas vezes em aliança com o movimento estudantil, que também desafiava o regime nas ruas e nas universidades.

Era o povo aprendendo a resistir, mesmo sob ameaça. Como seres sociais, somos produtores e guardiões da cultura. E, por isso, não podemos abrir mão do nosso protagonismo na luta por uma sociedade mais consciente, inclusiva e plural. Mais do que nunca, é preciso reafirmar: 

Resistir é preciso. Sempre.

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terça-feira, 1 de julho de 2025

Rádio Alto Piranhas de Cajazeiras, quase sessentona

 Cleudimar Ferreira



A Rádio Alto Piranhas de Cajazeiras (RAP), faz aniversário neste dia 01 de julho. São 59 anos de prestação de serviços a população sertaneja, desde a sua fundação. As ondas sonoras da RAP foram ao ar pela primeira vez em 01 de julho de 1966, sob a direção da Cúria Diocesana de Cajazeiras, comandada na época pelo então Bispo Dom Zacarias Rolim de Moura.

No percurso do sucesso de sua história até aqui, a emissora tem pautado junto da sua programação, um compromisso com a qualidade do conteúdo editorial de seus programas, alguns com quase a idade da emissora, como são os casos dos programas: ‘Encontro com Nelson’ e ‘Eu, o Rei e a Notícia’, campeões de audiência até hoje. Sempre priorizando um público mais popular, levando a comunicação, principalmente, as comunidades humildes do sertão paraibano.

Durante esses anos, a RAP passou por transformações históricas, tanto na parte gerencial, quanto no seu elenco de comunicadores, mas sempre mantendo a boa qualidade de som e de programas variados destinados a todas as classes sociais. Uma das mudanças de destaque, foi quando em 1983 a rádio passou a ser gerenciada pelo grupo do empresário Francisco Arcanjo de Albuquerque (in memoriam). Obteve autonomia e alcançou mais liberdade de criação e conteúdo. Atualmente é administrada pelo seu filho, o professor e historiador josé Antônio de Albuquerque, que tem prestado em manter a linha informativa de qualidade, sempre pensando suprir as necessidades dos seus inúmeros ouvintes.

Por esse leque de mudanças da Rádio Alto Piranhas, está a passagem, em breve, da frequência AM para a FM - prefixo 105.5 MHz, bem como nas suas instalações que passará a se localizar na Zona Sul da cidade, mais precisamente no Bairro da Esperança. Nessas modificações, tanto no prefixo quanto nas instalações, trará mais modernismo aos seus equipamentos e mais qualidade sonora - digital dos seus produtos alçados ao ar. 

A história da RAP, começou a ser contada em 21 de dezembro de 1961, a partir da concessão adquirida por Dom Zacarias Rolim de Moura, ladeado por um grupo de religiosos da diocese de Cajazeiras, entre eles o Monsenhor Abdon Pereira e Monsenhor Vicente Freitas, sendo o primeiro, seu primeiro diretor administrativo. A gestão de Monsenhor Abdon, foi fundamental na consolidação e afirmação do sucesso da Rádio Alto Piranhas nos seus primeiros anos de vida na radiofonia paraibana.

Nesses anos todos, a RAP construir um legado histórico merecedor de aplausos, já que apesar de toda mudança do tempo, ela continua viva e atuante como sempre foi, desde o dia que suas primeiras palavras, foram lançadas ao ar pelas suas antenas possantes, há 59 anos. Portanto, é plausível dizer, que a sua colaboração para comunicação e serviços no alto sertão de Cajazeiras, foi e é até aqui, inquestionável, destacada como um exemplo de poder que o rádio tem, que pode ser aplicado para fazer a diferença e o bem no dia a dia dos seus ouvintes. Portanto, Viva a RAP. Parabéns, Radio Alto Piranhas de Cajazeiras, quase sessentona.

Álbum Fotográfico da RAP


Legenda das fotografias : 
1ª. Momento da inauguração da Rádio Alto Piranhas. Em destaque o Monsenhor Abdon Pereira (primeiro diretor administrativo) ao lado do Deputado Soares Madruga. Abdon, corta a fita. Logo atrás, o radialista Zenildo Alcântara com microfone faz a transmissão da solenidade.
2ª. Nessa foto, o sousense Dr. Ananias (Nias) Gadelha, depois Zeilto Trajano e Júlio Bandeira, nos estúdios da Radio Alto Piranhas.
3ª. O radialista J. Gomes (com microfone), numa transmissão de uma partida de futebol. Ao seu lado (com um rádio) o fotógrafo J. G. Vilante. Foto: do arquivo de J. G. Vilante.
4ª. Reportagem e transmissõa externa, o radialista Zeilto Trajano, apoia o microfônio para Prof. Antônio de Souza. No lado esquerdo, o político e Padre Levi Rodrigues.
5ª. Aqui em uma transmissão extrena, o radialista Zeilto Trajano com microfone, depois o Empresario Raimundo Ferreira e em destaque de camisa branca, Otacilio Trajano, irmão de Zeilto e funcionario da Rádio Alto Piranhas.
Os radialistas Bosco Amaro e Expedito Sobrinho, no início dos anos 80, nos estúdios da Rádio Alto Piranhas. 
7ª. Documentos da Junta Comercial, com assinaturas de Dom Zacarias, Mosenhor Abdon e Cónego Vicente Freitas, atesta a criação da emisora em 21 de dezembro de 1961.

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domingo, 29 de junho de 2025

E lá se foram o bom José; Antônio; seu João; Pedro e Paulo

Cleudimar Ferreira

foto original de: Cleudimar Ferreira

O mês junino está passando. Passou tão rápido que muita gente nem viu suas cores. No passado, a estadia dele entre nós era mais lenta e demorada, proporcionando a todos mais envolvente e engajamento com às festas juninas desse período do ano. O que está acontecendo, não seu. Mas isso tem um sentido. Só sei que o artificialismo do tempo, está deixando os dias de junho cada vez mais sem graça. As nossas tradições culturais, por exemplo, vividas e expostas para todos, perdem ano a ano o seu brilho. Tudo tem se tornado mecânico, imediato e modista, contribuído para apagar de vez as características originais desse marcante mês.

A coisa só piora e a fratura exposta das nossas tradições, parece não retroceder e aparenta não ter cura. Infelizmente, sentimos que não temos mais poder de reação. Muitos dos defensores das verdadeiras tradições juninas - aí eu me encaixo nesse meio, estão perdendo forças diante de um rolo que destrói as nossas raízes juninas. Embrulho destruidor patrocinado por políticos, prefeitos e uma plêiade de assessores desaculturados, que usando o dinheiro público, promove nessa época o festival da degola em tudo quanto é tradição junina, abrindo espaços nas suas festas de São João, para outras culturas migratórias, diferentes da nossa, vindo de outras paragens desse país.

Esse processo de desaculturação das raízes juninas, está ocorrendo desde o momento que foi permitido elementos de culturas abastardas; vindo de outras regiões do país e, até de países com culturas similares, fosse experimentado durante as nossas festas do mês junho. Essa perda de identidade, junto com outras culturas, patrocinou até aqui um casamento promíscuo, perigoso para as nossas festas de São João. Provocando a conhecida imposição de uma cultura sob Júdice, sobre outra. Nesse caso sob a nossa tradição junina, levando o seu simbolismo a sofrer uma perca parcial, por encontro, de sua singularidade.

Para ser bem claro, quando entramos no espaço digital que tem se transformado o Parque do Povo em Campina Grande/PB, vemos que cem por cento da massa ali presente, as pessoas se mostram trajadas de chapéu cowboy, camisa xadrezada, cinto com fivelão e botas longas. Isso tanto faz ser feminino ou masculino. Uma nítida confusão equivocada de vestir as nossas tradições, pois moda assim, não representa o verdadeiro jeito de como se preparava nossos antepassados para viver e festejar a nossa cultura junina.

Usar chapéu cowboy; camisa de xadrez; cinto com fivelão e botas nessa época do ano, passou a ser uma nítida representação forasteira da cultura country americana. Estilo que foi adotado pelas festas do Peão-Boiadeiro de Barretos, cidade do interior de São Paulo, que infelizmente foi trazido para o Nordeste pelas duplas de cantores da música sertaneja, durantes os São João de Campina Grande/PB e Caruaru/PE, cidades com maior destaque das suas festas juninas na mídia nacional.

Outros elementos simbólicos das festas desse mês de junho, vindo de fora e que não tem representatividade e nem parentesco como as nossas tradições culturais juninas, é o ‘Quentão’. Essa bebida tão falada, propagada nos merchans e publicidades nesse período do ano, é um elemento da cultura sulista, pois o seu termo, por se só já o caracteriza como um aperitivo para regiões frias e, o nosso Nordeste, é quente por natureza. Se você percorrer toda extensão do Parque do Povo, procurando esse tal de ‘Quentão’, não vai achar uma dose se quer dessa tal bebida.

Imbuído nesse pano de chita repleto equívocos, de difícil retorno às origens nordestinas, encontramos o despendimento cultural que mergulhou quadrilha junina. Desprestigiada do grande público, se comparada com os megas shows nos palcos principais das duas cidades maiores da Paraíba, essa expressão das nossas festas de junho, tem sofrido nas últimas décadas a excrescência das piores modificações que uma referência cultural pode sofrer.

A começar pelo luxo das vestimentas dos seus integrantes, desenvolvidas a partir das características copiadas das alas das escolas de samba do carnaval do Rio. Nas apresentações há até pequenas alegorias ou abre-alas, bastante parecida com as do carnaval. Uma verdadeira agressão a originalidade das nossas quadrilhas juninas, que representava a simplicidade dos elementos culturais do período junino. Nesse mar de ambiguidade, foram modificados a forma de dançar, as coreografias, os comandos, como: ‘olha a chuva’, ‘olha a cobra’, ‘anarriê’, ‘balancê’, que praticamente já não existem mais.

Se ainda existem as tais bandeirinhas, difundidas pelo artista plástico Alfredo Volpi (in memoria) a partir da observação do uso delas nas cidades do interior de São Paulo, é só ainda uma questão de tempo. A intensificação das bandeirinhas nos nossos terreiros juninos, se deu com mais constância a partir da dispersão popular dos quadros pintados pelo artista ítalo-brasileiro. Entretanto, já há lugares, que essas bandeirinhas (que não é originalmente uma invenção nordestina) estão sendo substituídas por painéis de leds ou por cordões de fitas, desenhados com motivos juninos, usados para decoração de tetos.

Esse descolamento das nossas raízes juninas, nunca foi tão doloroso para o povo da Região Nordeste, depois que aconteceu a regularização das fogueiras, que passou a ser proibidas por lei em certos casos - não sendo mais permitidas na zona urbana, mas restringidas na zona rural e, do uso dos fogos e similares, que também por lei, teve o seu uso impedido em qualquer circunstância. Da mesma forma aconteceu com o “balão subiu levou bilhete meu”, um dos mais emblemáticos símbolos juninos a ser o primeiro a ter a sua proibição decretada.

No que se refere a musicalidade, não preciso dizer muito dessa questão, pois a proliferação de ritmos apócrifos no período junino nas nossas festas, tem sido uma afronta ao autêntico forró raiz, chamado carinhosamente por todos de forró de pé de serra. As festas de São João têm se transformado em ‘rave’, megas festivais de hits, inversamente desproporcionais as raízes musicais do povo nordestino. Causando discórdias entre os que defendo o forró ‘gonzaguiano’ e os prós Safadão da vida, acrescido dos sertanejos da região sul e as manifestações eletrônicas de tal DJ Alok. Estilos musicais desconectados da real música cantada por Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro e Dominguinhos.

Ou seja, a cultura é a expressão mais fiel dos sentimentos de um povo. A sua preservação é importante para se saber como surgiu no passado a história de um grupo social; de uma população; o seu modo de vida, de criação artística, formas de interação e de entretenimento. Se sua conservação é ignorada e fatores externos o agride, tentando ofuscar a sua permanência, como vamos saber no futuro, de que modo brincava e festejava o São João os que vieram antes de nós?

O genuíno São João com as festas juninas desse mês de junho, são expressões tão antiga da nossa cultura, assim como é a própria história do povo nordestino. Precisa continuar existindo; ser preservado para que se mantenha vivo com todas suas cores, símbolos e ritmos populares da autêntica música. Bem como, os aromas peculiares das suas comidas tradicionais dessa época do ano. Caso contrário, não saberemos se existiu no passado quanto cultura e seus valores, bens característicos de um povo.
 
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domingo, 15 de junho de 2025

A VERDADE SEGUNDO LOBÃO

foto PostScreen de Eliel Rodrigues da Silva Lobão

Nessa época do ano, em que especialmente no Nordeste é realizada aquela que é a mais original das festas culturais da sua região; aqui e ali sempre surge nesse período, muitas opiniões, reclamações e discursões sobre o desaparecimento dos palcos juninos, do autêntico compromisso dos músicos, dos cantores e da indústria cultural, em preservar a tradição da festa, com a manutenção no mínimo, dos ritmos populares que originou e, que tradicionalmente, sempre fizeram parte da festa.  

Na opinião de Lobão, artistas, jornalista, teólogo, existe de uma máfia na indústria musical brasileira, especificamente nos gêneros forró e sertanejo. Há invisíveis donos do sucesso que decidem quem vai brilhar e quem será esquecido, controlando tudo. Artistas talentosos são ignorados em favor de conexões, dinheiro e poder. Os fãs são enganados, pois não são mais eles que decidem que vai fazer sucesso. A arrogância e a falta de respeito tomaram conta da nossa música e, os músicos, muitos vulnerável nesse contexto, bem que merecia mais dignidade e reconhecimento. Veja a seguir, nessa opinião contundente, como ele expôs esse momento: 

DISSE 
Eliel Rodrigues da Silva Lobão

Existe uma máfia na música. No forró, no sertanejo, existe uma máfia. E existe os donos do sucesso. os donos invisíveis do sucesso que decidem quem vai brilhar e que será esquecido. Eles controlam tudo. controlam de que é a vez, e ter um hit e que será apagado e vai a ficar na sombra. Artistas com talentos verdadeiras são engavetados, esmagados por um sistema que valorizam conexões, influências, dinheiro, poder, padrinho, mas nada com a arte. Cachês milionários para poucos escolhidos. Enquanto músicos incríveis que sustentam a tal da cozinha, (risos...) são forçados a mendigar por migalhas, lutando por dignidade - quando não tem dois ou três empregos, porque senão a família passa fome.

Os fãs! você que é fã; você que acredita que, quem faz o sucesso é público. Você está sendo enganado. Isso é pura ilusão. Não é público quem faz o sucesso. O jogo está viciado meu amigo, as cartas estão marcadas e os talentos reais são descartados como peças inúteis, não são mais nada. Não existe arte! que arte, que cultura? existe somente, o dinheiro, o sistema. Você acha mesmo que é o público que decide quem vai estourar. (risos...) é a máfia quem decide, quem brilha, quem desaparece. Tem artista aí que nem olha na sua cara. Esquece que foi você, fã, quem colocou ele lá em cima, no topo. Porque agora só querem dinheiro, fama. fama rápida. mas passa.

A humildade sumiu, a gratidão virou pó e aí, está tudo certo. Está tudo bem, mas até quando? e quantos talentos já morreram na praia, porque ninguém deu oportunidade. Quantos artistas estão aí, anônimos. E quanto famosos hoje se recusam, até a tirar uma simples foto com quem sempre esteve ao lado dele. Já virou rotina. A arrogância tomou conta. O sucesso subiu a cabaça e o respeito, esse foi embora. Você fã de verdade, (risos...) merece mais do que isso. E os músicos, merecem respeitos, dignidade, reconhecimento, porque música de verdade se faz com respeito e não com humilhação. Pense nisso!

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acesse o video riginal no instagram: https://www.instagram.com/p/DKOiQY7tyFG/

quarta-feira, 4 de junho de 2025

DO SITE 'OS GUEDES'

O Bispo de Cajazeiras Dom Zacarias Rolim de Moura e o Padre Gervásio Queiroga

Padre Gervásio e o programa de 
rádio que desafiou a ditadura militar

Os Guedes

Em plena ditadura militar, um dos períodos mais sombrios para a imprensa brasileira, um programa de rádio em Cajazeiras ousou desafiar o regime e levar informação aos trabalhadores rurais. Apresentado pelo padre Gervásio Queiroga na Rádio Alto Piranhas, emissora pertencente à diocese, o programa “Verdade e Vida” tornou-se um marco ao explicar para os ouvintes o Estatuto da Terra, assinado pelo Marechal Castelo Branco.

“O Marechal Castelo Branco pensou em fazer a Reforma Agrária, mas foi barrado. O Estatuto da Terra não intencionou fazer a Reforma Agrária, mas, quase como prévia a ela, promulgou uma legislação específica para as relações entre os senhores da terra e os que, não sendo os proprietários, trabalham na terra alheia. Antes do Estatuto da Terra, as pendências específicas das relações entre proprietários da terra e os que nela trabalhavam eram resolvidas segundo o Código Civil de então. Difícil para um simples trabalhador rural entrar com uma ação, tanto mais quando, antes de Goulart, juridicamente não havia sindicatos rurais que o apoiassem e ajudassem”, esclarece padre Gervásio.

Ele ressalta que pela primeira vez, na região nordestina, camponeses e meeiros encontraram amparo legal para levar os proprietários de terra à Justiça, enfrentando uma estrutura jurídica tradicionalmente atrelada às elites rurais. “Deve-se aqui nesta área à coragem maluca de um advogado, filho de latifundiário, João Bosco Braga Barreto, esse feito histórico. Como se deve a outro advogado, filho de senhor de engenho, Francisco Julião, a organização das Ligas Camponesas. Como se deve a D. Zacarias, filho de grande proprietário de fazendas, promover a formação dos sindicatos dos trabalhadores rurais em toda a diocese”.

O impacto do programa “Verdade e Vida” foi imediato e provocou reações violentas. Padre Gervásio chegou a receber ameaças de morte. Um episódio marcante ocorreu em Jaguaribe, no Ceará, quando um latifundiário sofreu um infarto após ser chamado à Justiça por um meeiro. A família do fazendeiro culpou a Rádio Alto Piranhas pelo ocorrido e ameaçou o padre. Diante do perigo, ele leu a carta com as ameaças ao vivo e declarou que, se algo lhe acontecesse, todos saberiam os responsáveis. “Tô vivo, graças a Deus”, relembra com humor.

Apesar da pressão de setores conservadores, incluindo a União Democrática Ruralista (UDR), que tentou encerrar o programa, “Verdade e Vida” se consolidou como um dos mais importantes veículos de conscientização social da época. A história do padre Gervásio e seu programa representa um testemunho de coragem e resistência em tempos de censura e repressão.


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quinta-feira, 22 de maio de 2025

A Tradição da Fogueira de São João Está Desaparecendo

 Cleudimar Ferreira

Fogueira de São João - Sertão da Bahia. Foto: Coisas do Sertão-Luiz Carlos Marques Cardoso

E o São João e as festas juninas? Estamos cada vez mais pertos desse momento festivo do povo nordestino. Lembro que já nesse mês de maio os preparativos; o estado de euforia; o clima festivo das pessoas; prenunciava como seria o colorido das festas juninas desse período do ano. No lugar onde nasci; onde vivi o vislumbre da minha infância, uma região modestamente acidentada, encantadora, cheia de relevos e elevados; baixios, rios e riachos, o período junino começava no finalzinho do mês de abril, com os moradores dos sítios e suas casas isoladas, fazendo as primeiras tarefas para viver em junho essa tradição popular.

De todas, a mais significativa - aquela que ficou para sempre na minha memória, era o jeito como as pessoas se dedicavam ao trabalho de concepção da fogueira junina. Um ritual quase sagrado de respeito a esse momento, pois seguia um curso involuntário que todos faziam como se fosse uma necessidade. A começar com a escolha da madeira (dos paus como chamavam) que seria queimada na véspera de São João. Nada era cortado ou blocado da pouca vegetação natural que havia no lugar. Mesmo quando chegava o mês de outubro, quando os agricultores começavam preparar suas terras para plantio, durante as primeiras chuvas de fevereiro do ano seguinte. Toda madeira era colhida na margem do rio. 

Muitos escolhiam a parte da chamada a mata ciliar, ou seja, a que ficava próximo do rio e, durante o preparo do terreno agricultával, reaproveitava e cortava algumas árvores secas, muitas caídas pela erosão no solo. Porém, muitas dessas árvores ou morriam por conta do excesso de umidade da terra arenosa ou eram cortadas para fins domésticos, para abastecer os fogões de lenhas e, as que restavam, era arrastava em direção a margem, fazendo uma espécie de parede com troncos, galhos, gravetos e folhagens. Esse procedimento era para proteger, fazendo sombra para a vegetação ripária que preservava a beira do rio.

Essa madeira descartada nas encostas do rio, quando das primeiras cheias do ano, era carregada pelas enchentes e ficavam presas na margem do rio quando as águas baixavam.  Ou espalhadas nos baixios até onde as águas iam, durantes as inundações. Era nesse momento que todos passavam a procurar essa madeira como se procurava ouro, pois quanto mais grossa fosse os paus, mais duradouro seria o fogo e a fogueira. Tinha fogueira que durava até três dias. Essa lenha era trazida no lombo dos jumentos até os terreiros das casas onde era montada a queimada.

Na naite da queima, véspera do dia de São João, as famílias de reuniam ao redor das fogueiras, montava suas mezinhas cheias de comidas típicas do mês, preparadas a partir do milho amarelo-ouro, adocicado, tirado das roças, colavam suas cadeiras e iam prosear, conversar e fazer suas simpatias. As crianças passavam a brincar com chuveirinho e traque de sala. Os homens nas beiradas dos terreiros soltavam seus foguetões, agradecendo a São João pela colheita farto do milho. Quando duas famílias se combinavam para serem compadre e comadre, o encontro aconteciam na beira da fogueira na residência de uma das duas.

A oração desse momento era mais ou menos assim: “São João disse e São Pedro confirmou, que você fosse meu compadre, por que São João mandou”. Essas palavras eram repetidas duas vezes pelas duas pessoas que queria ser compadre, uma do lado direito e a outra do lado esquerdo da fogueira, só que trocando de lugar, com as mãos dadas, por cima da fogueira. Essa mesma ocasião acontecia para as senhoras e os senhores que desejavam ser compadre e compadre. Esse ritual tradicional aos pés das fogueiras, geralmente acontecia entre seis e oito da noite, pois quando havia próximo onde moravam algum forró programado para esse dia, as famílias deixavam suas fogueiras queimando o resta da noite, já que muitas se deslocavam até o local do forró para se divertir, dançar e festejar São João.

A fogueira era no passado um elemento simbólico entre todos os momentos culturais das festas juninas. Com o passar do tempo, a falta de respeito e a descaracterização da cultura junina durante o São João, ofuscaram o seu brilho e a sua importância nesse período festivo do povo. A começar pela ligação da fogueira com o desmatamento. Depois com o falatório dos órgãos ligados a saúde pública, afirmando que esse procedimento era prejudicial à saúde das pessoas que sofria doenças respiratórias, também que as fogueiras poluíam o meio ambiente com suas fumaças e finalmente, que as fogueiras estavam aumentando o número de queimados nos hospitais públicos.

Tudo isso foi apagando as tradicionais fogueiras do mês junino, culminando com a sua proibição nas cidades, nos vilarejos e povoados, pela marcação cerrada do IBAMA, a quem desobedecia às normas impostas pelo órgão nesse período. Depois passaram a agir na zona rural, onde a tradição era mais fechada e cultuada. Da mesma forma aconteceu com os festejos, que praticamente estão proibidos, atendendo pedidos da sociedade protetores de animais, por achar que os barulhos dos fogos afugentavam o comportamento dos animais e, a suposta justificativa, que também nos hospitais o número de vítimas fogos de artifícios estava ficando cada vez maior todo ano.

Junto a todo isso, se ver correndo por fora, o desespero da tradicional cultura nordestina, que sem força diante da bolha explosiva dos ritmos urbanos, declaradamente representada pela indústria cultural, perde a cada festa junina o espaço reservado de direito ao autêntico forró raiz - de pé de serra, para outros ritmos vindos do Sul, desconexos e antiquados para o contexto junino do nosso São João. Eu nasci e cresci no meu lugarzinho, no Sítio Catolé, em Cajazeiras, fazendo e vendo os outros fazerem fogueiras do São João e nunca vi ninguém se queimar ou ser queimado nas fogueiras que fazíamos. Também não via e nem ouvia pessoas se queixarem das fumaças dessas fogueiras.

Até porque, o prazer de viver uma tradição tão bonita como é o São João; com tudo que ele nos proporciona; a sua musicalidade, as brincadeiras, os festejos, o congraçamento, as comidas típicas, as cores, a cultura, arte e a simbologia, nunca houve no passado, no tempo da minha infância, espaço para reclamação que alardasse fatos de que pessoas foram vítimas de queimaduras ou tiveram crises asmáticas por contas das fumaças das fogueiras de São João.

Portando, é cabível arriscar uma reflexão, sobre esse falatório afirmando que as fogueiras trazem problemas para segurança e saúde das pessoas. Veja que não é bem assim. Pode até trazer, a fumaça, um certo incômudo, mas é passageiro, é só um dia. Da para aguentar, não avai matar ninguém. 

Esse bafafá todo sobre a tradicional fogueira, que ela provoca crises em pessoas alérgicas não passa de argumento de gente de cidade grande, que não viveu ou nunca conheceu as verdadeiras tradições juninas do nosso povo. Que infelizmente a cada ano que passa, vai esfriando, desaparecendo ou sendo substituída por outras culturas que não é a junina e nem tem ligação com a cultura nordestina. 


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segunda-feira, 5 de maio de 2025

Os Bares das Cajazeiras Alucinantes

 Cleudimar Ferreira

leitura das imagens: 1ª - Bar Playboy Drinks, 2ª - Fuba's Bar (Bar dos Penetras), 3ª - Karlos Center Bar e Drinks


Corria lentamente os idos anos 80. Nas duras vias das cajazeiras desse tempo, o suco magnético e aromático dos seus frutos, rompia o fundo dos copos flutuantes, nos bares das ruas centrais da cidade que não dormia nunca. Começava aí, a escalada raivosa em busca do novo, visivelmente talhada nas atitudes chocantes dos ideais de vanguarda. Nada de mal nisso! tudo muito bom, tudo muito bem para os que mesmo vivendo com o país num período de turbulência social, com as primeiras manifestações públicas pela redemocratização, não enxergavam nada por nada desse momento. 

Mas se viam alguma coisa, fingiam não ver, levantando o copo, acenando festivamente das calçadas desses bares, para aqueles que passeavam em ebriedade no outro lado da rua. O que importava era viver e, só. O objetivo orientava para altivez das coisas não aceitáveis, com intuído de causar admiração nos corações sensíveis ou nos conservadores fechados para as emoções. Bee Gees, pautava nos programas de maior audiência dos Dail local, sua melhor expressão. Por essa via, ‘More Than a Woman’ era a febre que juntava ao calor do agreste sertanejo e a puberdade de uma juventude sonhadora, no brilho final em preto e branco da TV Tupi.

Flutuando nesse momento, o que se esperava de curtição, era encontrado, mesmo limitado, na soberba interiorana dos finais de semana na Praça João Pessoa, que sempre oferecia o universo imaginário dos drinks coloridos; conversas e bate-papos do cotidiano, tudo em clima de birinights, guiados em plena luz negra de farós semiapagadas ou pelos globos giratórios das discotecas desse trecho. Como foi sublime esse momento, como foi eterno enquanto durou.

Se havia alguma dúvida da extinção desses locais, um passeio pela saudosa avenida, in loco, se consome essas lembranças como forma de reviver as nostálgicas conversas de bares em bares, cumprindo o percurso das horas, ao som dos ‘tintins’ dos copos de cristais e das batidas surdas nas mesas acidentais, que acolhia uma prole de praticantes de arremessos de taças embebecidas do consumido Pilsen Malt 90.

Se você não viveu o brilho cultural da Karlos Center; o populado petisco do Bar dos Penetras ou a testosterona do Bar dos Playboy, sinta-se à vontade em querer matar sua curiosidade ou assuma que não conheceu esse tempo. Pois em sintonia com a embriaguez da vida, muitos que circularam por esses bares, descobriu em um copo de cerveja, que o mundo não gira, pois o mundo não tem forma. E que a terra não é o centro do universo. Mesma assim, era estonteante a saída desses bares, depois de um fim de noite.

A Karlos Center era um espaço quase temático. Isso porque havia serviços de bar; área de convivência com boate. Se destacou em meados dos anos 80, depois, motivado pela baixa frequência, o espaço de convivência foi desativado, ficando apenas os serviços de bar, drinks e petiscos. Em sintonia com a atitude jovem de sua época, o Playboy Drinks reunia o melhor do conceito em termo de espaço para juventude de sua época. Música, bebidas, petiscos, conversas. O Playboy Drinks Bar como queira falar, no auge da sua popularidade, instigou a moçada a paquera e construções de boas amizades.

Mas tudo isso é passado e, os bares do convívio de uma gente jovem alucinante, teve a sua alma embriagada, castrada e desmontada na escora de um balcão. E as suas decorações mal definidas, consternada na contramão que a boa estética permitida, permitia para noites da cidade vespertina. Ficando nas poucas fachadas que restaram, as lembranças desbotadas das paredes, desenhadas com poster de astros da jovem guarda. Alvenarias de sonhos, encobertas por placas publicitários ou eletrônicas, das famosas Billboard incandescentes, que perduram na atualidade das cajazeiras desnudadas.

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Visão geral da antiga Karlos Center Bar e Drinks - no centro comercial de Cajazeiras


domingo, 4 de maio de 2025

A Urgência de uma Rede de Apoio Governamental

Hélio Costa

Porta luz sobre a boca do pote. Fotografia: (autor) Cleudimar Ferreira

Nos dias atuais, a arte enfrenta um cenário desafiador que vai além das questões criativas e estéticas. Para muitos artistas, a luta pela sobrevivência financeira é tão intensa quanto a busca pela expressão de suas ideias. Em um mundo onde a visibilidade e a valorização do trabalho artístico são frequentemente negligenciadas, torna-se imperativo que os governos desenvolvam políticas de amparo que garantam um suporte sólido para aqueles que vivem da arte.

A realidade é que muitos artistas dependem exclusivamente de suas obras para sustentar suas vidas. No entanto, a escassez de espaços para exposição, somada à falta de incentivos financeiros, transforma o exercício artístico em uma atividade repleta de incertezas. A ideia de que a arte deve ser uma vocação pura, desvinculada de questões financeiras, é uma noção romântica que não se sustenta diante das necessidades práticas dos criadores.

Uma política governamental eficaz poderia estabelecer uma rede de apoio que não apenas ofereça espaços para exposição, mas também promova a visibilidade das obras, garantindo que os artistas recebam uma contrapartida financeira justa por seu trabalho. Isso poderia incluir desde a criação de editais de fomento e aquisição de obras até a organização de feiras e festivais que valorizem a cultura local, atraindo a atenção do público e, consequentemente, de compradores.

Além disso, o suporte pode se estender à formação e capacitação dos artistas, proporcionando-lhes ferramentas para navegar no mercado e desenvolver habilidades empreendedoras. A articulação entre artistas e instituições culturais deve ser incentivada, criando um ecossistema que favoreça a troca e a colaboração. Em vez de ver a arte como um produto isolado, é fundamental reconhecê-la como parte de uma cadeia produtiva que gera emprego, educação e desenvolvimento social.

A pandemia de COVID-19 evidenciou ainda mais as fragilidades do setor cultural. Muitos artistas se viram sem alternativas de renda e sem a possibilidade de expor suas obras. Em resposta, iniciativas comunitárias e coletivos emergiram, mostrando que a solidariedade é uma força poderosa. Contudo, essa rede informal não substitui a necessidade de uma estrutura governamental que ofereça segurança e estabilidade.

É hora de os gestores públicos e a sociedade em geral reconhecerem o valor da arte como um bem vital para a cultura e a identidade de um país. Investir em políticas de apoio ao artista é investir no futuro da nossa expressão cultural. A arte não deve ser apenas um passatempo, mas sim um pilar da economia criativa, capaz de gerar transformação social e econômica.

Que este seja o momento de reflexão e ação. A construção de um ambiente onde os artistas se sintam seguros para criar e prosperar é uma responsabilidade coletiva. A arte precisa de espaço, e esse espaço deve ser garantido por políticas públicas que reconheçam e valorizem o potencial transformador da criatividade humana.

Deixe o Seu C O M E N T Á R I O




terça-feira, 15 de abril de 2025

As ruas da cidade viravam paredes expostas com cartazes, fotos e filmes

Cleudimar Ferreira




Na era dos cinemas de ruas, as ruas da cidade de Cajazeiras, se tornaram paredes expostas em cartaz, que parecia projetar para o futuro todo romantismo de uma época, onde o cinema reinava absoluto, não só na produção das suas belas imagens ilusórias, mágicas, mas também sob o sentimento que essas icônicas estampas fotográficas provocavam na população que iam aos cinemas. Cartazes mostrados nas suas vias de pedras anômalos, eram sinônimos de aglomerações e curiosidades.

Mas tudo parou no passado, ficando o registro de uma época. Os retratos batidos pelos seus fotógrafos do tempo, são provas que Cajazeiras viveu esse momento com obstinação e paixão. Digo assim, por que vivi esse ciclo e percebia o apego a sétima arte, dos que frequentavam as três salas de exibições da cidade, estrategicamente distribuídas e fixadas no seu espaço geográfico, de acordo com as maiores movimentações e fluxo comum dos seus habitantes

Com a presença tão unânime do seu povo, os espaços de convivência da cidade iam se transformando em pontos de exposições das chamadas tabuletas de cinema. Pontos esses disputados pelos donos dos cinemas, para divulgação dos filmes da semana. Vias públicas a exemplo da Praça João Pessoa e Terminal Rodoviário, por certo era os locais de maior convergência de transeuntes.

A Praça João Pessoa, cuja posição urbana ficava e ainda fica na parte central da cidade, foi nas décadas 50 e 60 o principal entreposto ocupado pelo Cine Éden. Não por capricho do proprietário desse cinema, mas por ser a artéria onde estava instalada essa sala de exibições e ter a maioria dos bares, lanchonetes, danceterias e sorveterias como paradas obrigatórias da juventude cajazeirense dessa época. As aglomerações nesses espaços de convergência e entretenimento, também contribuía para o crescimento do público nas sessões do Cine Éden. 

Por outro lado, o principal terminal rodoviário da cidade - anexo ao Edifício Antônio Ferreira, era ponto cativo de divulgação dos filmes que seriam exibidos no Cine Teatro Apolo XI, de propriedade da Diocese de Cajazeiras. Para o exibidor do Apolo XI, o local era estratégico, por ser porta de entrada dos visitantes que chegavam e dos filhos da terra que retornava à cidade. 

Na contramão da prática seguida pelos cines Éden e Apolo XI, o Cine Teatro Pax, outro cinema administrado pela diocese, por ser o local de produção de tudo quanto era material de propaganda dos chamados cinemas do bispo, não tinha um ponto externo, específico, para divulgação da sua programação. A chamamento do público a sua sala, se limitava apenas aos cartazes colocados no seu interior ou na parte de fora do moro que quadava o seu adro.

Como esse cinema estava situado na confluência entre o centro e as regiões sul e sudoeste da cidade, o público frequentador do Cine Pax - na sua maioria da zona sul, era fiel e mais cativo nas suas sessões, independente ou não do filme que estava em cartaz. Sendo quase certeza de auditório cheio. Por conta disso, achava o seu administrador, que as tais tabuletas de rua não eram tão necessárias, por isso, raramente se via esses espaços de propagando do Cine Pax, nas ruas de Cajazeiras. 

A ocupação desses espaços públicos com essas carimbadas tabuletas, nos fazia entender como era percebível, sob o ponto de vista financeiro, o interesse de cada proprietário dessas salas. Ou seja, o Cine Éden acreditava na grande fluência de pessoas do centro comercial, por achar que essa concentração tinha um perfil mais popular. Nesse sentido, havia mais possibilidade de ter nas sessões da noite, principalmente as dos finais de semanas, o seu auditório lotado. 

No caso do Cine Apolo XI, havia uma confiança no movimento de embarque e desembarque dos ônibus e dos serviços de hotelaria do Edifício Antônio Ferreira, como fator importante para o aumento de público nas suas sessões diárias. Como esse cinema era um pouco afastado do centro, apostava também no poder aquisitivo da população da parte norte da cidade, onde o cinema estava situado, compreendendo aí os moradores da Barão do Rio Branco e das famílias de classe média da Rua Victor Jurema. 

As tradicionais tabuletas, bases de madeiras emolduradas para aberturas dos letreiros indicativos dos filmes que seriam exibidos nos dias da semana, enfeitava a paisagem central de Cajazeiras. Elas foram até a extinção dos cinemas, objetos de atração dos olhos de muitos fotógrafos na cidade. Vez por outras, a pura abertura desses letreiros era quebrada com a diversificação de imagens, embora esporádica, com a produção de um espaço publicitário, que misturava colagem de cartazes coloridos com letras estilizadas, numa forma atrativa de atrair o público aos cinemas. Mas isso era uma raridade e nem sempre era assim. O que prevalecia mesmo era os letreiros, fácil e simples de fazer. 

Essas famosas tabuletas, tão comum no espaço urbano da Cajazeiras do passado, simbolizava a melhor solução, em termo de propaganda, que os cinemas da cidade tinham para divulgar seus filmes. Elas eram um atrativo a mais no meio dos merchandisings que o comércio produzia para divulgar e vender. Muito mais do que simplesmente tabuletas publicitarias, elas eram também, objetos que compondo a paisagem urbana, serviram para testemunhar um passado, quando esses cinemas reinavam absolutos na vida dos cajazeirenses. 

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referências das imagens dessa postagem
:
 Borracha e Bosco Pinto. (fotógrafos que aturaram nesse periodo)

sexta-feira, 14 de março de 2025

DELÍRIO

João Batista de Brito

Pavilhão do Chá em João Pessoa. imagem do acervo do IBGE.


Estávamos na João Pessoa dos anos quarenta. A família era das mais tradicionais e o casarão ficava no Parque Solon de Lucena, na época área nobre da capital.

Analice fora criada com o zelo esperado: babá, aula de piano, Aliança Francesa, ginásio no Colégio das Lourdinas, secundário na Escola Normal, tudo cabível a uma moça de família abastada, ainda mais filha única.

Foi no tempo da Escola Normal, ali na Praça João Pessoa, que os problemas apareceram. Não se sabe como, Analice conheceu esse rapaz e, em pouco tempo começaram um namoro que, com certeza, se a família soubesse, desaprovaria de chofre. Rapaz pobre, residente no popular bairro de Jaguaribe, Júlio estava longe de ter as credenciais necessárias. Os dois sabiam disso e por isso mesmo se mantinham furtivos, feito dois criminosos.

Poucos conheciam o caso, mas o fato é que o namoro chegou aos ouvidos da família, e daí a pouco, estava peremptoriamente encerrado. Se Júlio sofreu, não se sabe, mas, Analice ficou mal, muito mal. Filha obediente, engoliu o veto, a separação, a dor...

Passou-se o tempo e, com as providências da família, eis que, finalmente, apareceu “o homem certo” para Analice, esta agora já nos seus vinte e um anos de idade. Dez anos mais velho que ela, Constantino era um alto comerciante, proprietário de vários negócios na cidade. Com o reforço da família, o namoro logo virou noivado, que logo virou casamento.

E assim Analice foi se adaptando como podia a essa nova forma de vida, em sua confortável nova residência, uma das mais elegantes da rua Visconde de Pelotas. Não é que não gostasse de Constantino, mas sentia que seu afeto por ele - um homem bondoso e compreensivo – era diverso do que sentira por Júlio. Havia carinho, sossego, respeito, mas não havia chama. Por isso, toda noite rezava à Virgem Maria para esquecer de vez o passado e aceitar o presente.

Aparentemente a Virgem Maria lhe atendeu a súplica. Já fazia cinco anos de casamento, e tudo caminhava dentro da normalidade esperada. Na condição de esposa e dona de casa, Analice vivia, se não feliz, ao menos tranquila, e, mais importante, em paz com sua consciência.

Essa paz começou a ser ameaçada naquele dia em que decidiu que as roupas de cama e mesa da casa estavam gastas. Conversou com o marido, o qual, rindo do problema, lhe lembrou que as Lojas Medeiros e Cia, ali na subida da Guedes Pereira, eram da família: era só ir lá, escolher e mandar entregar. Nem pagar precisava, completou ele, ainda rindo.

E assim lá foi Analice às Lojas Medeiros e Cia.

Para seu total espanto, quem a atendeu? Sim, ele, Júlio, o mesmo Júlio que, agora que o revia, sabia nunca haver esquecido. Estava mais maduro, porém, formoso como sempre, com sua sensualidade morena, o brilho no olhar, a fala doce e o mesmo sorriso franco. Trêmula e um pouco tonta, Analice desempenhou como pôde o papel de freguesa, e ele, aparentemente muito bem, o papel de atendente. Entre os tecidos mostrados, ela não deixou de notar o anel em sua mão esquerda, visão que não sabia se a acalmava ou se mais a perturbava.

Na noite daquele dia Analice não dormiu. Então seu ex-amor era empregado de seu esposo! O destino estava maldosamente brincando com ela... E a insônia persistiu por noites e noites.

Notando-a abatida, o marido aconselhou-a a divertir-se um pouco. Chamasse a vizinha e amiga Letícia e fosse a um cinema, ou saísse para um sorvete, ou um chá, coisas assim.

Sem convicção, Analice foi com Letícia à matinê do Cine Rex. Finda a sessão, a amiga sugeriu um final de tarde no Pavilhão do Chá, ao que Analice reagiu negativamente, escondendo a lembrança de que aquele fora o local do seu primeiro encontro com Júlio. A amiga insistiu, e por fim, Analice acedeu; afinal, não podia continuar fugindo de lembranças que não valiam a pena lembrar.

Pois essas aprazíveis tardinhas no Pavilhão do Chá se tornaram habituais, o que foi alimentando em Analice a impressão de que o passado poderia ser vencido.

Isso até o dia em que, mais um espanto, ela avistou Júlio na calçada da praça. Como assim? Ocorre que os alegres fregueses do Pavilhão do Chá, recinto aberto, podiam ser vistos pelos passantes, da praça e da rua, inclusive pelos passageiros do bonde que fazia o percurso Ponto de Cem Réis-Jaguaribe, o meio de transporte diário de Júlio.

E de repente Júlio veio vindo em direção a ela. Nervosa, Analice chamou o garçom. Não adiantou: ele aproximou-se, deu boa noite, cumprimentou Letícia com um aceno de cabeça, e em seguida, apertou a mão de Analice, e no aperto de mão, veiculou uma discreta tira de papel, que Analice jogou na bolsa sem ver o que era.

Em casa, a sós no seu quarto, leu. Havia um número de telefone e uma frase escrita: “pelo amor de Deus me ligue.”

Desfazia-se daquele pedaço de papel? Ou fazia o que ele implorava?



domingo, 2 de março de 2025

CONVERSAS DE CINE ÉDEN: O Caçador de Fotogramas

porCleudimar Ferreira

Imagem meramente ilustrativa, editada a partir de uma foto - cena do filme: 'Alguém 
me Vigia' de 1979. Em destaque a atriz Lauren Hutton, protagonista do filme
 

No auge daqueles três cinemas, eis que explode um dos momentos contagiantes da minha adolescência. Um intervalo no tempo, em que muitos viveram comigo e, outros que não vivenciaram, passaram mais adiante, também, a se envolver e ser parte desse instante. E o que foi bom, não houve idade marcada ou preestabelecida, pois o interesse naquela diversão, era unânime e, por ser assim, atraia a vontade de todos, independentemente dos anos que tivesse ou da seriedade que aparentava ter.

Quando eu andava pelas ruas de Cajazeiras, facilmente sabia entender o sentido daquela atração quase voraz. Uma febre por aquelas atraentes microimagens, pulsava em quase todas as residências, pois o que eu via nessa eterna urbe, era que uma casa aqui, outra ali, sempre havia um grupo reunido, vislumbrando com ajuda de uma razoável lente artesanal, manipulada, a partir de uma lâmpada comum, com água dentro e um foco de luz solar que surgia por uma abertura no teto; uns tais fotogramas de cores e luzes, na parede de algum lugar das suas moradias.

Os inventos variavam de tamanho, qualidade e quantidade. Muitos da meninada dessa época, abusava da criatividade, sempre buscando a perfeição, na melhor confecção daquelas pequenos caixas mágicas, que nos fazia viajar por um mundo de fantasias e sonhos. Colavam os quadrinhos magnéticos, um, depois um; outro, após outro, com ajuda de um durex, formando um improvisado novelo, com imagens dos atores, estrelas protagonistas dos filmes de faroeste ou épicos, preferivelmente, imitando os verdadeiros rolos de fitas que chegavam em latões, nas cabines dos cinemas, para serem revisados e projetados, durante as sessões a noite nas salas de exibições da cidade.

Não se via naquelas caixinhas de sapatos ou de madeira, a possibilidade delas serem transformadas em algo concreto, pois não havia, sobretudo, nenhuma ligação com a realidade, porém, apenas, pequenos objetos que lembrava a ilusão do cinema ou as imagens que nele víamos. Imagens reverenciadas, por demais amadas, principalmente quando olhávamos projetados nas paredes de nossas casas, os retratos gigantes de Jonh Weyne, Clenn Ford, Gregory Peck, ou as well-defined beauties em plano aberto, de Claudia Cardinale, Greta Garbo, Sophia Loren e Natalie Wood.

A busca diária por tais fotogramas, aumentava e, as portas dos Cines Éden, Pax e Apolo XI, nos intervalos das exibições, bem como, no período da manhã - momento de limpezas dessas salas ou nos horários da tarde - quando os operadores de projetores, revisavam os rolos de fitas; tinha caráter construtivos, já que era na procura das melhores imagens, que surgia a formação dos nossos melhores bancos de fotogramas e, a meninada da vizinhança, era ávida, não fazia concessão e valorizava a qualidade das imagens.

No começo dessa fábula cinematográfica, passamos a andar pelos lixos dos cinemas de Cajazeiras, procurando esses esquecidos fotogramas, descartados das partes dos filmes, que não era adequados para exibição nas grandes telas. Até aquela ocasião, para encontrar essas preciosidades, perdidas ou não nos dispensários dos três cinemas, era necessário chegar na hora que os operadores recolhiam o lixo produzido pela revisão, ou horas depois. Isso, se ninguém chagasse antes. 

Tinha alguns que chegava a fazer plantão nos fundos dos cinemas, tocaiando o momento que o auxiliar de operador descia com o lixo da faxina, para vascular os entulhos, ansiosos na esperança de encontrar uma imagem. Se a procura dessas pequenas janelas, era aparentemente uma tarefa difícil, mais difícil ficava, com o aumento do número de interessados envolvidos na brincadeira de cineminha em casa.

Com a crescente demanda por dessas imagens nos cinemas da cidade, os operadores de projetores, que também eram os responsáveis pelas revisões dos filmes, passaram a fazer esse trabalho e, tudo que era cortado das fitas, iam sendo guardados e vendidos a preços não muito satisfatórios, para muitos garotos que não tinha se quer um centavo no bolço da sua calça coringa e, tudo que precisava comprar, dependia da boa vontade dos pais.

Lembro que certa vez estava sendo exibido no Cine Éden um filme de Faroeste, chamado ‘O Irresistível Forasteiro’, com Glenn Ford. O filme tinha sido gravado em cinemascope e a imagem apresentava um colorido perfeito, com uma resolução de fazer inveja aos 4k de hoje. A exibição tomava toda a extensão da tela. Como já tinha assistido no dia da estreia, fui dois dias depois ao Cine Éden com alguns trocados na mão. Meu propósito, era adquirir alguns fotogramas do filme que mostrasse um plano fechado do ator protagonista, no caso, Glenn Ford.  

Quando cheguei a calçado do cinema, vi que a porta estava fechada, mas a janela da cabine dos projetores, que dava para a Praça João Pessoa, estava aberta. Perguntei com a voz um pouco alterada: - tem alguém aí? Ninguém respondeu, ninguém apareceu. Já que esse compartimento do cinema ficava numa espécie de plano superior, em relação ao auditório, pequei uma pedrinha no calçamento da Praça João Pessoa e atirei em direção a janela, fazendo a mesma pergunta feita antes: - tem alguém aí? Subitamente, vi um pé e uma mão aparecendo, quase empresados, naquela janela estreita e bastante comprida. Era Manoelzinho Justino, um dos operadores, que no futuro veria a ser uma das vítimas fatais do atentado a bomba no Cine Teatro Apolo XI.

Ele apareceu na janela e perguntou o que eu queria. Disse a ele que desejava adquirir alguns fotogramas do filme ‘O Irresistível Forasteiro’. Fitas cujas imagens tivesse atores em plano médio ou fechado. Ele prontamente disse que tinha e perguntou quantas eu queria. Respondi, umas cinco. Ele replicou: - É dois cruzeiros. Vi que tinha esse valor, peguei o dinheiro enrolei muna pedrinha com uma liga e, joguei em direção a janela. 

Ilustração produzida por IA (Iteligência Arteficial)

Ele recebeu os cruzeiros, conferiu e falou que ia pegar os fotogramas. Fiquei esperando alguns minutos. De repente, Manoelzinho reapareceu na janela e, jogou em minha direção, um pacotinho envolvido num papel. O passador de filmes encostou a janela e desaparece de mim. Quando olho o conteúdo do pacotinho, os fotogramas vendidos por Manoelzinho, só tinha imagem com cenas de paisagens, ou seja, planos gerais da cidade cenográfica, cowboys pastoreando ovelhas, desfiladeiros e montanhas da região oeste americana.

Tentei no mesmo instante devolver a encomenda adquirida com operador do Éden. Gritei em direção a janela superior do cinema, chamando: - Ô Manoelzinho! não são essas as imagens que pedi e nem as que comprei. Clamei com a voz altiva e o ‘cara’ não apareceu. Voltei a aplicar a técnica de atirar uma pedra na janela da cabine de operação do cinema, mas o funcionário da sala de exibição não deu ouvido, não deu as caras.

E assim voltei com aquelas imagens provocativas, desqualificando o meu caminho em direção a balaústre cega da porta principal das casas pernambucanas. Quanto aos meus fotogramas, fui, como diz no popular, ‘enrolado’ pelo tal Manoelzinho do Cine Éden. Mesmo assim, deu para aproveitar, pois como disse anteriormente, as imagens e o colorido do filme ‘O Irresistível Forasteiro’ eram mágicas, um vislumbre para os olhos de qualquer adolescente que vivia aqueles dias fantásticos, simbolizados via as caixas panorâmicas dos nossos três cinemas.

D  E  I  X  E    O    S  E  U    C O M E N T Á R I O




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