Cleudimar Ferreira
foto original de: Cleudimar Ferreira
O mês junino está passando. Passou tão rápido que muita
gente nem viu suas cores. No passado, a estadia dele entre nós era mais lenta e
demorada, proporcionando a todos mais envolvente e engajamento com às festas
juninas desse período do ano. O que está acontecendo, não seu. Mas isso tem um
sentido. Só sei que o artificialismo do tempo, está deixando os dias de junho
cada vez mais sem graça. As nossas tradições culturais, por exemplo, vividas e
expostas para todos, perdem ano a ano o seu brilho. Tudo tem se tornado
mecânico, imediato e modista, contribuído para apagar de vez as características
originais desse marcante mês.
A coisa só piora e a fratura exposta das nossas tradições,
parece não retroceder e aparenta não ter cura. Infelizmente, sentimos que não
temos mais poder de reação. Muitos dos defensores das verdadeiras tradições
juninas - aí eu me encaixo nesse meio, estão perdendo forças diante de um rolo
que destrói as nossas raízes juninas. Embrulho destruidor patrocinado por
políticos, prefeitos e uma plêiade de assessores desaculturados, que usando o
dinheiro público, promove nessa época o festival da degola em tudo quanto é
tradição junina, abrindo espaços nas suas festas de São João, para outras
culturas migratórias, diferentes da nossa, vindo de outras paragens desse país.
Esse processo de desaculturação das raízes juninas, está
ocorrendo desde o momento que foi permitido elementos de culturas abastardas;
vindo de outras regiões do país e, até de países com culturas similares, fosse
experimentado durante as nossas festas do mês junho. Essa perda de identidade,
junto com outras culturas, patrocinou até aqui um casamento promíscuo, perigoso
para as nossas festas de São João. Provocando a conhecida imposição de uma
cultura sob Júdice, sobre outra. Nesse caso sob a nossa tradição junina,
levando o seu simbolismo a sofrer uma perca parcial, por encontro, de sua
singularidade.
Para ser bem claro, quando entramos no espaço digital que
tem se transformado o Parque do Povo em Campina Grande/PB, vemos que cem por
cento da massa ali presente, as pessoas se mostram trajadas de chapéu cowboy,
camisa xadrezada, cinto com fivelão e botas longas. Isso tanto faz ser feminino
ou masculino. Uma nítida confusão equivocada de vestir as nossas tradições,
pois moda assim, não representa o verdadeiro jeito de como se preparava nossos
antepassados para viver e festejar a nossa cultura junina.
Usar chapéu cowboy; camisa de xadrez; cinto com fivelão e
botas nessa época do ano, passou a ser uma nítida representação forasteira da
cultura country americana. Estilo que foi adotado pelas festas do
Peão-Boiadeiro de Barretos, cidade do interior de São Paulo, que infelizmente
foi trazido para o Nordeste pelas duplas de cantores da música sertaneja,
durantes os São João de Campina Grande/PB e Caruaru/PE, cidades com maior
destaque das suas festas juninas na mídia nacional.
Outros elementos simbólicos das festas desse mês de junho,
vindo de fora e que não tem representatividade e nem parentesco como as nossas
tradições culturais juninas, é o ‘Quentão’. Essa bebida tão falada, propagada
nos merchans e publicidades nesse período do ano, é um elemento da cultura
sulista, pois o seu termo, por se só já o caracteriza como um aperitivo para
regiões frias e, o nosso Nordeste, é quente por natureza. Se você percorrer
toda extensão do Parque do Povo, procurando esse tal de ‘Quentão’, não vai
achar uma dose se quer dessa tal bebida.
Imbuído nesse pano de chita repleto equívocos, de difícil
retorno às origens nordestinas, encontramos o despendimento cultural que
mergulhou quadrilha junina. Desprestigiada do grande público, se comparada com
os megas shows nos palcos principais das duas cidades maiores da Paraíba, essa
expressão das nossas festas de junho, tem sofrido nas últimas décadas a
excrescência das piores modificações que uma referência cultural pode sofrer.
A começar pelo luxo das vestimentas dos seus integrantes,
desenvolvidas a partir das características copiadas das alas das escolas de
samba do carnaval do Rio. Nas apresentações há até pequenas alegorias ou abre-alas,
bastante parecida com as do carnaval. Uma verdadeira agressão a originalidade
das nossas quadrilhas juninas, que representava a simplicidade dos elementos
culturais do período junino. Nesse mar de ambiguidade, foram modificados a
forma de dançar, as coreografias, os comandos, como: ‘olha a chuva’, ‘olha a
cobra’, ‘anarriê’, ‘balancê’, que praticamente já não existem mais.
Se ainda existem as tais bandeirinhas, difundidas pelo
artista plástico Alfredo Volpi (in memoria) a partir da observação do uso delas
nas cidades do interior de São Paulo, é só ainda uma questão de tempo. A
intensificação das bandeirinhas nos nossos terreiros juninos, se deu com mais
constância a partir da dispersão popular dos quadros pintados pelo artista
ítalo-brasileiro. Entretanto, já há lugares, que essas bandeirinhas (que não é
originalmente uma invenção nordestina) estão sendo substituídas por painéis de
leds ou por cordões de fitas, desenhados com motivos juninos, usados para
decoração de tetos.
Esse descolamento das nossas raízes juninas, nunca foi tão
doloroso para o povo da Região Nordeste, depois que aconteceu a regularização
das fogueiras, que passou a ser proibidas por lei em certos casos - não sendo
mais permitidas na zona urbana, mas restringidas na zona rural e, do uso dos
fogos e similares, que também por lei, teve o seu uso impedido em qualquer
circunstância. Da mesma forma aconteceu com o “balão subiu levou bilhete meu”,
um dos mais emblemáticos símbolos juninos a ser o primeiro a ter a sua
proibição decretada.
No que se refere a musicalidade, não preciso dizer muito
dessa questão, pois a proliferação de ritmos apócrifos no período junino nas
nossas festas, tem sido uma afronta ao autêntico forró raiz, chamado
carinhosamente por todos de forró de pé de serra. As festas de São João têm se
transformado em ‘rave’, megas festivais de hits, inversamente desproporcionais
as raízes musicais do povo nordestino. Causando discórdias entre os que defendo
o forró ‘gonzaguiano’ e os prós Safadão da vida, acrescido dos sertanejos da
região sul e as manifestações eletrônicas de tal DJ Alok. Estilos musicais
desconectados da real música cantada por Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Jackson
do Pandeiro e Dominguinhos.
Ou seja, a cultura é a expressão mais fiel dos sentimentos
de um povo. A sua preservação é importante para se saber como surgiu no passado
a história de um grupo social; de uma população; o seu modo de vida, de criação
artística, formas de interação e de entretenimento. Se sua conservação é
ignorada e fatores externos o agride, tentando ofuscar a sua permanência, como
vamos saber no futuro, de que modo brincava e festejava o São João os que
vieram antes de nós?
O genuíno São João com as festas juninas desse mês de junho,
são expressões tão antiga da nossa cultura, assim como é a própria história do
povo nordestino. Precisa continuar existindo; ser preservado para que se
mantenha vivo com todas suas cores, símbolos e ritmos populares da autêntica
música. Bem como, os aromas peculiares das suas comidas tradicionais dessa
época do ano. Caso contrário, não saberemos se existiu no passado quanto
cultura e seus valores, bens característicos de um povo.
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