domingo, 29 de junho de 2025

E lá se foram o bom José; Antônio; seu João; Pedro e Paulo

Cleudimar Ferreira

foto original de: Cleudimar Ferreira

O mês junino está passando. Passou tão rápido que muita gente nem viu suas cores. No passado, a estadia dele entre nós era mais lenta e demorada, proporcionando a todos mais envolvente e engajamento com às festas juninas desse período do ano. O que está acontecendo, não seu. Mas isso tem um sentido. Só sei que o artificialismo do tempo, está deixando os dias de junho cada vez mais sem graça. As nossas tradições culturais, por exemplo, vividas e expostas para todos, perdem ano a ano o seu brilho. Tudo tem se tornado mecânico, imediato e modista, contribuído para apagar de vez as características originais desse marcante mês.

A coisa só piora e a fratura exposta das nossas tradições, parece não retroceder e aparenta não ter cura. Infelizmente, sentimos que não temos mais poder de reação. Muitos dos defensores das verdadeiras tradições juninas - aí eu me encaixo nesse meio, estão perdendo forças diante de um rolo que destrói as nossas raízes juninas. Embrulho destruidor patrocinado por políticos, prefeitos e uma plêiade de assessores desaculturados, que usando o dinheiro público, promove nessa época o festival da degola em tudo quanto é tradição junina, abrindo espaços nas suas festas de São João, para outras culturas migratórias, diferentes da nossa, vindo de outras paragens desse país.

Esse processo de desaculturação das raízes juninas, está ocorrendo desde o momento que foi permitido elementos de culturas abastardas; vindo de outras regiões do país e, até de países com culturas similares, fosse experimentado durante as nossas festas do mês junho. Essa perda de identidade, junto com outras culturas, patrocinou até aqui um casamento promíscuo, perigoso para as nossas festas de São João. Provocando a conhecida imposição de uma cultura sob Júdice, sobre outra. Nesse caso sob a nossa tradição junina, levando o seu simbolismo a sofrer uma perca parcial, por encontro, de sua singularidade.

Para ser bem claro, quando entramos no espaço digital que tem se transformado o Parque do Povo em Campina Grande/PB, vemos que cem por cento da massa ali presente, as pessoas se mostram trajadas de chapéu cowboy, camisa xadrezada, cinto com fivelão e botas longas. Isso tanto faz ser feminino ou masculino. Uma nítida confusão equivocada de vestir as nossas tradições, pois moda assim, não representa o verdadeiro jeito de como se preparava nossos antepassados para viver e festejar a nossa cultura junina.

Usar chapéu cowboy; camisa de xadrez; cinto com fivelão e botas nessa época do ano, passou a ser uma nítida representação forasteira da cultura country americana. Estilo que foi adotado pelas festas do Peão-Boiadeiro de Barretos, cidade do interior de São Paulo, que infelizmente foi trazido para o Nordeste pelas duplas de cantores da música sertaneja, durantes os São João de Campina Grande/PB e Caruaru/PE, cidades com maior destaque das suas festas juninas na mídia nacional.

Outros elementos simbólicos das festas desse mês de junho, vindo de fora e que não tem representatividade e nem parentesco como as nossas tradições culturais juninas, é o ‘Quentão’. Essa bebida tão falada, propagada nos merchans e publicidades nesse período do ano, é um elemento da cultura sulista, pois o seu termo, por se só já o caracteriza como um aperitivo para regiões frias e, o nosso Nordeste, é quente por natureza. Se você percorrer toda extensão do Parque do Povo, procurando esse tal de ‘Quentão’, não vai achar uma dose se quer dessa tal bebida.

Imbuído nesse pano de chita repleto equívocos, de difícil retorno às origens nordestinas, encontramos o despendimento cultural que mergulhou quadrilha junina. Desprestigiada do grande público, se comparada com os megas shows nos palcos principais das duas cidades maiores da Paraíba, essa expressão das nossas festas de junho, tem sofrido nas últimas décadas a excrescência das piores modificações que uma referência cultural pode sofrer.

A começar pelo luxo das vestimentas dos seus integrantes, desenvolvidas a partir das características copiadas das alas das escolas de samba do carnaval do Rio. Nas apresentações há até pequenas alegorias ou abre-alas, bastante parecida com as do carnaval. Uma verdadeira agressão a originalidade das nossas quadrilhas juninas, que representava a simplicidade dos elementos culturais do período junino. Nesse mar de ambiguidade, foram modificados a forma de dançar, as coreografias, os comandos, como: ‘olha a chuva’, ‘olha a cobra’, ‘anarriê’, ‘balancê’, que praticamente já não existem mais.

Se ainda existem as tais bandeirinhas, difundidas pelo artista plástico Alfredo Volpi (in memoria) a partir da observação do uso delas nas cidades do interior de São Paulo, é só ainda uma questão de tempo. A intensificação das bandeirinhas nos nossos terreiros juninos, se deu com mais constância a partir da dispersão popular dos quadros pintados pelo artista ítalo-brasileiro. Entretanto, já há lugares, que essas bandeirinhas (que não é originalmente uma invenção nordestina) estão sendo substituídas por painéis de leds ou por cordões de fitas, desenhados com motivos juninos, usados para decoração de tetos.

Esse descolamento das nossas raízes juninas, nunca foi tão doloroso para o povo da Região Nordeste, depois que aconteceu a regularização das fogueiras, que passou a ser proibidas por lei em certos casos - não sendo mais permitidas na zona urbana, mas restringidas na zona rural e, do uso dos fogos e similares, que também por lei, teve o seu uso impedido em qualquer circunstância. Da mesma forma aconteceu com o “balão subiu levou bilhete meu”, um dos mais emblemáticos símbolos juninos a ser o primeiro a ter a sua proibição decretada.

No que se refere a musicalidade, não preciso dizer muito dessa questão, pois a proliferação de ritmos apócrifos no período junino nas nossas festas, tem sido uma afronta ao autêntico forró raiz, chamado carinhosamente por todos de forró de pé de serra. As festas de São João têm se transformado em ‘rave’, megas festivais de hits, inversamente desproporcionais as raízes musicais do povo nordestino. Causando discórdias entre os que defendo o forró ‘gonzaguiano’ e os prós Safadão da vida, acrescido dos sertanejos da região sul e as manifestações eletrônicas de tal DJ Alok. Estilos musicais desconectados da real música cantada por Luiz Gonzaga, Trio Nordestino, Jackson do Pandeiro e Dominguinhos.

Ou seja, a cultura é a expressão mais fiel dos sentimentos de um povo. A sua preservação é importante para se saber como surgiu no passado a história de um grupo social; de uma população; o seu modo de vida, de criação artística, formas de interação e de entretenimento. Se sua conservação é ignorada e fatores externos o agride, tentando ofuscar a sua permanência, como vamos saber no futuro, de que modo brincava e festejava o São João os que vieram antes de nós?

O genuíno São João com as festas juninas desse mês de junho, são expressões tão antiga da nossa cultura, assim como é a própria história do povo nordestino. Precisa continuar existindo; ser preservado para que se mantenha vivo com todas suas cores, símbolos e ritmos populares da autêntica música. Bem como, os aromas peculiares das suas comidas tradicionais dessa época do ano. Caso contrário, não saberemos se existiu no passado quanto cultura e seus valores, bens característicos de um povo.
 
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