RAIMUNDO NONATO GUEDES DE AQUINO
Jornalista autodidata com formação
no rádio, Nonato sempre esteve presente nos movimentos culturais de Cajazeiras nos conturbados anos 70 e 80. Foi um dos fundadores do antigo Cineclube
Wladimir Carvalho. Em declaração no livro “Raízes” o jovem jornalista na época
afirmou que para ele a poesia era apenas mais uma extensão do seu trabalho. E afirmou:
“Na verdade eu não sou poeta, mas um jornalista que faz versos nas horas vagas
e quando vem à inspiração”. Sobre o poema “Vítima ou Réu” que escreveu em 1977,
na época, o jovem Nonato declarou ser em memória de Geraldo Ludugero, teatrólogo
cajazeirense assassinado friamente no sanitário do “Cajazeiras Tênis Clube”. No
julgamento, o réu foi absolvido por sete a zero. No poema abaixo, Nonato
questiona até que ponto houve justiça no julgamento.
VÍTIMA OU RÉU
Tu que julgas este réu
e condenas quem morreu
não negas, por acaso, o direito à vida
de quem na própria vida não viveu?
E tu que na hipocrisia desta imagem
vestes em roupas de paladino da
justiça
e lutas a nú contra a liberdade
não estarás traindo o ofício
semeando a desigualdade?
E tu que choras pelo réu
abominas a dor da vítima
não temes, por acaso,
que os crocodilos se encarreguem
dessas lágrimas
e as despejem neste vale de
esperança?
para aguar a vitória de uma bonança
E tu que te consideras digno probo
cidadão honesto, íntegro e intocável
não temeste tocar com mãos sujas
a alma limpa de que foi injustiçado?
E por que ao sentaste nesta cadeira
para o julgamento dos outros
não usaste esta tribuna
e levantaste a honra
e proclamaste a vida
de quem, de fato mereceu viver?
Não sentes remorsos, então
de exterminar o ser puro
e enaltecer a frieza do bruto impuro
que ainda hoje anda livre e sossegado
a contrastar com a liberdade
de quem de fato foi usurpado?
Não sentes, pois vergonha
de virar a medalha do teu reverso
e cuspir esta face, este outro lado
no rosto do ofendido ou do humilhado?
Tens tuas razões, é verdade
pois do meio que te obriga e te
comporta
só se pode esperar semelhante ação
pois que é uma justiça que não é
justa
que mesmo injusta será justiçada
por quem ficou nesta caminhada.
E se do palco da vida
arrancarem o ator principal
não principies a cantar glória
que o palco real não está vazio
mas vazia deve estar a consciência
de quem quis esvaziá-lo inutilmente.
E se não queres crer na evidência dos
fatos
bebe a sabedoria popular
para quem “um dia é da caça
outro do caçador”
e no amanhã que desponta justiceiro
não haverá lugar pra quem como tu
salvaste a própria pele
mas condenaste ou ajudaste a condenar
a vida de um irmão
como a querer sufocar o seu grito
e impedir seu refrão.
Em Pé:
Dantinha, Bosco Amaro, Paulo, Itamar, Tático,
Arruda Sobrinho, Zé Goreth,
Normando Soracles, Josival Pereira.
Sentados: Gutemberg Pereira, Nonato Guedes,
Gutemberg Cardoso,
Mário Alves, Otacílio Trajano e Zé Alves.
No período compreendido entre os anos
70 e 80, foi ativista membro do movimento secundarista e universitário de
Cajazeiras. Juntamente com teatrólogo Tarcisio Siqueira, teve participação
direta nos eventos culturais da cidade, principalmente os da área de artes
cênicas. Ilustrou o Livro “Reflexos” do Poeta Irismar de Lira e foi um dos
coordenadores do extinto Grupo de Integração do Menor na Comunidade (GIMC). Em
João Pessoa, Giovanny foi estudante do curso de Psicologia do antigo IPÊ e
assessorou o Departamento de Imprensa da Câmara Municipal, além de exercer
atividades na área Educacional. Os poemas abaixo produzidos por Geovanny entre
os anos de 1976 e 1980 apresentam frases e palavras que constituem o
comportamento do ser e sua função na sociedade.
MARCO ZERO
Redimido no prumo da infraestrutura,
de altura, dimensões moribundas,
Permaneço impaciente.
Ampara-me o mínimo
Além-mar
durmo,
danço,
deito no duro dardo real das
contradições,
com artérias proletárias, pensando
sempre.
Circulo ruas,
e setas, números, sinais, símbolos,
são anestésicos de possíveis
diálogos,
palavras, gargalhadas.
Uivando sob comando de vermes em
camadas,
acajazeiradas,
compreendo:
“Pobre é ser rico de misérias,”
mutiladoras,
arrastando-se por fases,
recompensado por corrente de fazes
programadas,
anordestinadas, onde devagar marcha a
massa amassada,
triturada,
assada por peritos cozinheiros com
suas frenéticas
normas,
códigos,
Leis...
Leis?
Ora leis!
CACTOS
Vomitadas tarifas
institucionalizadas,
carimbadas,
mascaradas,
violentam impunes:
sexo.
Bolsos
Consciências.
Fronteiras
Economia popular,
entre cruzes e cravos.
Sinto dó,
do código ficar em ré...
quando viva ainda está,
a indústria da seca
atormentando pedreiras humanamente
sertanejas.
UM ANÔNIMO NO MATO
Safras e entusiastos mantos
piadas novas não aparecem.
títulos atrasados pra dois santos
dias sociais,
ironia,
na mania emprestam-me,
vomitados pela atrevida liberdade do
sangue.
treze cruzeiros no saco de farinha,
morna,
após semana endividada.
Ora,
urra,
ora, escavando precipitado o peito,
na esperança de umedecer
o espírito praga da língua pregada.
Mira-se,
murmura queimando que continua,
lubrificando o senso da sensual
censura.
Pendurando mãos calejadas no bolso
declarado,
semblante do dissabor,
escamoteia contradições e,
as dissimula, apenas na ponta de
cartazes bem posicionados.
NOZES
Arregaçados talheres embriagados,
socialmente calados,
atestam o teto furado da fé farinha,
pisoteada por grilhos e galhos
opulentos,
consequente do habitual “show”,
casulo noturno.
Pronto está estrumado banquete,
face a face participam:
foices,
freios,
fiados frutos da previdência
adiantada.
Cachorro e mulher retalhados no raso
das fezes,
fazem festa nos cantos dos cactos,
no vento da terra,
por não estarem mais presentes.
Indenizo meu silêncio fundo,
pelas brechas do rural atrofiado.
o sol queima vidas,
enquanto sedento continuo tocando os
instrumentos
da Banda Curral,
que o Cristo do meu sertão empresta.
Voto democraticamente para a volta do
meu mundo e,
percebo mancando que somente a morte,
estranho fruto da vida,
contempla abstraída,
o sucesso permanente da monumental
parada:
indústria da Seca.
VIDAS REAIS RADIOGRAFADAS
Ciclos de fardos descompassados,
higienicamente chicoteados
vomitados,
pensam a prática,
e, pensar é fundamental,
mesmo na tropicologia aflita,
injusta gruta,
com suas fendas,
fundas,
afundando:
feriados,
salários,
feridas sistemáticas,
paulatinas,
de têmpera miséria secular
choram guilhotinados,
oram subdesenvolvidos.
pela sobrevivência inglória
fumegante,
atiçada,
absurda,
tensa
ajuazeirada,
lutam pelas transformações concretas,
diretas, necessárias,
brindando suas vivencias,
conflitos essenciais.
Conscientemente “sorrindo”.
fonte: RAÍZES, Livro de Poesias. Cajazeiras, 1982