terça-feira, 29 de setembro de 2020

Secretario Damião Cavalcanti convoca trabalhadores da cultura.

O Secretário Estadual da Cultura Damião Ramos Cavalcanti, reforçou o convite para que os trabalhadores da cultura no Estado façam o cadastramento na Lei Aldir Blanc, cujo prazo só vai até o dia 30 deste mês de Setembro. Cada artista cadastrado e contemplado, irá receber a importância de 3 mil reais, divididos em 3 parcelas de R$ 600,00 e mais 4 parcelas de R$ 300,00. Os benefícios que serão destinados aos trabalhadores do setor cultural na Paraíba, estão sob responsabilidade do Governo do Estado.  




domingo, 20 de setembro de 2020

“O calvário da Lei Aldir Blanc”

por Afonso Oliveira
Produtor cultural, escritor e consultor.



As frases da música “Como nossos pais” de Belchior que diz: “Eles venceram e o sinal está fechado prá nós” e “E as aparências não enganam não”, cabem perfeitamente para definir o que considero o calvário para acessar os recursos da conhecida Lei Aldir Blanc. 


A burocracia criada é tão surreal que não encontrei nada parecido em nenhuma lei, decreto ou norma publicada durante a pandemia. Uma ideia que surgiu para socorrer de forma emergencial o setor cultural ficou apenas no papel.


A necessidade de uma Lei Emergencial de Cultura surgiu após o total descaso da então Secretária Regina Duarte com o setor cultural no início da pandemia. Percebendo que nenhuma ação ia ser tomada e sofrendo as consequências da calamidade, a sociedade mobilizou-se e cobrou uma atitude política mais efetiva.


O Congresso Nacional percebeu o problema e tornou-se o termômetro e o protagonista para receber todas as demandas. Vale destacar o empenho dos diversos atores sociais, incluindo alguns deputados, deputadas, senadores e senadoras. Mas se a solução saiu do Congresso, é necessário ser dito, que também foi lá onde começou a criação do calvário. E as aparências não enganam.


Ignorando a experiência de distribuição de recursos emergências via Caixa, congresso e governo politizaram o projeto, no pior contexto da palavra, criando um fluxograma de hierarquias institucionais e interesses estranhos a proposta emergencial da lei. Imediatamente formou-se uma mobilização com interesses políticos e objetivos muito claros: articular o setor cultural em torno de uma pauta de oposição ao governo e a participação de todos os entes federados em ano de eleições municipais. Tudo isso para fazer chegar, pasmem, R$ 2.000,00 (dois mil reais) ou um pouco mais via editais, e R$ 600,00 (seiscentos reais) mensais de auxílio nas mãos dos trabalhadores do setor cultural. É importante deixar claro que com a obrigação de contrapartida e prestação de contas. Eles venceram e o sinal está fechado pra nós.


Essa politização e burocracia geraram um número incalculável de lives, grupos de aplicativos e um emaranhado de regulamentos, decretos, cadastros, editais e conferências. Tudo legitimado por um coro de muitas vozes, quase como um ritual litúrgico enaltecendo a importância desse processo cruel. Assim criou-se o calvário.


A mobilização social é e sempre será importante, mas criar uma falsa ideia de luta pelo socorro emergencial de pessoas, empresas, espaços culturais, comunidades, terreiros e festas em tempos de pandemia é inadmissível. Não há nada de emergencial nesse processo – decretos de regulamentação nas instâncias federal, estadual e municipal; cadastros que mais parecem uma solicitação de aposentadoria. Enquanto o setor agoniza, assiste-se gestores com seus salários em dia criando ainda mais burocracias, amplificando o calvário.

 

Aldir Blanc em 2016: morto pela Covid-19, cantor e compositor batiza 
lei de emergência | Foto: Leo Martins, Agência O Globo


A Lei Aldir Blanc criou no artigo 2, inciso I, a Renda Básica Emergencial em auxílio às pessoas físicas do setor cultural, com restrições, que mais parecem uma pegadinha. São elas: Pessoas com emprego formal; Pessoas que estão recebendo outros benefícios, como o Seguro-Desemprego, assistenciais ou outros, incluindo auxílio emergencial federal; Pessoas que pertencem à família com renda superior a três salários mínimos (R$ 3.135,00) ou cuja renda mensal por pessoa for maior que meio salário mínimo (R$ 522,50); Pessoas que receberam rendimentos tributáveis acima do valor de R$ 28.559.70 em 2018, de acordo com a declaração do Imposto de Renda. Pessoas que já são beneficiárias do auxílio emergencial previsto na Lei nº 13.982, de 2 de abril de 2020.


Com todas essas restrições um número muito pequeno de pessoas têm direito a receber a Renda Básica. Mas a regulamentação do governo federal, com anuência do Fórum dos Secretários e Conselhos de Cultura entregou aos Estados 1,5 bilhão de reais, sendo 1,2 bilhão para pessoas físicas e 300 milhões para editais e prêmios. Vários estados equilibraram essa divisão do bolo, sem perder o desejo sádico das regras, das dificuldades e deixando reinar a rainha da exclusão, a burocracia.


A Cultura Popular está no fim dessa enorme fila desigual. Quem possui mais recursos tecnológicos serão os primeiros atendidos e os que não têm serão enviados para sabe lá onde. Para o deleite da velha política e dos que falam em autonomia nas mesas dos bares descolados.


É a nova-velha tutela com ares pseudo socialista. O teatro dos horrores está pronto com todos os atores em seus devidos papéis, enquanto do lado de fora é a plateia que anseia por fazer arte.


Os editais e seus prêmios contidos na lei Aldir Blanc irão render muitos produtos artísticos a preço de banana. É o Estado e o mito da democracia aproveitando-se da vulnerabilidade financeira de muitos que fazem arte no Brasil. Uma vergonha! Fossemos um país que respeitasse os que fazem arte, esses recursos estariam sendo distribuídos em caráter emergencial de verdade, sem contrapartida, nem prestação de contas. Apenas com CPF ou CNPJ.


A única constatação e alento é saber que tudo isso estão nos deixando mais próximos, mais solidários. Mas não nos enganemos, porque dessa vez Eles estão indo longe demais. Esse calvário será enfrentado e vencido e a cultura por ser a fênix da sociedade, mostrará sua força e dará uma volta por cima para felicidade geral de Nação. Felicidades. Somos todos Macunaímas. 





fonte: https://ricardoantunes.com.br/

sábado, 19 de setembro de 2020

OS CANGACEIROS E CAJAZEIRAS SITIADA

Nadja Claudino

Recorte da capa do livro (romance) "Joana dos Santos", de Ivan Bichara

28 de setembro de 1926, um menino de oito anos de idade se esconde debaixo da cama dos pais. Ele e outras crianças estão acuadas a espera do ataque do bando de cangaceiros liderados por Sabino Gomes (subchefe do bando de Lampião, o temível e famoso Rei do Cangaço). A cidade de Cajazeiras está em suspense à espera dos homens selvagens que viriam do mato, prometendo todo o tipo de destruição, caso não fossem obedecidas as suas exigências.

O sol quente, o calor abafado são alguns dos elementos menos perceptíveis nessa tarde de medo e ansiedade. Os homens testavam as armas, procuravam pontos estratégicos para a defesa da cidade. Na igreja, o bispo defendia sua fé, rezando, pedindo aos céus intervenção para que Nossa Senhora da Piedade protegesse a cidade, os homens, e mesmo os cangaceiros – que fossem eles embora com a graça de Deus. Os cangaceiros nas cercanias da cidade esperavam o melhor momento para atacar; o povo esperava o ataque. A cidade estava sofrendo com a espera angustiada.

O menino embaixo da cama se chamava Ivan Bichara Sobreira, que muitos anos depois escreveu um livro intitulado Carcará, romance que conta essa história acontecida em Cajazeiras, Alto Sertão da Paraíba, em uma distante tarde do mês de setembro de 1926. O romance mostra uma Cajazeiras orgulhosa da sua história, por ser uma das maiores cidades do sertão, rota de ligação da Paraíba com o Ceará, cidade símbolo da educação. Terra de famílias tradicionais como os Rolim, Albuquerque, Sobreira, Bichara. É essa cidade e são essas famílias que estão sendo ameaçadas por um grupo de cangaceiros, personagens que tanto atemorizavam a região sertaneja da década de 20 até meados de 1940, quando a morte de Corisco baniu o último dos cangaceiros.

Podemos pensar no pavor que acometia todas essas famílias, preocupadas com o destino dos seus homens e suas mulheres, caso caíssem no poder dos cangaceiros. A perversidade dos cangaceiros era altamente propagada. Os estupros de mulheres casadas e até de moças virgens, a castração dos homens, a mutilação da língua dos traidores que falavam demais, os bailes que os cangaceiros promoviam depois da vitória, fazendo as mulheres mais respeitadas da sociedade dançarem nuas na frente dos filhos e dos maridos. Verdade ou invenção eram essas as histórias que corriam de cidade em cidade. E por conta disso os homens que protegiam Cajazeiras estavam em uma guerra de vida ou morte, de glória ou de humilhação.

Ivan Bichara, traduziu esses acontecimentos que marcaram tão profundamente sua infância por meio da literatura. O moço Ivan como muitos rapazes do seu tempo sai de Cajazeiras para terminar seus estudos e se forma na Faculdade de Direito do Recife. Volta à Paraíba e começa uma carreira política promissora, sendo eleito em 1946 para a Assembleia Legislativa, em 1955 se elege deputado federal e, em 1975, é escolhido pela Assembleia Legislativa governador. Ivan Bichara integrou um time seleto de políticos escritores da Paraíba, a exemplo de Ernani Satyro, José Américo de Almeida, Ronaldo Cunha Lima, dentre outros, que assumiram o governo do estado e deram importante contribuição às letras paraibanas.

O romance Carcará toma Cajazeiras como representativa de muitas cidades do interior do nordeste que foram atacadas por bando de cangaceiros. A verdade é que as cidades do interior eram desguarnecidas, os meios de comunicação eram incipientes e não conseguiam tirar do isolamento os lugarejos mais distantes. Esse era um dos fatores por que a maioria das cidades capitulava frente às investidas dos cangaceiros. Mossoró, no Rio Grande do Norte, no ano de 1927, expulsou os cangaceiros da cidade, sendo também uma das primeiras cidades a desafiar o Rei do Cangaço. Esse passado de lutas até hoje é preservado pela população mossoroense, usada como discurso histórico, político e cultural. São museus, memoriais, livros, discursos que formulam a identidade de um povo valente, que não aceitou os invasores. Em Cajazeiras, a expulsão dos cangaceiros não foi explorada dessa maneira, foi silenciada, esquecida e tem no livro de Ivan Bichara uma significativa fonte de pesquisa.

O livro traz personagens representativos do universo sertanejo. São rapazes que na época desejam migrar para os grandes centros e assim poderem dar continuidade aos seus estudos, moças casadoiras, poderosos locais como coronéis, políticos, delegados e também a gente do povo, feirantes, cantadores de viola, que se movimentam e nos prendem nas teias do enredo. O livro de Ivan Bichara é inspirado em um fato real, que ele soube narrar com enorme expressão literária, ligando seus personagens à vida de um Nordeste arcaico, recôndito, lugar de acontecimentos inusitados.

O ataque dos cangaceiros, a ansiedade, o medo das perversidades, tudo isso envolve o leitor do Carcará, fazendo com que ele também se angustie, tome amizade pelos personagens, se importe com sua vida e com o seu destino nas mãos dos cangaceiros. Ivan Bichara integra a vida com a literatura, fazendo a vida pulsar em cada parágrafo. A ansiedade do menino deu subsídios para, juntamente com a técnica literária do homem escritor, gerarem um livro que mesmo empoeirado e esquecido nas estantes das bibliotecas públicas nos remete a um passado que merece ser lembrado.


fonte: https://www.recantodasletras.com.br/

sexta-feira, 18 de setembro de 2020

CABÍRIA

João Batista de Brito
Escritor e critico de cinema e literatura

Noites de Cabíria: Foto Giulietta Masina

Tenho contado histórias minhas, mas acho sadio abrir a porta para os outros. Esta quem me contou foi um amigo bem mais velho que eu, aliás, já falecido, Ademar, que foi, no Jaguaribe dos anos cinquenta, um dos boêmios mais conhecidos e divertidos do bairro

Naquela época eu era criança, mas, através de meus irmãos mais velhos, gostava de acompanhar – de longe, claro – as notícias das aventuras dessa rapaziada animada que, entre um trabalhinho e outro, vivia de cerveja, serenatas e outras peripécias. Amigo de meus irmãos, Ademar fez parte dessa turma que, com o passar dos anos, perdi de vista. Ele, inclusive. 

Muito adiante, já nos anos oitenta, num evento da API, eis que me deparo com Ademar, agora enrugado e grisalho. Eu, que dele não tinha notícias havia tanto tempo e que nunca o associei a nada que tivesse a ver com o âmbito cultural da cidade, fiquei surpreso em saber que me lia na imprensa. Contou-me também a emoção que sentiu ao descobrir que aquele crítico de cinema que mantinha coluna semanal em O Norte, e que ele tanto admirava, era o garotinho de Jaguaribe que vendia pão.

Após o evento, descemos para a orla e fomos ao restaurante Gambrinus festejar o reencontro, e foi então que ele me contou a história.

Ocorreu, segundo ele, num sábado qualquer de 1958. Ele e uns amigos marcaram de se encontrar no Ponto de Cem Réis para um programa improvisado. Bateram uns papos por ali, e logo que o sol se pôs, pensaram num cineminha. Depois só Deus sabia o que poderia vir provavelmente umas cervejas na Maciel Pinheiro.

Como os cartazes do Plaza e Rex não prometessem, desceram para o Brasil, aliás, cinema mais barato. O filme do dia era italiano, e não acharam isso muito animador, mas entraram assim mesmo.

Era sobre a vida de uma pobre prostituta e, de fato, no começo pareceu chato, sem graça, ganhando resmungos e vaias da plateia, quase toda composta de homens. Um dos amigos até sugeriu que saíssem.

Pois, na medida em que o filme foi rolando, o personagem da infeliz prostituta, com seu heroísmo miúdo e sua bravata ingênua, foi ganhando vulto e sentido para ele.

Contou-me Ademar que, da metade do filme em diante, embora seus amigos continuassem indiferentes e aborrecidos, ele já estava completamente tomado por Cabíria. De tal modo que, no desenlace, quando a pobre mulher sofre aquele golpe fatal, junto ao precipício escuro, ele quase não conteve as lágrimas. Ela arrastando-se no matagal feito um bicho ferido, implorando ao seu algoz pelo golpe de misericórdia (“mata-me, mata-me, mata-me”) e Ademar sufocado, quase sem fôlego. No final, quando Cabíria, rodeada pelos jovens que cantam e dançam na estrada, deixa transparecer aquele sorriso teimoso, feito de pura dor, ele, Ademar, correu para o banheiro, e, escondido de todos, simplesmente chorou. Baixinho, mas chorou.

Os amigos deram graças a Deus que “aquela merda” acabara, e ele, envergonhado, escondeu sua reação ao filme o quanto pôde.

Do cinema, desceram para a Maciel Pinheiro e, no Cabaré de Hosana, encheram a cara como faziam de costume. Já tarde da noite, deveriam escolher, cada um em sua vez, uma “menina” e se dirigir ao quarto que estivesse vago, poucos numa noite concorrida como aquela.

Ao chegar sua vez, Ademar, sem muita convicção, puxou pela mão umas das “meninas” disponíveis, mas, no quarto, a sós com ela, não sentiu nada. Olhava para aquela mocinha pobre, com certeza maltratada pela vida, e, não tinha jeito: via Cabíria. Deitaram-se e conversaram por algum tempo, ele perguntando e confirmando sua impressão de pobreza e sofrimento. Faxineira de profissão, a moça morava numa tapera nos arrabaldes, era mãe solteira de uma criança doente de um mal congênito grave, cujo tratamento médico ela pagava com os fins de semana em Hosana.

Ao sair, sem nada haver ocorrido entre os dois, ele beijou-a na testa e pagou o tempo que ela perdera com ele.

Achei sublime quando, naquela mesa do Gambrinus, Ademar findou seu relato confessando que, naquela noite num quarto sujo do Cabaré de Hosana, com todo vigor de seus vinte e um anos de idade, sentiu-se orgulhoso de haver brochado.

Ao nos despedirmos, não resisti: abracei-o e lhe beijei o rosto. Foi a última vez que vi Ademar. Foi, mas toda vez que revejo “Noites de Cabíria” (Fellini, 1957) me lembro dele... E também choro.

 


fonte: https://www.facebook.com/profile.php?id=1827430791