sábado, 19 de dezembro de 2020

CONVERSAS DE CINE ÉDEN (Minha primeira sessão de cinema)

   MEMÓRIA   

por Cleudimar Ferreira


Tudo parecia novo e festivo, mesmo que ainda não tivesse completado sequer a primeira quinzena de janeiro daquele ano. Porém em se tratando de fase de adaptação, já era o suficiente para recomeçar e fazer novas amizades, mesmo num cenário profuso que aquela rua do bispo me oferecia, muitas vezes estampada a olho nu, nas inúmeras imagens dos tantos garotos de comportamento urbano que a mim se dirigia, numa nítida tentativa de acercamento, procurando de imediato fazer novas amizades.

Até achava que alguns não mereciam confiança. Entretanto, mesmo retraído, acreditava que outros tinha boas intenções e que mesmo minha cultura sendo rural, ariscar uma aproximação com certos comportamentos urbanos era algo necessário e inevitável no decorrer do tempo. Não hesitei e o meu lado tímido, acanhado, deixei de lado. Não desmerecendo os demais, mas a primeira amizade pra valer naquela rua foi com o meu vizinho Ariosvaldo.

Valdo como era chamado por todos, era natural de Curais Novos, Rio Grande do Norte. Gostava de Música, Jovem GuardaCinema e Roberto. E foi através dele que eu entrei pela primeira vez em um cinema - no Cine Teatro Éden, principal cinema de Cajazeiras. Lembro sem nenhum broqueio que certa vez estávamos ouvindo na vitrola da casa dele, "O Inimitável”- LP recém-lançado pelo rei, que seu pai havia acabado de comprar na loja “Raio Discos”, quando ele perguntou se eu já tinha ido ao cinema. Curioso, respondi ao mesmo fazendo uma pergunta. O que é cinema? Ele olhou para mim, exibiu um ligeiro sorriso e não respondeu a minha curiosidade. Ora, eu um adolescente advindo de um ambiente rural, lá sabia o que era cinema.

Por entender que eu ainda não estava por inteiro adaptado às coisas boas da cidade, ele me convidou para no domingo a tarde ia ao Cine Éden assistir um filme, que segundo ele era um dos melhores em exibição no Éden. Aos domingos, à tarde, acontecia as matinês e sempre o cinema lotava. Um momento ideal para se trocar e vender revistas, conhecer outros garotos e garotas e fazer novas amizades. Era tudo que precisava para me adequar aos costumes da vida moderna na cidade e o cinema parecia ser o local favorito para se viver e conhecer as novidades do mundo.

Aproximei-me do meu pai e falei: Papai, eu vou ao cinema com Valdo e outros meninos e quero dinheiro para pagar a entrada. Meu pai virou repentinamente e foi logo perguntando o que era cinema e onde ficava essa coisa. Depois de tentar explicar, mesmo sem saber direito o que era, ele perguntou quanto era a entrada e mandou que eu pegasse o dinheiro na gaveta da bodega. Quando abri aquele dito compartimento, só havia as moedas de centavos. O grosso como se fala popularmente ele havia retirado e colocado debaixo do colchão da cama que ele dormia com minha mãe, justamente do lado onde ele dormia. 

Como a entrada era um cruzeiro e cinquenta centavos, tive que levar esse percentual em moedas de um centavos. Ao chegar à portaria do Cine Éden, a fila estava extensiva, mas em compensação estava andando, graças à agilidade da bilheteria. No momento da compra do ingresso, tirei as quinze moedas do bolço da calça coringa e coloquei no buraco da bilheteria e a mulher que vendia os ingressos olhou para mim e começou a contar as moedas. Quando recebi das mãos da bilheteira o ingresso, a minha ansiedade se misturou com a curiosidade de conhecer o que era o tal cinema que Valdo e aqueles garotos felizes naquela fila exibiam nos seus rostos.

Entrei naquele espaço cheio de cadeiras e um som ambiente tocando músicas da época. Fiquei encantado com o tamanho do ambiente, principalmente com aquele cortinado enorme na nossa frente. Era como se ali, estive escondido alguma coisa que nós não poderíamos ver por enquanto. Passado alguns minutos, senti quando de repente, as luzes começaram aos poucos se apagarem e juntos com elas vários toques diferenciados e sincronizados exauria um som forte no composto ambiente do Cine Éden. Essa reentre me fez ficar tenso, atento, colado na cadeira de madeira do auditório do cinema.

Tudo foi ficando escuro naquela sala de exibição e a espera do que ia acontecer, passou a ser o que eu mais tinha curiosidade. Após o cessar daqueles sinais sonora, eis que de repente um imenso retângulo luminoso, surgiu por traz da enorme cortina que aos poucos, devagarinho, começou a se abrir e exibir imagens que eu nunca havia visto. As imagens em preto e branco, intercaladas, passaram a mostrar fragmentos de filmes por um bom tempo e só parou quando a abertura da Fox surgiu rasgando a tela panorâmica do Cine Éden, com sua marca tridimensional e a belíssima peça sonora de fundo, marcando o inicio do filme em cartaz daquela matinê: “Meu Nome é Pecos” com Robert Woods. Um western italiano dirigido por Maurizio Lucidi em 1967 e um dos filmes mais importantes da carreira do ator Robert Woods.

Após passar duas horas nas dependências do Cine Éden, vi aquela sessão de cinema chagar ao fim e como princípio de tudo, o começo da minha paixão por cinema - bem praticada, vivida poeticamente a partir dos bons filmes que assisti e também com as boas amizades que fiz com parte dos trabalhadores das três salas de exibições que havia em Cajazeiras. A natureza simbiótica que senti quando estava com amigos à espera do inicio da minha primeira sessão de cinema, que eu não imaginava como seria, ficou marcada para sempre como o meu ápice de cinéfilo prematuro. E tudo começou no cinema mais popular que a cidade teve - o Cine Éden.


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quarta-feira, 9 de dezembro de 2020

Viuvez no Cangaço e Morte na Política.

por: João Filho De Paula Pessoa


imagem meramente ilustrativa. fonte Internet


Cajazeira era um homem de posses, seu pai era um rico fazendeiro de Poço Redondo/SE, tinham muitas terras e rebanhos, e por conta disto eram constantemente explorados e extorquidos pelas volantes, que lhe pilhavam dinheiro, bens e animais, sob o pretexto da campanha contra o cangaço. Ele era casado, na igreja e no “papel passado” com a jovem e bela Enedina
Certo dia de 1937, quando estava num bar, soube da aproximação de uma volante que se dirigia à sua procura para mais uma extorsão e numa atitude impulsiva e de revolta, pois já se encontrava saturado com aquela situação, se esquivou da iminente extorsão e seguiu sertão adentro a procura do Bando de Lampião para se refugiar, localizando-o e sendo aceito no Cangaço. 
Sua Esposa Enedina, logo após, foi ao encontro de seu marido, juntando-se à ele no cangaço, onde passaram a viver. Enedina era conhecida por sua simpatia e alegria e Cajazeira por sua valentia, educação e bons modos, sendo presenças agradáveis no cangaço. Em 1938, estavam acampados na Grota de Angico, junto com Lampião e bando, quando foram atacados pelas volantes. 
Na fuga, Enedina correu junto com Sila e Dulce, mas foi atingida por uma rajada de metralhadora na cabeça, que a esfacelou jorrando pedaços de miolos em suas companheiras ao lado, que seguiram em fuga. Enedina ficou caída e teve sua cabeça cortada e exposta juntamente com as cabeças de Lampião, Maria Bonita e mais oito cangaceiros, numa exposição macabra de onze cabeças decepadas. 
Cajazeira fugiu e sobreviveu, ficou foragido algum tempo, retornou à sua cidade e casou-se, novamente, com sua cunhada, irmã de Enedina, com quem se mudou para o Rio de Janeiro onde foi bem sucedido no trabalho no ramo da construção civil. Alguns anos depois, no início da década de 50, retornou à sua cidade natal de Poço Redondo/SE e retomou a administração das terras e negócios de seu pai, entrou na política, concorreu à prefeitura por duas vezes como Zé de Julião, se envolveu em brigas e disputas políticas e foi assassinado em 1961 por adversários políticos.

O jovem cangaceiro Cajazeira 

 



fonte
: No tempo de Lampião - Memória do Cangaço. 
https://www.facebook.com/groups/1693285910778043

terça-feira, 8 de dezembro de 2020

SOBRE LICA DANTAS, ESCREVEU ROSILDA CARTAXO

por: Rosilda Cartaxo


Seu nome representa uma legenda de dedicação, amor e carinho à causa dos pobres, desvalidos e desamparados. Era filha de Raimundo Dantas de Oliveira e Maria Dantas, nascida em São João do Rio do Peixe (a informação não diz a data).

Ainda jovem resolveu se mudar para Cajazeiras, levando duas sobrinhas para servir-lhe de companhia, morando em uma casa simples, incendiada alguns anos depois.

Toda a sua vida foi de sacrifício e abnegação. Fazia da dor do pobre sua própria dor. Era uma peregrina da paz até na maneira de trajar. Na rua, de vestes humildes (longas) era encontrada, de dia ou de noite, parecendo um anjo, percorrendo as ruas de Cajazeiras, de mãos estendidas implorando ao público ou conduzindo trouxas e bacias com auxílio conseguido para saciar a fome e amenizar o frio nas noites de inverno, daqueles que não tinham o que comer nem onde morar. Era o retrato vivo da ternura e da pureza.

Seu sonho era construir um abrigo para os pobres. Não conseguiu. Sua morte fez a pobreza de Cajazeiras chorar. Deve ter levado n'alma a tristeza de não ver o seu desejo realizado.

Dr. Otacílio Jurema, médico e humanitário da cidade, num rasgo de bondade, convidou-a para trabalhar no seu consultório, onde permaneceu por algum tempo.

A morte leva sem distinção as pessoas. Ela se foi, deixando a imagem de santa e um benemérito trabalho, hoje perpetuado na lembrança e na história de Cajazeiras.

Como reconhecimento, foi fundada em 12 de abril de 1959 (não se tem dados sobre o decreto), em sua homenagem, a Escolinha Profissional Lica Dantas reconhecida de utilidade pública. Até 19 de outubro de 1970 funcionou como Escola de Artesanato, inclusive datilografia. Dada a sua importância, a Escolinha Lica Dantas funcionou durante 11 anos, com diretorias compostas de homens probos que ocupavam cargos de representação social e política na cidade, cuja presidência, pela sequência, foi ocupada pelos comerciantes Donato Braga e Dirceu Marques Galvão; Prefeito Francisco Matias Rolim; empresário Raimundo Ferreira e Dr. Abidiel Rolim, odontólogo e político conceituado na região.

Naquela data - 19 de outubro de 1970 - a Escolinha passou a denominar-se Grupo Escolar Lica Dantas.

Pela sua luta, sua bondade, não poderia deixar de figurar no livro Mulheres do Oeste. Lica não só foi mulher, mais que isso, repito, foi santa, pois será que existe na face da terra perfeição maior que possa marcar a vida com tanta capacidade de amar?”


fonte: CARTAXO, Rosilda. lMulheres do Oeste, pp. 47/48, Halley S. A. Gráfica e Editora.