domingo, 12 de outubro de 2025

A antiga Cadeia de Cajazeiras também fazia parte da história da cidade.

porCleudimar Ferreira

Antiga Cadeia de Cajazeiras. Demolida, hoje no local é a Caixa Econômina Federal

O sentido de preservação pode estar condicionado a uma série de fatores. No meio desses, um, me parece sobrepor-se aos demais: é o que está ligado à formação do nosso caráter, percurso que se faz, onde os valores que adquirimos, vão sendo moldados conforme a influência cultural social que somos submetidos.

Só se preserva quem entende o valor sentimental, histórico, dos símbolos deixados pelos nossos antepassados. Muitos deles, representados pelos monumentos e fachadas que, envelhecidos, estacionados no tempo, são registros sólidos, ainda vivos, da nossa história e da vivência das sociedades em um determinado lugar.

A cidade de Cajazeiras, com mais de 162 anos, fincada no coração do sertão paraibano, não pode se dar ao luxo de ignorar o valor dos seus edifícios antigos, pois o pressuposto de preservação de seus habitantes está intrinsecamente conectado ao seu traço distintivo e à sua capacidade de reconhecer a própria história.

Fachadas remotamente imponentes e estruturas hoje silenciosas, como as do centro comercial e o entorno da Praça Nossa Senhora de Fátima, não são meros amontoados de tijolos envelhecidos; são as evidências sólidas e vivas de onde a cidade começou, de como as famílias sertanejas se estabeleceram e, do florescimento nas terras das cajazeiras, dos primeiros lampejos de sua cultura, sua arte e sua educação.   

Preservar esses prédios significa manter de pé os registros emocionais e arquitetônicos de uma sociedade que valoriza a luta e a conquista de seus antepassados. Se a atual geração demonstra desinteresse ou permite a demolição desses ícones, visando fagulhas econômicas e financeira, ela, na verdade, sinaliza uma falha no entendimento do seu próprio valor histórico, fragmentando a memória coletiva e rompendo o elo com as bases do seu desenvolvimento educacional e cultural.

A conservação desses monumentos se torna, portanto, um ato de caráter, uma afirmação pública de que a identidade cajazeirense é forte, respeita seu passado e garante que a história não se apague para as futuras gerações. É o que se espera, no mínimo, da sua população, sobre esta questão, principalmente dos que detém a posso desses equipamentos.

Porém, ao longo dos anos não só Cajazeiras, mas muitas cidades do interior paraibano, tem colocado em discussão o tema preservação como uma das prioridades das suas demandas, algumas com sucesso nas suas políticas preservacionistas, com avanços significativos, outras menos e, algumas com quase nada há demostrar.

Cajazeiras tem patinado por essa última frase. Ou seja, tem feito um chá-café nesse quesito, de difícil identificação no que foi preservado, já que alguns dos seus prédios antigos mantidos ainda em pé, passaram por modificação grotescas nas suas fachadas, fazendo o contrário de cidades como Pombal, que tem mantido suas velhas edificações em pé, a exemplo do antigo prédio da cadeia pública, originalmente preservado, tal como foi construído entre os anos de 1847 e 1848.

Em Pombal a longeva cadeia rompeu o tempo, tendo suas instalações totalmente mantidas sem a interferências de ajustes, adequações ou reformas que agredisse sua arquitetura primitiva, sendo transformada pelo poder público em um museu temático, com objetos que conta a história do seu povo. Uma confirmação que quando no poder público tem pessoas de caráter comprometida com a história dos que construíram a cidade, a memória do município estará sendo garantida para as futuraras gerações.

Cajazeiras nesse contexto, tem percorrido o caminho inverso, um tanto sinuoso ou não muito claro. A nossa antiga cadeia pública estrategicamente plantada no centro convergente da cidade, que se estivesse sido preservada, estaria hoje com mais de cem anos, foi demolida para dar lugar a agência da Caixa Econômica Federal.

O poder público, virtual dono do antigo imóvel, devia ter doado ao banco outros espaços públicos que havia no centro da cidade, mas preferiu sacrificar um prédio que, se não representava a beleza das energias positivas, também não trazia os aspectos negativos para Cajazeiras, pois no seu interior, fatos importantes da história sertaneja, acorreram e, por conta disso, a remota cadeia deveria ter sido contemplada com o referendo da preservação e não da demolição.

Para atiçar a indiferença na memória do atraso cajazeirense, basta lembrar que na antiga prisão demolida, algumas figuras ilustres no mundo fora da lei, que estiveram em conflito do a justiça, foram hóspede em alguns quartos da velha cadeia. O famoso Moreno, cabra de lampião, remanescente da chacina de Angico que de cabe a vida de Virgulino Ferreira da Silva, esteve preso por um mês em uma das suas celas. 

Essa afirmação não é ficção, o próprio cangaceiro Moreno, afirmou em depoimento a Tv e Jornal Diário do Nordeste, antes de morrer. Tem tudo gravado em áudio e vídeo e, em matéria inteira, completa, nas páginas desse importante diário cearense.

Outro fato, não tão registrado quanto o caso Moreno, mas que merece destaque pelas circunstâncias de como foi ocorrido, que colocou a velha prisão cajazeirense no foco da história de uma época de terror nos sertões paraibano, trata-se da prisão do cowboy-cangaceiro Chico Pereira. 

A história de fato e documental, conta que Chico foi preso pelo tenente Manoel Arruda na entrada do Cine Moderno em Cajazeiras. Horas depois, Chico Pereira foi recambiado para a cadeia pública de Pombal. Provavelmente, Chico, como medida de proteção, antes de ser levado para Pombal, deve ter ficado algumas horas detido em algumas das celas da velha prisão de Cajazeiras.

Esses fatos, fora outros que ocorreram que não convém mencionar nesse texto, já somaria e, era o suficiente para o poder público de nossa cidade, na época da decisão pela demolição da velha cadeia, ter repensado e preservado esse importante equipamento, símbolo de um passado da história do município de Cajazeiras.

A manutenção do prédio em pé, poderia servir como sede de um equipamento cultural, com a transformação de suas estruturas em lojinhas e oficinas de artesanato. O seu pátio podia ter sido convertido em um anfiteatro dotado de arquibancadas, palco e área de convívio social.

Mas não foi isso que aconteceu e prédio da velha cadeia, foi sumariamente demolido sem dó e piedade, para dar lugar a agência da Caixa Econômica Federal, que hoje, estuda meios de construir um novo prédio, por achar que o atual, que um dia a velha cadeia, não suporta a demanda de serviços prestados pelo banco.

Ou seja, a falta de senso e de planejamento adequado do poder público ao longo do tempo, para com os prédios, conjuntos de fachadas, ruas e artérias em Cajazeiras, que compõe o chamado sítio histórico da cidade, tem produzidos casos como esse da antiga cadeia, onde o prédio teve que ser demolido, para dar lugar um banco e agora, anos depois, o banco estuda meios de deixar o local onde foi o presídio, por achar que esse local não mais oferece condições de acomodar o volume de serviços do banco. 

Nesse caso, a história que no passado tinha ficado no prejuizo, continuará no prejuizo. E o pior, feriram do Código de Postura do Municipio, via Plano Diretor e, os sentimentos de uma parte da popolação da cidade, que defendo a preservação de sua história. Coisas que só existe em Cajazeiras.

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quarta-feira, 1 de outubro de 2025

Estrada das boiadas, dos cascos e cantigas: os primeiros heróis sertanejos

José de Andrade Alves Alves


imagem meramente ilustrativa criada via IA
 
Foram os vaqueiros os primeiros heróis dos sertões, aqueles que, sem mapas ou bússolas, rasgaram a vastidão do Nordeste com o olhar firme e os passos determinados. Antes mesmo da chegada dos grandes sesmeiros, eram eles os desbravadores, os verdadeiros colonos da terra selvagem, que se embrenhavam pelas matas densas e desconhecidas, muitas vezes sem farinha para o pão, sem sal para temperar a escassa comida do dia. Cada refeição era uma conquista, cada abrigo improvisado, um ato de coragem.

Aprenderam com os índios a arte de sobreviver. Das raízes, do mel e dos frutos nativos, tiravam alimento e remédio; da mata, tiravam força e esperança. Cada árvore, cada riacho, cada pedra do chão carregava um ensinamento, uma lição de resistência. Era um mundo bruto e generoso ao mesmo tempo, e o vaqueiro sabia que para domá-lo era preciso respeitá-lo.

Com o tempo, as matas foram ficando para trás. Os vaqueiros tomaram as estradas, transformando-as em caminhos vivos, pulsantes. Tangiam rebanhos que pareciam rios de pelos e cascos, e a poeira levantada pelos animais misturava-se à luz dourada do sol. As feiras de gado se anunciavam por toda a região: Piauí, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte. A terra inteira tremia sob os cascos dos bois e das mulas, enquanto os gritos estridentes dos vaqueiros atravessavam vales e serras, anunciando sua passagem.

O som dos cascos não era apenas barulho: era história escrita no chão. Em Triunfo, uma antiga fazenda, chamada Gamelas, mudou de nome diante do tropel constante: tornou-se Fazenda Picadas. Cada pisada profunda deixava sua marca, cada passo do gado picava a terra com força e persistência, imprimindo ao solo e à memória coletiva o ritmo de uma vida de trabalho, suor e coragem.

Mas os vaqueiros não tangiam apenas bois. Tangiam também sentimentos: saudade, amor, lembranças de casa e de pessoas queridas. E para aliviar o peso do caminho, surgiam as cantigas, essas melodias simples, mas carregadas de emoção, que atravessavam sertões, rios e serras, ecoando como testemunho de vidas em movimento.

A Estrada das Boiadas era mais que um caminho; era artéria viva que ligava o Oeste das Espinharas à Ribeira de Santa Rosa, seguia até Milagres, Taperoá, descia pela Borborema, alcançava Patos, Pombal, Sousa, São João do Rio do Peixe, o Sítio Dois Irmãos, Tabuleiro Grande, Cajuí, Fazenda Boa Vista, Umari, Icó, Tauá, Crateús, Santo Antônio do Campo Maior, Valença, Oeiras, São João do Piauí, Picos, São Gonçalo do Amarante… e ainda parecia não ter fim. Cada parada marcava um ponto de memória, cada amanhecer era um desafio, cada entardecer, uma vitória silenciosa.

E no meio desses caminhos longos, ecoava uma cantiga antiga, levada de boca em boca, lembrança de amores e afetos:

Como Xiquinha não tem / Como Totonha não há.
Xiquinha de Campo Grande / Totonha do Lagamar.
Xiquinha vale dez filhos / Totonha vale dez avós.
Xiquinha do Cococi / Totonha do Arneiros.
Xiquinha pra querer bem / Totonha pra acarinhar.
Xiquinha é de Crateús / Totonha é de Tauá.
Xiquinha vale uma vila / Totonha vale ela só.
Xiquinha nasceu nos Picos / Totonha em Campo Maior.

Entre o ferro do gado e a suavidade das canções, os vaqueiros escreviam sua história silenciosa. Cada tropeiro, cada passo de boi, cada canto ao luar era um fio entrelaçado na memória do sertão. Eram homens e mulheres anônimos que, com coragem, construíram caminhos e histórias, deixando para trás pegadas profundas na terra e no coração das gerações futuras.

Eles não foram apenas trabalhadores; foram poetas, desbravadores, cronistas de uma terra dura, mas cheia de beleza e vida. Onde hoje há estradas asfaltadas e cidades em expansão, outrora ecoavam apenas os gritos, os mugidos, o trote firme dos cascos e a música simples e doce das cantigas sertanejas.

E assim, os vaqueiros, primeiros heróis dos sertões, permanecem eternos, como se cada passo deixasse um rastro de coragem, poesia e saudade no chão nordestino.


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fonte: argumento e roteiro José de Andrade Alves Alves

quarta-feira, 24 de setembro de 2025

VI Cine Açude Grande - Filmes Selecionados

O VI Cine Açude Grande anuncia os selecionados para as mostras competitivas!
Este ano a nossa curadoria teve muito trabalho, a quantidade de filmes mais que dobrou em comparação aos anos anteriores, demonstrando que a produção de filmes no nosso país anda num excelente momento. Agora, após cuidadosa análise, podemos compartilhar os filmes que farão parte da nossa programação neste ano de 2025.
Este ano temos várias novidades com mostras diversificadas que vão espalhar o que tem sido produzido no audiovisual em vários pontos da cidade.
As novidades não param por aqui. Continue nos acompanhando para saber tudo que vai rolar esse ano.
Marquem na agenda: o evento acontecerá nos dias 30 e 31 de outubro e 01 de novembro de 2025. Não percam a oportunidade de celebrar o cinema paraibano e nacional

Projeto aprovado pelo edital Valdimir Carvalho de Fomento a Mostras e Festivais da Secretaria de Cultura do Estado da Paraíba. Uma realização da Estrela Miúda Filmes e Incartaz, com apoio do CCBNB, UFCG, Secretaria de Cultura da Prefeitura Municipal de Cajazeiras. CLIQUE NAS IMAGENS PARA AMPLIÁ-LAS. 

      


 

sábado, 20 de setembro de 2025

AULAS PARTICULARES

João Batista de Brito


Estudante do Liceu Paraibano nos anos cinquenta, ele era um bom aluno, mas estava em maus lençóis em uma das disciplinas: Francês. Sua vocação para línguas estrangeiras era nula e o professor, um chato de galochas, era exigente.

Sem ver outra saída, pediu aos pais o luxo de uma professora particular. E conseguiu. Duas vezes na semana ia à casa dessa senhora de meia idade, que lecionava na Aliança Francesa, mas, eventualmente, dava aulas privadas, em sua residência, para alunos em dificuldade escolar.

Se estava fazendo progresso não sabia, mas que estava deslumbrado, estava. Não com as aulas, mas com a professora, a mulher mais bela em que já pusera seus olhos adolescentes.
Nas aulas, naturalmente sentavam juntos, bem pertinho, os dois a sós numa das salas da casa, lendo o mesmo livro, a mesma página; ele, sentindo o perfume de seu corpo, absorvendo o seu hálito quente, os braços, ou os joelhos, acidentalmente se tocando.

Era tanta emoção que dificultava o aprendizado. Quando, para demonstrar a difícil pronúncia das vogais francesas, a professora o fitava de frente, bem de perto, e fazia aquele biquinho típico dos francófonos, seus lábios se fechando num círculo, como se fosse beijá-lo, ele delirava de excitação. Ela, com seu biquinho sensual, exemplificando a pronúncia com formas verbais como “je veux, tu veux”, e ele colocando, nessas formas verbais, objetos diretos imaginários.

Que estava aprendendo um pouco da língua de Balzac, estava, porém, o esforço era grande para não perder o juízo por uma mulher mais velha. Na escola, na rua, em casa, a imagem da professora particular não lhe saía da cabeça, dia e noite, noite e dia. E essa imagem – como não? - passou a intrometer-se nos seus prazeres solitários. Antes, esses prazeres eram habitados pelas fêmeas das telas, Sofia Loren, Brigitte Bardot, Anita Ekbert... Agora, era a professora que reinava.

Um dia, conheceu o marido da professora, que voltou do trabalho mais cedo, e os dois foram apresentados. E ficou espantado com o contraste: como é que uma mulher perfeita como aquela, podia ter casado com homem tão feio? Calvo, sobrancelhas grossas, narinas arregaçadas, barrigudo, quase sem pescoço... E, claro, a feiura do marido acentuava a beleza da esposa.

Estava nessas cogitações quando ficou sabendo que o casal tinha uma filha, que, por sinal, também estudava no Liceu, pela manhã. Animou-se com a notícia e decidiu que procuraria a moça, que devia ser, com certeza, tão formosa quanto a mãe, ou mais. Era sua chance de desviar o seu desejo, da mãe para a filha.

Apelando para a moça não já ter namorado, foi ao Colégio no turno da manhã, hora de recreio, e procurou-a nos corredores. Indaga daqui, indaga dali, finalmente a viu e...

Um segundo susto: ao invés da beleza da mãe, a moça tinhas as mesmas sobrancelhas grossas do pai, as mesmas narinas arregaçadas, a mesma feiura. De todo jeito, apresentou-se como aluno particular da mãe, e, sem convicção, iniciaram uma conversa casual. A moça – tudo indicava – gostou daquele aluno particular da mãe, rapaz vistoso, mas ele, nem pensar.
Por fim, um mês e meio passado, chegou-se ao término das aulas particulares. Da professora despediu-se com um “au revoir” engasgado.

No Colégio, foi aprovado em francês com uma nota razoável, que compensou as despesas dos pais. Mas aí, fez à família imediatamente outro pedido: queria prosseguir com os estudos do francês, e gostaria de matricular-se na Aliança Francesa, ali na Lagoa.

Quando, na secretaria da Aliança, ficou sabendo que a sua professora só lecionava nas turmas de nível elevado, desistiu da matrícula. Desistiu, mas aos pais não devolveu o dinheiro, e, fingindo que ia às aulas, passava um pedaço das tardes, na calçada da Lagoa, sentado num banco, melancólico, vigiando a saída dos professores da Aliança. Vê-la de longe já compensaria.

Um dia, foi notado por uma garota que ia passando e que o conhecia do Liceu, onde também estudava. A garota era simpática e tinha um sorriso agradável. Conversaram e ficaram sabendo que moravam no mesmo bairro. Ao invés de tomar ônibus, decidiram ir pra casa caminhando. Marcaram pra se ver outro dia. E se viram. Um outro dia foram ao cinema, e, por sorte, não era um filme francês.

Durante a sessão, ele segurou a mão da garota e, para sua surpresa, experimentou um certo arrepio. Não deu outra: no seu próximo prazer solitário, a professora de francês cedeu lugar à garota da Lagoa.

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quinta-feira, 11 de setembro de 2025

CONVERSAS DE CINE ÉDEN. Em cartaz no Cine Moderno: A fita que Chico Pereira não viu

Cleudimar Ferreira

Três Versões fotográficas de Chico Pereira. Imagens da internet

Houve um tempo, na história nordestina, que o cinema passou como um filme na vida de alguns fora-da-lei. Por esse sereno fotograma de ilusões, a única certeza que se tem, é que um certo Virgulino se deixou filmar por Benjamin Abrahão e, pretensiosamente fascinado pela lente imaginária da câmera do libanês, sonhou em conhecer uma sala de exibição, mas isso não aconteceu. 

Somente na ficção de Lírio Ferreira, certo lampião aceso permitiu que um suposto capitão, que andava como visagem - fazendo assombro pelas banda do Velho Chico, aproveitando-se de um perfumado aroma vindo das caatingas sertanejas, aparecesse atraído por uma breve parafernália de equipamentos eletrônicos no ateliê do adido libanês.

Virando essa página, revela-se adiantada na luneta do tempo, a cidade de Capela, no Estado de Sergipe. Lá, há um assustado modo de viver o passado, onde o povo dorme e acorda construindo um culto imaginário, que tem Virgulino Ferreira como protagonista, por ter ele participado de uma avant-première, cujo filme da sessão exibida no remoto cinema local, teria sido ‘O Anjo das Ruas’, de Frank Borzage, sem muita credencial ou rubrica dos estudiosos do cangaço.

É provável que tenham ocorridos casos de vontades e tentativas de alguns desses bandoleiros de conhecer essa magia, como foi o caso do fugitivo Chico Pereira, em 1928, no Cine Moderno, em Cajazeiras. Um controverso encontro cheio de versões e permissões abstratas, pois, segundo falácias românticas, Chico já era quase uma eminência parda; figurinha carimbada dos cajazeirenses; um queridinho de parte da população.

Talvez, Chico Pereira já tivesse entrado outras vezes no interior do Cine Moderno e visto Gary Cooper, James Stewart ou George O'Brien incorporando Tom Mix - a estrela dos faroestes estadunidense, durante as projeções de seu João Bichara. Portanto, quem sabe não tenha vindo do cinema a sua adesão ao figurino dos cowboys americanos e não pela sertaneja indumentária, grife do cangaço.  

Se já conhecia o Cine Moderno, ainda não há fontes consistentes que afirme que sim. O certo é que dessa vez Chico Pereira não entrou, mas quase entrava. Como diz no popular: ficou com uma perna dentro e a outra fora, o suficiente para ser pego e preso pelo tenente Manoel Arruda com apoio dos soldados que o acompanhava. Nesse dia, quatro anos depois da invasão a Sousa, Chico Pereira, em fuga pelas cidades do sertão da Paraíba, veio à Cajazeiras para participar das festividades alusiva a padroeira da cidade, mas o seu propósito era se esquivar da ação da polícia paraibana.

O próprio Manoel Arruda, narrou como foi o prematuro aborto cênico que Chico sofreu na entrada do Cine Moderno em Cajazeiras. Conta o tenente Arruda, que estava passeando pelas ruas de Cajazeiras, quando resolveu parar no bar de Manoel Nóbrega que ficava colado com o cinema de João Bichara. Momentos depois, chegou o delegado Antônio Salgado e avisou que Chico estava na cidade, na igreja.

Em seguida, com a saída do delegado, resolveu se levantar da cadeira, quando de repente viu o foragido de braço dado com uma bela jovem de 15 anos, uma mocinha desavisada. Segundo Manoel Arruda, Chico ia com a moça, subindo a calçada para entrar no Cine Moderno. Eu me encaminhei, dei a mão a ele e disse: - Como vai Chico Pereira? Ele respondeu - Como vai o senhor? 

Conforme afirmou o tenente Manoel Arruda, ele ficou pegado na mão de Chico e disse em seguida: - Você agora tá preso, por ordem do Chefe de Polícia. Ele perguntou: Quem é o senhor? Replicou o policial: - tenente Arruda. No seu depoimento, Manoel Arruda, afirmou que foi logo em seguida puxando o revólver e, adiantou que nesse momento, a mocinha que estava com Chico, vendo aquela situação, correu desesperada sem direção, tomando um rumo incerto, desaparecendo em minutos pela Rua Nova, conhecida hoje como Avenida Presidente João Pessoa.

Provavelmente, nesse distante dia do ano de 1928, o filme que estava em cartaz no Cine Moderno e, que Chico Pereira e a sua mocinha desavisada viria no cinema de João Bechara, se era uma produção nacional, talvez fosse ‘Amor que Redime’ de Eugênio Kerrigan, com Rina Lara e Ivo Morgova ou ‘Brasa Dormida’ dirigido por Humberto Mouro. 

Se era uma produção estrangeira, pode ser que tenha sido: um desses filmes: ‘O Circo’ de Charles Chaplin; ‘Paixão de Joana D’Arc’, de Carl Dreyer; ou ‘Alta Traição’ de Ernst Lubitsch, indicado na categoria de melhor filme no Oscar de 1930. Essas películas sugeridas, fitas que Chico Pereira não viu, eram naquele momento de 1928, as principais lideranças em exibições nas melhores e nas rudimentares salas de exibições espalhadas pelas cidades mais distantes do país. 

Nesse contexto, o cinema se firmava em Cajazeiras, impulsionado pelos melhoramentos das atividades na cidade, destacados principalmente pela troca dos improvisados espaços de exibições que, segundo a oralidade, chegaram a ser instalados em tendas nos dias de feira livre. O Cine Moderno se tornou dos anos 20, até o advento do Cine Éden em 1936, a principal sala de exibição de Cajazeiras, sendo, no tempo em que existiu, tão popular quanto foi o Cine Éden, passando a ser o principal cinema dos cajazeirenses. 

No seu espaço exibidor, recebia todo tipo de frequentador, de pessoas importantes a outras menos importantes. Acolhia nas suas sessões visitantes que chegavam à cidade. Alguns já conhecidos, vinham a negócios. Também, atraídos pelas suas imagens, forasteiros e desconhecidos em conflito com a lei, como foi o caso do místico de cowboys com cangaceiro, chamado Chico Pereira.

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Referencias: 

domingo, 7 de setembro de 2025

Simplesmente, Marcélia Cartaxo!

Linaldo Guedes

foto: Henrique-Mello SP / Escola de Teatro

Uma cidade se faz com sua história, é verdade. Mas sem a arte e a cultura, fica faltando alguma coisa naquela história. Uma vez o mestre Gonzaga Rodrigues escreveu uma crônica onde pontuava que a vocação da Paraíba não era a agricultura, não era a indústria ou o comércio, e sim a cultura e o talento de sua gente. Se tal assertiva não se aplicar a Paraíba como um todo, dadas as peculiaridades de cada município, em Cajazeiras é um fato que deve ser sempre valorizado. Nossos artistas, poetas e escritores têm feito mais pela cidade que muitos políticos. Poderia citar vários exemplos para corroborar essa tese, mas por hora fico com o nome de Marcélia Cartaxo.

Natural de Cajazeiras, Marcélia surgiu para o estrelato com o filme “A hora da estrela”, de Susana Amaral, que ganhou o Urso de Prata de melhor atriz no Festival de Cinema de Berlim em 1986. O filme é baseado na obra de Clarice Lispector e Marcélia interpreta uma Macabéa única: uma alagoana pobre de 19 anos que possui um corpo franzino e só come cachorro-quente.

Marcélia é muito grata a Susana Amaral. Afinal, a atriz paraibana começou em teatro muito cedo, com 12 anos de idade. Teve, então, a oportunidade de estar com uma peça em São Paulo e encontrou a cineasta Susana Amaral realizando o seu primeiro longa. “Fui para o teste e tive a honra de viver a Macabéa, que me levou para vivenciar o audiovisual brasileiro”, costuma falar.

Lembro que depois do sucesso internacional de “A hora da estrela”, em 1985, Marcélia Cartaxo atuou em novelas na televisão brasileira, mas em papeis insignificantes diante da grandeza da atriz.

Dúvida? Confere só alguns dos prêmios dela no cinema: melhor atriz no festival de cinema de Brasília em 1985, melhor atriz coadjuvante no festival de cinema de Brasília em 1987, melhor atriz coadjuvante no festival de cinema de Brasília em 1995, melhor atriz no Grande Prêmio do Cinema Brasileiro em 2003, mesmo ano que ganharia o prêmio de melhor atriz no Prêmio Guarani de Cinema Brasileiro, no Cine PE e no festival de Curitiba. Tem mais! Melhor atriz ou atriz coadjuvante em 2014, 2015, 2019, 2021, 2022 e 2025 em diversos festivais espalhados pelo Brasil e pelo mundo.

Recentemente, recebeu o troféu Oscarito no Festival de Gramado (RS), honraria entregue a grandes intérpretes do cinema brasileiro. Mas, antes, a atriz cajazeirense eternizou suas mãos e assinatura na calçada da fama. “Essa profissão me preenche”, disse em entrevista pouco antes da homenagem. E preenche todos nós, espectadores e admiradores do talento de Marcélia Cartaxo, seja no Cinema ou no Teatro. Evoé!

Em tempo: No próximo dia 12, o Cine Açude Grande apresenta a Mostra Marcélia Cartaxo, no cinema do Centro Cultural Zé do Norte, em Cajazeiras. Serão exibidos filmes de cineastas como Veruza Guedes, Laércio Ferreira, Marlon Meireles e da própria Marcélia Cartaxo, em parceria com Gisela Bezerra. Além de “Pacarrete”, de Alalan Deberton, com Marcélia Cartaxo, filme que ganhou diversas premiações. A Mostra começa às 14h e é simplesmente imperdível!

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sexta-feira, 22 de agosto de 2025

TEMPO DE FESTA

Frutuoso Chaves


imagem ficcional, simbólica gerada por IA em homenagem aos 162 anos de Cajazeiras

Afinal, o 22 de agosto é dia do aniversário do Padre Rolim, ou da cidade? Não importa, porquanto Cajazeiras merece festa todo santo dia. Além do mais, há que se celebrar o êxito editorial da Arribaçã, dos Irmãos Guedes, como disso dá conta Linaldo, o mais novo deles (quero crer), ao divulgar, via Facebook, o invejável catálogo da sua editora, ela mesma, portanto, por justa razão, em clima festivo.

Um passeio rápido pela Wikipédia permite-nos a anotação das seguintes datas: em 29 de agosto de 1859, Cajazeiras torna-se distrito de Sousa pela Lei Provincial nº 5. Em 23 de novembro de 1863, é desmembrada e elevada à condição de Vila. Em 20 de junho de 1864, ali se instala o governo municipal. Em 10 de julho de 1876, é elevada à condição de cidade. O 22 de agosto, feriado municipal, assinala a data do desembarque do impressionante Padre Rolim neste mundão de Deus. A Wikipédia toma essas informações do historiador Deusdedith Leitão, como indica o verbete sobre Cajazeiras, “A Cidade que Ensinou a Paraíba a Ler”. Eis, a propósito, um emblema que enche de orgulho o peito de qualquer cajazeirense.

O topônimo advém da árvore cujo fruto contribui para exaltar os sabores e aromas do Nordeste brasileiro. Abundantes no sítio onde o povoado começou a se formar, na segunda metade do Século 18, as cajazeiras incorporaram-se, definitivamente, à existência de um dos mais destacados núcleos populacionais da Paraíba.

Os primeiros desbravadores chegaram ao local atraídos pela fama aurífera dos Sertões. Em fevereiro de 1767, o pernambucano Luiz Gomes de Albuquerque obtinha do governador Jerônimo José de Melo a sesmaria que tomou o nº 63 e onde passou a criar gado, lavoura, família e raízes.

Ana, a filha, casou-se com Vital Rolim, união da qual nasceria, em 1800, o menino Inácio, o futuro padre a quem Cajazeiras deve o lema que a consagra como berço paraibano da educação e da cultura. Trata-se de título oriundo da tradição de abrigar colégios de renome em todo o Nordeste. Dali sairiam personagens de importância nos meios políticos e jurídicos.

É o caso de nomes como o do historiador e deputado provincial Irineu Joffily e os dos desembargadores Peregrino de Araújo e José Manoel de Freitas. O primeiro foi governador da Paraíba e deputado pelo Rio Grande do Norte. O segundo chegou a presidir as Províncias do Piauí, Pernambuco e Maranhão.

Fortemente identificada com as manifestações culturais, Cajazeiras não se cansa de exibir os seus talentos. Inscrevem-se, entre eles, a atriz Marcélia Cartaxo, ganhadora do Prêmio “Urso de Prata” por sua atuação no filme “A Hora da Estrela”. Mas a dramaturgia e cinematografia nacionais ainda conheceriam e aclamariam outros cajazeirenses. Citem-se Soia Lira (Central do Brasil) e Sávio Rolim (Menino de Engenho). Há outros de igual quilate, entre os mais jovens, a serem citados.

As artes plásticas projetaram o escultor Modesto Maciel, conhecido em outros países, sobretudo na Itália, onde se especializou na restauração de imagens sacras. Pinturas de João Braz e seus temas para grandes eventos como o carnaval e as festas juninas são conhecidos, enquanto isso, em recantos diversos do Brasil.

E assim tem sido com Cajazeiras, sempre orgulhosa de suas origens, suas tradições e sua gente. A cidade é, hoje, um dos elos de ligação dos grandes centros regionais e polo comercial com um mercado consumidor de dezenas de milhares de pessoas. Parabéns, então, para Cajazeiras e sua Arribaçã.

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quarta-feira, 20 de agosto de 2025

Sala de cinema instalada em Cajazeiras tem nome da atriz Marcélia Cartaxo.

Cleudimar Ferreira


Cajazeiras tem na atividade de cinema uma história significativa, bem parecida com as das grandes cidades, onde as salas de exibições modificavam a paisagem urbana com suas mensagens publicitarias e merchandisings avivadas, coloridas, anunciando os filmes em cartaz.

Desde o libanês João Bichara até as últimas imagens exibidas no Cine Éden, antes do seu fechamento no final dos anos 80, Cajazeiras sempre foi destaque entre as principais cidade da região, por ter três cinemas em atividade e mais um clube de cinema – o Cineclube Wladimir Carvalho, por sinal, um dos primeiros a ser criado e consequentemente, um dos mais atuante na Paraíba dos anos 70.

Esse legado não tinha sido o bastante até aqui, para sensibilizar o poder público, da necessidade de se manter essa hegemonia, trazendo de volta a cidade, pelo menos uma sala de exibição, com uma programação diária, como era no passado e como tem acontecido nos últimos anos, em algumas cidades, onde há prefeitos em sintonia com a cultura dos seus municípios.

O projeto de transformação do Centro Cultural Zé do Norte em cinema, passou a ser a esperança da volta da tradição dos cinemas de ruas a cidade, mas passou a ser também motivo de expectativa de como seria essa nova sala de exibição, tão bem desenhado no projeto gráfico, mostrado nas redes sociais. Agora, com mais de um ano de trabalho no local, a propagada reforma anunciada na administração que passou, chegou ao fim na gestão atual, coberta de expectativa pela classe artística local.

Com a entrega das reformas, segunda-feira (18) passada, percebeu-se que a tão sala de exibição esperada, é apenas um espaço multiuso, que mais parece um miniauditório adaptado para palestras, uma estrutura com praticavél e fundo adaptada para receber imagens projetadas por projetores datashows, cujas imagens são limitadas e a resolução também. Ou seja, com aspectos estéticos bem diferente de uma sala de exibição convencional, regular, distante das verdadeiras salas, com suas telas panorâmicas, como apresentava no passado os três principais cinemas que havia em Cajazeiras.

Mas, tudo bem. Já é um grande passo para ter no futuro, quem sabe, um grande cinema na cidade. Cajazeiras está se tornando uma metrópole, tem arranha-céus por todos os lados, os shoppings centers estão chagando; quem sabe aparece um empresário com interesse em instalar salas de cinema na cidade! Portanto, vamos esperar. Quanto a equipamento inaugurado, melhor assim do que não ter nada. É mais um espaço que pode ser usado para locações de um cineclube; para pequenos ensaios de peças de teatro e exibições de filmes educativos, institucionais, sem necessariamente ter a qualidade das imagens que o cinemão oferece. 

Já falei em outros escritos que publique, que Cajazeiras com terra da cultura; que já redeu mais de seis atores para o estrelato no cinema brasileiro e na dramaturgia, não merece viver de minúsculos espaços multifuncionais. Pela sua grandeza como polo produtor de cultura precisa ser maior, ser destaque na Paraíba, por construir espaços consideráveis que chame a atenção, tal qual tem sido as produções e os feitas da sua classe artística no cenário nacional.   

O novo Centro Cultural Zé do Norte que agora vai será chamado Cine Centro Cultural Zé Norte, foi completamente reformado, ampliado e transformado em sala de cinema também. A entrega aconteceu as 16h30, com a presença de membros da cultural e das artes da cidade cajazeirense.

Além de mais um equipamento de cultura, o novo Cine Centro Cultural Zé do Norte, será um espaço de uso para os artistas da terra, que tem enfrentado dificuldades para realização de ensaios e exposições dos seus trabalhos, muitas vezes tendo que dividir seus espaços de ensaios no Teatro Ica com artistas de outras regiões circunvizinhas a Cajazeiras.

Com o miniteatro reformado, os artistas agora poderão usufruir do espaço para pautas puramente locais, dentro de um cronograma estabelecido pela própria secretaria de cultura do município que ficará à frente da gestão. A sala de cinema tem uma média de 58 assentos e recebeu o nome da atriz cajazeirense Marcélia Cartaxo.


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fonte: Prefeitura Municipal de Cajazeiras. https://www.cajazeiras.pb.gov.br/informa/2619/cine-centro-cultural-z-norte-inaugurado-com-sala-d

De Macabéa a Pacarrete: homenagem a Marcélia Cartaxo no 53º Festival de Gramado

Bertrand Lira 


A imagem de Marcélia mais vaga que me vem à mente é a da garota franzina, branquinha e olhar curioso, à janela da sua casa, na parte mais elevada da rua Higino Rolim, próxima do açude, o nosso mar, em Cajazeiras, Sertão da Paraíba. Além dos banhos dominicais, era o Açude Grande a nossa escola de natação. A menina Marcélia com olhos prenhes de desejos sonhava com a relativa liberdade que nos era concedida por nossos pais. Sua carta de alforria veio a conta-gotas, quando começou a brincar de “drama” no quintal do vizinho Eliezer Rolim. 

Fazia parte da trupe infantil, além do próprio Eliezer Rolim, mentor da artimanha, Soia, Nanego e Paula Lira (meus irmãos), Suedi, Lincoln, as irmãs Wilma e Wildenir Albuquerque, os irmãos Lucilda, Luciene, e Leidson Feitosa, entre outras crianças das ruas próximas. O grupo de teatro, que foi de início batizado de Mickey, fazia pequenas apresentações no formato de esquetes, primeiro na rua Higino Rolim e depois em escolas e noutros espaços da cidade. Com o “amadurecimento” dos seus integrantes (da infância à adolescência), passou a se chamar Grupo Terra de Teatro, criando textos com temas mais adultos.

Beiço de Estrada, a segunda montagem do grupo nessa nova fase – a primeira foi Os pirralhos – traz Marcélia como Véu de Noiva, a menina tímida e ingênua, reservada para o casamento pela mãe, dona de um cabaré, e fugir do destino de se tornar prostituta como as demais irmãs. Com Os pirralhos o grupo participou de circuitos estaduais de teatro na Paraíba a partir de uma visita à Cajazeiras, do ator, também paraibano, Luiz Carlos Vasconcelos, que se encantou com a maturidade artística dos “meninos”. A hora da estrela de Marcélia aconteceu com Beiço de Estrada.

Foi em 1984, pelas mãos de Luiz Carlos, que o grupo chegou ao Circuito Mambembão de Teatro encantando e comovendo o Sudeste e Sul do país. Numa das apresentações, a então aspirante à diretora Susana Amaral estava na plateia e ficou fascinada com a atuação de Marcélia. A personagem Véu de Noiva tinha muito da desafortunada Macabéa de A Hora da Estrela, do romance de Clarice Lispector. Ficou o convite para um teste que aconteceria um ano depois. Lá vai a menina tímida e assustada para o estrelato. O orçamento para o longa era tão pequeno que Marcélia penou dois dias de viagem de ônibus de Cajazeiras a São Paulo, quase uma travessia pelo país. Os testes antecederam imediatamente as filmagens.

Marcélia Cartaxo virou Macabéa, Macabéa virou Marcélia. Impossível não ver o rosto de Marcélia ao ler as desventuras da protagonista na obra-prima de Clarice Lispector. Vieram as aclamações nos festivais de cinema de Brasília (1985) e Berlim (1986). Marcélia se torna a primeira brasileira a trazer o troféu de Melhor Atriz (aqui, o Urso de Prata) de um grande festival estrangeiro. Acompanhei toda essa trajetória de Marcélia até os dias atuais, vibrando com suas conquistas e solidário aos seus infortúnios. Foram anos no Rio de Janeiro, sozinha e muitas vezes esquecida, com grandes dificuldades para sobreviver, aceitando papeis ínfimos em novelas, muito abaixo do seu grande talento. 

Vivíamos numa época em que para a atriz e o ator era uma condição essencial viver no Sudeste do país, se quisessem um lugar ao sol. Nas últimas duas décadas, os atores e atrizes paraibanos mais requisitados para a televisão e o cinema não precisam mais deixar sua terra. E Marcélia se beneficiou dessa mudança: se estabeleceu na cidade que ama ao lado da família e amigos.

O filme Pacarrete (2019), de Allan Deberton, traz Marcélia no papel da protagonista que dá nome ao filme e tem Soia Lira como Maria, sua empregada doméstica. Coincidentemente, Deberton terminou por “documentar” um retrato da relação das duas atrizes na vida real. Entre tapas e beijos, Soia e Marcélia são amigas de infância e chegam à maturidade, também artística, juntas, com amor e respeito, numa relação sempre conflituosa que amiúde nos provoca risos, não só no filme Pacarrete, mas também na vida. Marcélia recebeu o prêmio de Melhor atriz por encarnar Pacarrete e Soia o de Melhor Atriz Coadjuvante pela personagem Maria no 49º Festival de Cinema de Gramado de 2019.

Para quem acreditava que Marcélia Cartaxo estaria colada eternamente à ingênua Macabéa, sua maior performance como atriz até então, percebeu que o talento de cajazeirense é muito maior do que interpretar uma personagem com um physique de rôle semelhante ao seu e com uma história que tem muita coisa em comum com a sofrida jornada de Macabéa. A Pacarrete de Deberton veio provar que Marcélia é uma gigante ao encarnar uma bailarina idosa lutando pelo direito de levar a sua arte ao público de sua cidade natal. Marcélia agora não é apenas Macabéa, é também Pacarrete eternizadas pelo poder mágico do cinema.

Bertrand Lira é cineasta e professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação da UFPB/Campus I

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sábado, 16 de agosto de 2025

Troféu Oscarito Para Marcélia Cartaxo


foto: Henrique-Mello SP / Escola de Teatro

A atriz cajazeirense Marcélia Cartaxo será homenageada na 53ª edição do Festival de Cinema de Gramado, um dos eventos mais importantes e prestigiados do audiovisual brasileiro. Marcélia, receberá o Troféu Oscarito, dedicado a grandes atores e atrizes nacionais. A cerimônia de entrega da homenagem está marcada para o dia 19 de agosto, uma terça-feira, na cidade de Gramado, no Rio Grande do Sul.

Com mais de 40 anos de carreira, a atriz se destacou no cinema nacional com atuações marcantes e premiadas. Ela ganhou projeção internacional em 1985, por sua atuação no filme “A Hora da Estrela”, adaptação da obra de Clarice Lispector, que lhe rendeu o Urso de Prata de Melhor Atriz no Festival de Berlim. Ao longo da carreira, também participou de importantes produções como “Madame Satã”, “O Céu de Suely” e “Pacarrete”.

Criado em 1990, o Troféu Oscarito é uma das principais homenagens concedidas pelo Festival de Gramado. O prêmio celebra grandes nomes da atuação no cinema brasileiro e já foi entregue a artistas como Fernanda Montenegro, Zezé Motta, Tarcísio Meira, Matheus Nachtergaele, Laura Cardoso, Fernanda Montenegro, Lázaro Ramos, Marcos Palmeira, entre outros.

O Festival de Cinema de Gramado será realizado entre os dias 15 e 23 de agosto, reunindo profissionais do setor, críticos e amantes da sétima arte para uma programação dedicada ao cinema brasileiro e latino-americano.

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Material Divulgado em No Mundo do Turismo

ENTRE O ABISMO E A CARNE

Francc Neto


O que emerge nessas imagens não é apenas forma, cor ou matéria: é o rumor de uma ontologia própria, uma poética que se constrói como quem descobre o subterrâneo da existência. A série parece nascer de um lugar onde o grotesco e o sublime não se repelem, mas se enlaçam em tensão vital - a ferida que se abre é também claridade.

Há aqui um jogo contínuo entre peso e leveza, concreto e sombra, vermelho e silêncio. O vermelho não é cor, é pulsação: arde, sangra, denuncia o instante em que a arte se aproxima da carne. O branco não é neutralidade: é vigília, é o campo onde se gravam os choques, onde o excesso encontra seu repouso provisório. Entre os dois, insinuam-se restos de metálico, de ossatura, de rosa cansada - como se tudo fosse testemunho de um corpo maior, um corpo-mundo que resiste à decomposição.

Ontologicamente, essas obras não buscam representar, mas instaurar. São acontecimentos mais que imagens, são estados de ser. Cada peça carrega uma lembrança fossilizada, mas também um grito contemporâneo. Há nelas uma arqueologia do presente: resíduos, fraturas, concreções que nos fazem pensar naquilo que permanece mesmo quando tudo parece se desfazer.

O grotesco que atravessa a série não é niilista; é um grotesco fecundo, que descobre beleza nas ruínas. Essa estranheza não repele - seduz. O olhar é capturado, não pelo conforto, mas pelo desconforto que revela, pelo excesso que nos obriga a pensar: o que somos diante do que resiste em nós e fora de nós?

Entre o Abismo e a Carne propõe, assim, não uma narrativa, mas uma condição: a de permanecer diante do irrepresentável, de suportar o peso do indizível e ainda assim extrair dele poesia. É um convite à vigília estética, à experiência radical de olhar e deixar-se olhar pelo que excede o humano, mas só se manifesta no humano.


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Observação: os direitos exclusivos sobre essas imagens são do autor Francc Neto, autor desse postagem