quinta-feira, 11 de setembro de 2025

CONVERSAS DE CINE ÉDEN. Em cartaz no Cine Moderno: A fita que Chico Pereira não viu

Cleudimar Ferreira

Três Versões fotográficas de Chico Pereira. Imagens da internet

Houve um tempo, na história nordestina, que o cinema passou como um filme na vida de alguns fora-da-lei. Por esse sereno fotograma de ilusões, a única certeza que se tem, é que um certo Virgulino se deixou filmar por Benjamin Abrahão e, pretensiosamente fascinado pela lente imaginária da câmera do libanês, sonhou em conhecer uma sala de exibição, mas isso não aconteceu. 

Somente na ficção de Lírio Ferreira, certo lampião aceso permitiu que um suposto capitão, que andava como visagem - fazendo assombro pelas banda do Velho Chico, aproveitando-se de um perfumado aroma vindo das caatingas sertanejas, aparecesse atraído por uma breve parafernália de equipamentos eletrônicos no ateliê do adido libanês.

Virando essa página, revela-se adiantada na luneta do tempo, a cidade de Capela, no Estado de Sergipe. Lá, há um assustado modo de viver o passado, onde o povo dorme e acorda construindo um culto imaginário, que tem Virgulino Ferreira como protagonista, por ter ele participado de uma avant-première, cujo filme da sessão exibida no remoto cinema local, teria sido ‘O Anjo das Ruas’, de Frank Borzage, sem muita credencial ou rubrica dos estudiosos do cangaço.

É provável que tenham ocorridos casos de vontades e tentativas de alguns desses bandoleiros de conhecer essa magia, como foi o caso do fugitivo Chico Pereira, em 1928, no Cine Moderno, em Cajazeiras. Um controverso encontro cheio de versões e permissões abstratas, pois, segundo falácias românticas, Chico já era quase uma eminência parda; figurinha carimbada dos cajazeirenses; um queridinho de parte da população.

Talvez, Chico Pereira já tivesse entrado outras vezes no interior do Cine Moderno e visto Gary Cooper, James Stewart ou George O'Brien incorporando Tom Mix - a estrela dos faroestes estadunidense, durante as projeções de seu João Bichara. Portanto, quem sabe não tenha vindo do cinema a sua adesão ao figurino dos cowboys americanos e não pela sertaneja indumentária, grife do cangaço.  

Se já conhecia o Cine Moderno, ainda não há fontes consistentes que afirme que sim. O certo é que dessa vez Chico Pereira não entrou, mas quase entrava. Como diz no popular: ficou com uma perna dentro e a outra fora, o suficiente para ser pego e preso pelo tenente Manoel Arruda com apoio dos soldados que o acompanhava. Nesse dia, quatro anos depois da invasão a Sousa, Chico Pereira, em fuga pelas cidades do sertão da Paraíba, veio à Cajazeiras para participar das festividades alusiva a padroeira da cidade, mas o seu propósito era se esquivar da ação da polícia paraibana.

O próprio Manoel Arruda, narrou como foi o prematuro aborto cênico que Chico sofreu na entrada do Cine Moderno em Cajazeiras. Conta o tenente Arruda, que estava passeando pelas ruas de Cajazeiras, quando resolveu parar no bar de Manoel Nóbrega que ficava colado com o cinema de João Bichara. Momentos depois, chegou o delegado Antônio Salgado e avisou que Chico estava na cidade, na igreja.

Em seguida, com a saída do delegado, resolveu se levantar da cadeira, quando de repente viu o foragido de braço dado com uma bela jovem de 15 anos, uma mocinha desavisada. Segundo Manoel Arruda, Chico ia com a moça, subindo a calçada para entrar no Cine Moderno. Eu me encaminhei, dei a mão a ele e disse: - Como vai Chico Pereira? Ele respondeu - Como vai o senhor? 

Conforme afirmou o tenente Manoel Arruda, ele ficou pegado na mão de Chico e disse em seguida: - Você agora tá preso, por ordem do Chefe de Polícia. Ele perguntou: Quem é o senhor? Replicou o policial: - tenente Arruda. No seu depoimento, Manoel Arruda, afirmou que foi logo em seguida puxando o revólver e, adiantou que nesse momento, a mocinha que estava com Chico, vendo aquela situação, correu desesperada sem direção, tomando um rumo incerto, desaparecendo em minutos pela Rua Nova, conhecida hoje como Avenida Presidente João Pessoa.

Provavelmente, nesse distante dia do ano de 1928, o filme que estava em cartaz no Cine Moderno e, que Chico Pereira e a sua mocinha desavisada viria no cinema de João Bechara, se era uma produção nacional, talvez fosse ‘Amor que Redime’ de Eugênio Kerrigan, com Rina Lara e Ivo Morgova ou ‘Brasa Dormida’ dirigido por Humberto Mouro. 

Se era uma produção estrangeira, pode ser que tenha sido: um desses filmes: ‘O Circo’ de Charles Chaplin; ‘Paixão de Joana D’Arc’, de Carl Dreyer; ou ‘Alta Traição’ de Ernst Lubitsch, indicado na categoria de melhor filme no Oscar de 1930. Essas películas sugeridas, fitas que Chico Pereira não viu, eram naquele momento de 1928, as principais lideranças em exibições nas melhores e nas rudimentares salas de exibições espalhadas pelas cidades mais distantes do país. 

Nesse contexto, o cinema se firmava em Cajazeiras, impulsionado pelos melhoramentos das atividades na cidade, destacados principalmente pela troca dos improvisados espaços de exibições que, segundo a oralidade, chegaram a ser instalados em tendas nos dias de feira livre. O Cine Moderno se tornou dos anos 20, até o advento do Cine Éden em 1936, a principal sala de exibição de Cajazeiras, sendo, no tempo em que existiu, tão popular quanto foi o Cine Éden, passando a ser o principal cinema dos cajazeirenses. 

No seu espaço exibidor, recebia todo tipo de frequentador, de pessoas importantes a outras menos importantes. Acolhia nas suas sessões visitantes que chegavam à cidade. Alguns já conhecidos, vinham a negócios. Também, atraídos pelas suas imagens, forasteiros e desconhecidos em conflito com a lei, como foi o caso do místico de cowboys com cangaceiro, chamado Chico Pereira.

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