quinta-feira, 6 de abril de 2023

JOANA DOS SANTOS - A VIVANDEIRA

 por Rui Leitão

Capa do livro/romance. Piancó, provavelmente no tempo da coluna Prestes.

Joana dos Santos, personagem que dá título ao romance editado em 1995, escrito por Ivan Bichara, paraibano nascido em Cajazeiras, é protagonista de uma história vivida à época em que a Coluna Prestes percorreu durante dois anos (1925-1927) em torno de vinte e cinco mil quilômetros no território nacional. A narrativa do romance se inicia quando a Marcha da Coluna passa pelo Maranhão, em deslocamento, para alcançar o Rio São Francisco, tendo como acontecimento principal o massacre ocorrido na Vila do Piancó, no sertão paraibano.

A principal personagem do romance de Ivan Bichara era, segundo o narrador, uma jovem “alta, corada, facilmente destacada de outras mulheres da Coluna, cabelos cor de mel, presos por um laço vermelho, todo esse conjunto fazia de Joana um monumento de beleza, de graça feminina no meio daquela confusão de corpos fatigados pela luta contra as emboscadas, agora mais frequentes nas passagens dos “rebeldes” pelo interior do Nordeste”.

Os leitores se deparam com o despertar de uma paixão alucinante, nascida num ambiente de tensão e medo, após a jovem experimentar o doloroso sentimento da perda de seu pai adotivo, morto de forma violenta e injustificada, por uma patrulha da polícia do Maranhão que procurava o esconderijo do capitão Luís Carlos Prestes. Joana dos Santos era filha biológica de uma estrangeira com um indígena e teria sido adotada por um casal de negros, ainda bebê. Ao encontrar proteção dos “revolucionários”, apaixona-se, repentinamente, por um deles, o ex-seminarista Augusto Passos, a quem entrega sua virgindade. A partir de então, se desenrola uma história que prende a atenção dos que leem o romance. Decide, juntamente com a mãe, tornarem-se “vivandeiras”, como eram chamadas as mulheres que integravam a Coluna Prestes, acompanhando aquele por quem se enamorara, e que receberia a incumbência de entrar em Piancó para tentar convencer o padre Aristides a deixar os revoltosos entrarem em paz na cidade.

Os acontecimentos históricos em que se viu envolvida mudaram os rumos de sua vida e a forma de encará-la. Se antes de ingressar na Coluna era uma adolescente recatada e adequada aos padrões culturais da época e da região em que nascera, se viu num ambiente totalmente diferente ao que conhecera até então, convivendo com coronéis, rebeldes e cangaceiros. Principalmente, pelo fato de passar a pertencer a um grupo muito mal visto pela população do Nordeste, pelas informações de que por onde andavam praticavam roubos, estupros e assassinatos. Os sofrimentos experimentados nessa etapa da vida, a tornaram uma mulher muito madura para a sua idade.

O acontecimento ocorrido em Piancó causou revolta na opinião pública do Brasil, em razão da violência desproporcional com que os rebeldes da Coluna Prestes reagiram ao movimento de defesa da cidade, assassinando, friamente, o Padre Aristides que liderava a tentativa mal sucedida de proteger a comuna, e todos os que o acompanharam nessa empreitada. Promoveram uma verdadeira carnificina.

Joana dos Santos foi encontrada, desacordada, por dois homens, nas cercanias da cidade de Piancó, sendo acolhida na fazenda de uma família que tinha sido atacada por um bando de cangaceiros. Ali fez amizade com Marta, outra personagem feminina do romance, de quem se tornara confidente, compartilhando dos traumas por ela vividos decorrentes da violência sexual que sofrera quando do ataque dos cangaceiros.

Na família da qual recebeu amparo, conheceu o filho de Marta, José, com quem teve um relacionamento afetivo, depois de tomar conhecimento de que Augusto, seu ex-noivo, a havia abandonado, indo morar com a dona de um prostíbulo de nome Antônia. Porém, em um bilhete que lhe enviou, comunica que estaria voltando para o Maranhão: “Não podia ficar, meu amigo. Devo aos meus pais de criação, o dever de tomar posse da terra que me deixaram. Sei que você compreende isso. De São Luiz, vou escrever para Dona Marta. Adeus José. Sua JOANA DOS SANTOS”.

A personagem do romance de Ivan Bichara, após vivenciar experiências estranhas ao universo feminino do seu tempo, resolve retornar às suas origens e recomeçar uma nova história, decidida em se reencontrar na terra em que nasceu. Destemida, se dispõe, afinal, a ser dona do seu próprio destino. 



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fonte: Jornal A União

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