domingo, 29 de março de 2020

UM CONTO DE RÉIS DE GORJETA

Francisco Alexandre Gomes
[In memoriam] 


homenagem a seu Assis das Candinhas um dos barbeiros 
mais antigos de Cajazeiras

Na Praça Coração de Jesus, que ainda hoje em Cajazeiras é conhecida como Praça dos Carros, tinha meu pai, em prédio do Dr. José Marques, um salão de barbeiro. Com ele trabalhavam Cícero Camucega e Amâncio Lopes, e era o salão o ponto de encontro dos motoristas da praça e toda a cambada que gostava de piadas e fofocas. Era o salão, antes de tudo, uma escola de humor sadio e autenticamente sertanejo, daí o seu prestígio como ponto de reunião da cidade.  À frente do prédio e sob a acolhedora sombra do frondoso figo-benjamim, meu pai colocava, religiosamente, todos os dias um grande banco de madeiras, que servia de lugar de assento aos fregueses e frequentadores da barbearia. As primeiras horas do dia começavam morosamente a chegar os amigos, humoristas natos e fregueses do meu genitor e dos outros oficiais barbeiros. Entre as inúmeras figuras conceituadas e folclóricas que acorriam ao salão do “Seu Mané”, lembro-me muito bem do Cícero Lavor, que botava apelidos sui generis e curiosíssimos ricos da terra e do Zé Pita. Ah! Pita Velho, poeta, boêmio e compositor original. Todo o dia lá aparecia cantando com a língua trôpega pelo álcool o sambinha de sua autoria e predileção, cujas palavras da letra ele pronunciava assim: “Eu que-que-ro cu-cu-mer, cumer me-me-lan-lan-cia melancia, eu que-quero quero dar, dar-te, u-ma uma fo-fo-fotografia, o meu ca-ca-caráter é do ho-ho-homem, eu que-que-que-quero cu-cu-cu-mer cu-mer me-me-na-lan-cia melancia. Era uma dificuldade!

Mas a história, propriamente dita, que lhes conto hoje do salão do meu pai aconteceu com meu velho e querido amigo Amâncio. Ele fora antes agricultor. Viveu quase a vida inteira num pé de serra e com não sabia ler nem escrever falava errado que era uma “beleza”. Mas isso não era problema para o estimado personagem principal desta narrativa. Podiam sentar-se em sua cadeira de barbeiro, bispo, vigário e doutor que ele não se encabulava, pelo contrario puxava conversa. Só não gostava de falar de politica porque misturava tudo, mas de agricultura, inverno bom e mulheres era com ele mesmo.

Certa feita, um freguês de meu pai, que trabalhava no banco, encontrando o velho ocupado com outro freguês, foi cortar cabelo e a barba com Amâncio. Como já afirmei, o Amâncio gostava muito de conversar com os fregueses enquanto lhes cortava cabelo e barba, mas acontece que naquele dia ele estava atentando a um casmurro e sujeito que tinha verdadeiro pavor de quem falava errado o português. Entretanto, o nosso fígaro não sabia desse particular do tal bancário e enquanto o atendia tome conversa, conversa e conversa. O cara, apesar da navalha na garganta já estava para explodir. Não estava suportando tanta conversa fiada e tantos erros grosseiros de português. Diabo de barbeiro mais tagarela para agradá-lo não se importava de assassinar em sua presença a mais pura Flor do Lácio. Para completar a indignação do bancário o nosso bom barbeiro ao terminar o serviço perguntou-lhe: “Voimicê qué aico, taico ou que qui mui?”. Aí o freguês danou-se: “Se o Senhor pronunciar pelo menos uma palavra certa, eu lhe dou um conto de réis de gorjeta”. Mas o Fígaro não entendendo o que ele havia dito, indagou-lhe: “Cuma foi qui voimicê dixe?”. E o bancário: “Nada, não Senhor. A conta”.

Como eu estava por perto, meu pai, quando o freguês saiu, virou-se para Amâncio e disse: “Se fosse Barberim tinha ganhado essa gorgetona” ao que respondeu-lhe tranquilamente; o Amâncio: “Voimicê, Mané, só diz isso pruque seu fio estuda no suminaro”.




Fonte: Jornal A União
Credito da imagem: TV Diário

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