quinta-feira, 28 de dezembro de 2017

O ENCONTRO

Cleudimar Ferreira



Em umas das sextas-feiras de dois mil e nove, despendia as horas no Ponto de Cem Reis - centro de João Pessoa, olhando curiosamente naquela tarde de céu azul; naquele espaço público; marcado por jogadores de dama em ação; e assim, esperando o tempo passar e os ponteiros do relógio marcar dezoito e trinta, número simbólico do permissivo horário determinado pelo meu subconsciente, que seria o ponto da minha partida a pé, até o destino final - à Escola Santos Dumont, situada na colina fria que acenava para a Ilha do Bispo e o Cemitério Senhor da Boa Sentença. Cidade baixa, região do Varadouro.
É... Tudo transcorria bem e jogo também, quando aquele objeto móvel fez barulho em minha bolsa. Abri o zíper, apertei a tecla e escutei a mensagem: “Cleudimar, não haverá aula hoje na escola. Uma pane elétrica provocada por um objeto metálico jogado no registro provocou um apagão”. Dizia assim Aldafran, gestora daquela unidade escolar. Fiquei aliviado, pois era de praxe fazer sempre esse percurso a pé, todas sextas-feiras, a contragosto das pernas, só pela necessidade de economizar uns trocados do transporte coletivo, que quase sempre não dava para chegar ao final do mês.
Decerto que a minha sina naquela sexta não era mais a sala de aula daquela escola; aproveitei a oportunidade para mudar o meu programa naquela noite. Defini que o meu ponto final seria o Teatro Santa Rosa para ver Fernando Teixeira em “Esparrela”, que segundo o próprio ator era um texto simbolicamente filho de outro monólogo “um tomate esmagado por um carro”, também de sua autoria. Como o Ponto de Cem Reis era poucos minutos daquela casa de espetáculo e sendo aficionado pelo jogo de dama, deixei aproximar às vinte horas, que era o tempo previsto do início de “Esparrela”.
Quando vi que as luzes acesas da cidade já não mais clareavam como a luz daquele fim de tarde, olhei para o meu “technos”, e vi que às horas tinha passado despercebida, e no tic-tac da máquina, estava faltando pouco menos de trinta minutos para as vinte. Naquele instante, deixei aquele lugar e apressado me desloquei ao Teatro Santa Rosa pela Rua Pelegrino de Carvalho - parte que antigamente se chamava “Beco da Misericórdia”. Quando me aproximei da Igreja da Misericórdia, e já imaginava o tamanho da fila que me esperava, ouvi uma voz sussurrante chamar: “Cleudimar”. O som era como se alguém estivesse próximo de mim. Imediatamente, olhei para trás e não vi ninguém além dos jogadores lá na praça e de alguns garis que recolhia entulhos das portas das lojas, bem mais distante já próximo ao Paraíba Palace Hotel.
Achei algo estranho naquilo que meus ouvidos me denunciavam. Apresei mais o passo e pela Rua Pelegrino de Carvalho o meu caminho tracejei. Em um instante, pude perceber que a ausência de pessoas na área era total. Quando em passos largos chegava à esquina da Biblioteca do Estado, iniciei o cruzamento da Rua General Osório; olhei a direita e nesse instante um senhor que vinha em minha direção, perguntou: “Tá apressado? ” Sem dar muita importância ao desconhecido, diminui as passadas e perfilhando para aquele senhor, respondi: “Não! O velho que não parou e nem diminui um só instante a sua forma de andar; em cima da hora respondeu: “Não precisa ter presa, pois o seu tempo vai chegar e o que ti espera, não vai sair de lá”.
Vendo que o misterioso velho queria conversa; parei, iniciei um sorriso, virei o pescoço e perguntei: “por que o senhor está dizendo isso? E assim, aquele senhor que já deixava o cruzamento da Rua Pelegrino de Carvalho e se deslocava ao Grupo Escolar Cilaio Ribeiro, assim me deu a resposta: “não precisa ter presa, você vai chegar e ele estará te esperando”. Meio encabulado, achando tudo aquilo muito estranho, não dei mais importância ao que o velho havia me respondido, e assim segui. Olhei para frente e continuei no meu caminho, porém curioso e pensativo com as palavras que acabara de ouvir. Imediatamente voltei a olhar para trás para observar melhor aquele senhor. Porém, qual foi a minha surpresa; o ancião havia desaparecido repentinamente.
Parei, olhei melhor em direção à esquerda e a direita da Rua General Osório e nada daquele ascético senhor, avistei. Assustado com o que acabara de passar; o medo imediatamente se apoderou do meu coração, que já pulsava com rebeldia em frequência evolutiva. Sim, o medo tomou conta de mim e os pelos dos braços se verticalizaram. Imediatamente, iniciei uma carreira em disparada pelo trecho em ladeira da Rua Pelegrino de Carvalho. A velocidade que imprimi para fugir daquele inesperado momento foi tão grande que não conseguia sentir onde estava pisando. E assim, cheguei a Praça Pedro Américo em meio a prostitutas e pretendentes que me olhavam confusos e curiosos.


2 comentários:

BENTO JÚNIOR disse...

Conheço Cleudimar Ferreira desde à década de 80, movido pelo movimento teatral paraibano e mais precisamente por sermos amigos do Curso de Educação Artística da UFPB, no ano de 1985. Aprendi a gostar deste cabra desde a primeira vez, vencido pela sua personalidade forte e verdadeira de um nordestino que não precisa de documento para comprovar a sua idoneidade, e sim, a palavra por si só basta. Um conto espetacular que li de cabo a rabo e noto em cada escrita do amigo, que além de um grande poeta, o Cleudimar é um grande contista. Crônicas de um dia mal assombrado. Aquele abraço e feliz 2018.

Francisco Cleudimar F. de Lira disse...

Valeu bentinho. Você foi... e tem sido o meu professor. Um abraço amigo e feliz 2018.