quarta-feira, 7 de setembro de 2016

As Aventuras do "Capitão Brechó"

Postamos o último conto da série   "Capitão Brechó",  de autoria de Francisco Alexandre Gomes, publicado no Jornal A União, entre os anos de 1981 e 82.



Nasceu com um tiro de bacamarte
Francisco Alexandre Gomes

No comentário anterior, afirmei que por causa de um desejo da mulher, que estava gestante, o “Capitão” fora obrigado a roubar tripas e bucho de boio da casa do vigário de São João do Rio do Peixe, caindo em águas de bacalhau, como, certamente, diria um bom lusitano de Lisboa. Mas acontece que, apesar do vexame, da humilhação e da vergonha que sofrera, o nosso herói evitou realmente que a mulher perdesse o filho. Isso aconteceu exatamente no mês de agosto do ano de 1877. E, como reza a cartilha popular, agosto é mês de vexame e de desgosto. Cinco meses depois do acontecimento já narrado, encontrava-se o “Capitão” muito preocupado. Preocupadíssimo seria o termo apropriado. A mulher, Dona Honorina, há três dias sofria as dores do parto. Entrara em trabalho de parto, mas a criança não nascia. Não nascia mesmo apesar de todos os esforços já empreendidos pelo parteira, Dona Joaquina, cachimbeira de fama regional. E o “Capitão” abobalhado olhava o infinito procurando Deus e a Ele pedindo o nascimento do filho, em prece silenciosa. Era homem que não se amofinava com pouca coisa, mas estava como um tresloucado morrendo em holocausto por um filho que o fizera ladrão de tripas. Antes e vir ao mundo.

Andava de um lado ao outro do alpendre pitando o seu cigarro de palha de milho. De vez em quando ia a camarinha procurar saber da parteira como estava a patroa. Queria saber se estava perto. A resposta da assistente era a mesma: tudo pronto para o nascimento, mas o rebento não vinha. Voltava ao alpendre ou ao terreiro e ficava matutando como um bilé. Ora, pensava ele, Sinhá Joaquina era a melhor parteira da região e já havia pegado mais de cinquenta meninos. Sabia todos os remédios caseiros para ocasiões como, aquela. Sabia, melhor do que ninguém, fazer massagens no ventre da parturiente com uma papa de cebola branca, alho e mel de fumo de rolo. Essas massagens eram infalíveis.

O “Capitão” já não sabia mais o que fazer. De repente, porém, teve uma ideia: Ora, se uma mulher aborta com um susto, com um susto grande pregado à patroa o caso seria certamente resolvido. Assim pensando, o “Capitão” deu de garras no velho bacamarte. Carregou-o com um tiro de festim, usando uma boa quantidade de pólvora para isso. Ninguém presenciou o carregamento da arma e ninguém iria imaginar que o “Capitão” fizesse uma traquinagem dessa. Disparar um tiro de bacamarte dentro de sua própria casa. Mas ele estava cheio de fé que aquele seria o remédio. Era tiro e queda. Assim fez. Disparou a arma na sala que ficava ao lado do quarto onde estava a mulher. O rito foi tão grande que abalou as paredes e ecoou nas quebradas da serra.

Dona Joaquina ouvindo o disparo correu a sala tão apressadamente que escorregou numa espiga de milho, caindo sentada, e tendo o vestido levantado até a cintura, e mostrando suas partes íntimas. Isso num abrir e fechar de olhos, pois imediatamente a mulher levantou-se. Recompondo-se disse ao “Capitão”: viu minha ligeireza? Ao que ele, ouvindo o choro do filho que nascia, respondeu-lhe: “Cri Jisus”, Sinhá Joaquina, vi mais num sabia que tinha esse apelido, não. A parteira não entendeu o repente e ambos se dirigiram ao quarto para cuidar da parturiente e do filho do trovão que anunciava a sua chegada.





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