Francc Neto
Dizer “ESPERANÇA ESTÁ MORTA” não
soa, aqui, como provocação nem como frase de impacto. Soa como um
reconhecimento tardio, quase cansado, de algo que já vinha se esgarçando. Do
mesmo modo que, quando Friedrich Nietzsche afirmou que Deus estava morto, ele
não anunciou um acontecimento pontual, mas nomeou um estado de coisas: um mundo
que continuava funcionando com categorias cujo fundamento já havia ruído. A
esperança, hoje, ocupa um lugar análogo. Ela ainda circula, ainda é evocada,
mas perdeu densidade ontológica. Funciona mais como retórica de sobrevivência
do que como força real.
É nesse ponto que Albert Camus
se torna decisivo. Em O Mito de Sísifo, Camus parte de uma constatação simples
e devastadora: o mundo não responde. Não responde às perguntas últimas, não
responde ao sofrimento, não responde à exigência humana de sentido. A
esperança, quando aparece, surge como tentativa de fechar esse silêncio com uma
promessa - religiosa, metafísica ou histórica. Camus chama isso de “suicídio
filosófico”: não matar o corpo, mas matar a lucidez. É por isso que ele recusa
a esperança como saída. Não porque defenda o desespero, mas porque recusa a
mentira.
A vida, em Camus, não se
justifica por um amanhã melhor. Ela se sustenta na permanência do conflito.
Viver é aceitar que não há garantia, e ainda assim continuar. Quando ele
escreve que é preciso imaginar Sísifo feliz, não está propondo um consolo
poético, mas uma ética dura: a felicidade possível é aquela que nasce da
consciência plena da repetição, da queda inevitável da pedra, da ausência de
redenção. Não há progresso, não há acúmulo, não há saldo final. Há apenas o
gesto reiterado, assumido sem ilusão. A esperança, nesse cenário, não apenas
morreu - ela se tornou desnecessária.
Walter Benjamin, por outro lado,
não abandona a palavra “esperança” com a mesma secura. Ele a desloca até quase
torná-la impronunciável. Nas Teses Sobre o Conceito de História, Benjamin
escreve contra a ideia de progresso com uma violência rara. O futuro, quando
elevado a promessa, não salva: ele absolve a catástrofe. Cada passo dado em
nome do “avanço” deixa atrás de si uma pilha de ruínas. A história, vista do
ponto de vista dos vencedores, transforma o desastre em etapa necessária. É
contra isso que Benjamin pensa.
A imagem do Angelus Novus, de
Paul Klee, condensa essa posição. O anjo olha para trás e vê apenas destroços;
gostaria de deter-se, de recompor, de acordar os mortos. Mas uma tempestade - chamada progresso - a empurra para o futuro. Aqui, a esperança deixa de ser
promessa e se torna dívida. Não uma esperança para os vivos que aguardam
melhorias, mas uma esperança mínima, quase negativa, dirigida aos que já não
podem esperar. Benjamin chega a dizer que a esperança só nos é dada por causa
daqueles que não têm esperança. Não se trata de consolar, mas de não consentir
com o esquecimento.
Entre Camus e Benjamin, o ponto
de contato não é pequeno. Ambos rejeitam a esperança como anestesia histórica.
Ambos recusam a ideia de que o tempo, por si só, redime. A diferença está no
gesto final. Camus permanece no presente, no corpo que age sem horizonte, numa
ética da permanência sem promessa. Benjamin, ao contrário, interrompe o
presente em nome do passado, exigindo que cada agora carregue consigo a
responsabilidade pelos vencidos.
Dizer hoje “esperança está
morta” pode soar, então, como um gesto duplo. Camus ouviria nisso a
possibilidade de uma vida mais honesta, menos dependente de ilusões futuras,
mais atenta ao peso real do existir. Benjamin ouviria a denúncia de uma
esperança fraudulenta - aquela que, ao prometer o amanhã, autoriza o massacre
de hoje. Em ambos os casos, não se trata de niilismo, mas de gravidade.
Talvez o ponto mais incômodo
seja este: quando a esperança morre, não ficamos livres. Ficamos responsáveis.
Sem Deus, sem progresso, sem promessa, resta o gesto nu - viver, lembrar, agir - sabendo que nada garante sentido a posteriori. Não há porto, não há mapa, não
há redenção. Apenas a travessia, carregando consigo, como peso e não como
consolo, aquilo que não pode mais ser salvo.
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