sábado, 16 de agosto de 2025
ENTRE O ABISMO E A CARNE
sexta-feira, 15 de agosto de 2025
ESCRITOR DE SEGUNDA UNIDADE
A expressão acima não existe.
Acabei de inventá-la, e o fiz em analogia ao cinema. A expressão
cinematográfica é “Diretor de Segunda Unidade”, que preciso explicar para
justificar o título e o conteúdo desta matéria.
Vá lendo, que chego lá.
Hoje nem tanto, porém, nos
velhos tempos da Hollywood clássica o “diretor de segunda unidade” era uma
figura menor, porém imprescindível na produção de um filme. Seu ofício era
filmar trechos considerados mecânicos, acessórios, pouco ou nada criativos, que
apenas servissem para amarrar o conjunto da história. Podia ser: um avião
levantando voo; a tomada geral de uma cidade; um céu nublado, indicando
chuva... Coisas assim.
Era muito comum em filmes de
ação, mais ainda se essa ação se estendesse a campos de batalha. Os combatentes
poderiam ser os índios e a cavalaria americana, ou os nazistas e os aliados, ou
os gregos e os troianos... Tanto fazia.
Vejam bem: mesmo com centenas
ou milhares de figurantes na frente da câmera, tais cenas, normalmente, não
eram filmadas pelo diretor principal – aquele cujo nome aparecia nos créditos
do filme. Não. Ficavam ao encargo do nosso diretor de segunda unidade.
Quantas cenas de batalha nos
filmes de Cecil B. DeMille, Raoul Walsh, Howard Hawks, Michael Curtiz ou mesmo
de John Ford, não foram rodadas na ausência deles, apenas vistas depois em
salas de montagem, onde eram “editadas” para caber bem no fluxo narrativo do
filme.
Um empregado da Companhia com
função bem particular, o diretor de segunda unidade não tinha direito a
crédito, e, em muitos casos, mal era conhecido do pessoal da produção. Até
porque as suas filmagens eram, muitas vezes, rodadas fora de Hollywood - e não
necessariamente ao mesmo tempo da produção.
Devidamente apresentado o
diretor de segunda unidade, vamos à questão: por que dei a esta matéria o
título de “escritor de segunda unidade”?
É que vivo sempre comparando
cinema e literatura, e fico me indagando como poderia ser útil, no âmbito
literário, um profissional desses, que ajudasse o romancista a não perder tempo
com trechos meramente informativos, ou, se fosse o caso, com longas descrições
de batalhas, pois ele mesmo as escreveria.
Convenhamos: todas aquelas
tediosas descrições de fachadas de casas antigas, ou mobiliários cheios de
detalhes inúteis, ou de paisagens intermináveis, teriam, se feitas por outrem,
facilitado a vida de – digamos, Tolstoi, Sthendal, Balzac, Melville, José de
Alencar, Victor Hugo, e até mesmo Proust.
Pois bem, se existisse mesmo
esse tipo de profissional no âmbito literário, acho que eu mesmo iria começar a
me programar para escrever um belo e longo romance. Já que não seria um romance
de guerra, o meu escritor de segunda unidade ficaria responsável pelas longas
descrições das paisagens, das fachadas de residências, e da rotina dos
personagens, coisas que me aborrecem só de pensar em fazer.
Aliás, para o meu escritor de
segunda unidade imagino um monte de funções com mais minúcias do que a do seu
colega cinematográfico. Por exemplo, arranjar um título para o romance a ser
escrito, como se sabe, coisa muitas vezes mais difícil do que escrever o
próprio romance. Inventar os nomes dos personagens também poderia ser muito
útil, nomes em que os futuros exegetas da obra pudessem descobrir relações com
a temática abordada.
Mas, um serviço adicional, com
direito a pagamento extra, que eu iria querer do meu escritor de segunda
unidade seria o seguinte: seria o de transmudar minhas pobres e insossas frases
prosaicas em construções metafóricas, cheias de belas imagens que dessem ao
texto alguma vitalidade, e se possível algum encanto.
O perigo seria, pronto o
livro, o meu escritor de segunda unidade reivindicar uma coautoria.
Ou, pior, a autoria completa.
Em tempo: como não pretendo escrever romances, estou aceitando o trabalho de um escritor de segunda unidade para melhorar minhas crônicas. Pago bem.
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