Mariana
Moreira
Por entre suas grossas paredes ainda ecoavam
gritos e risos infantis de crianças de outrora. Atrás de portas e cortinas se
encantavam suspiros e sonhos de sinhazinhas ingênuas esperando garbosos
cavalheiros. O piso de mosaicos coloridos revelava a posição social de seus
proprietários. Na sala de estar ainda pairava no ar sons de prosas,
gargalhadas, cheiros e névoas de cigarros desfiados de homens decidindo
negócios e sortes de gentes e bichos. Da cozinha, murmúrios de senhoras se
misturavam com temperos e lamentos femininos enquanto, de lampejo, uma preta
velha cruza a soleira com quitutes e rezas.
Sempre tive fascínio por casarões antigos.
Atraem-me suas rugas, dobras e histórias sutis que deslizam por reentrâncias e
silêncios como brisas suaves que enrodilham leves e secas folhagens de verão.
Causa-me deslumbramento a criatividade humana em adornar beirais,
frontispícios. Inebria-me grossas paredes e delicados traços. Causa-me forte
impressão a visão dessas construções. Invade-me sempre um sentimento de alguém
me espreitando por uma fresta de janela ou por entre trabalhadas treliças de
pesadas e maciças portas. Alguém a querer revelar-me segredos de camarinhas ou
segredar escândalos e desgraças familiares.
E o antigo casarão se apresentava imponente no
alto de uma suave colina. Pesados portões de ferro fundido adornavam sua
entrada. A sensação de abandono se expressava no mato que crescia abundante e
aleatoriamente por entre espaços que, outrora, abrigaram roseirais e pés
ligeiros de meninos em folguedos pueris. De uma velha árvore, bentevis e galos
de campina entoavam melodiosas canções de tristeza e saudades. A noite uma
tênue luz vazava por entre portas entreabertas revelando a presença de seu
derradeiro morador. Um homem pujante, de voz e gestos arrebatadores, que reunia
multidões na perseguição de uma esperança impossível em tempos onde esperar
representava perigo. Um homem que, em sua solidão de moribundo enfermo, recebia
o imaginário acalanto da mãe morta há anos. Uma mãe possível apenas em sonhos,
a lhe aninhar no colo e embalar o sono tumultuado pela enfermidade.
Mais tarde o velho casarão desabitado foi
criminosamente incendiado. As labaredas, com seus tentáculos poderosos e
avassaladores, faziam arder a madeira do teto, o antigo mobiliário, portas e
janelas. Entre nuvens de densa fumaça emergiam gritos e suspiros de ontens. No
rescaldo apenas tortas paredes enegrecidas pela fuligem. Em um canto qualquer
de uma sala uma velha fotografia chamuscada revelava olhos buliçosos como a
lacrimejar a desditosa sorte de quem, no passado, resumiu opulência.
E agora, a truculência da máquina reduz tudo ao
nada. Por trás dos robustos muros de tijolos batidos apenas terra aplainada
pela lâmina insensível de quem, diferente de mim, vê lucro e negócio onde vejo
beleza e história.
Do antigo casarão amareladas fotos e
redemoinhos de passados.
Ou, apenas distintas janelas da realidade.
Mariana Moreira é Professora
Universitária e Jornalista
Contato:
altopiranhas@uol.com.br
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