E o São João e as festas juninas? Estamos cada vez mais pertos desse momento festivo do povo nordestino. Lembro que já nesse mês de maio os preparativos; o estado de euforia; o clima festivo das pessoas; prenunciava como seria o colorido das festas juninas desse período do ano. No lugar onde nasci; onde vivi o vislumbre da minha infância, uma região modestamente acidentada, encantadora, cheia de relevos e elevados; baixios, rios e riachos, o período junino começava no finalzinho do mês de abril, com os moradores dos sítios e suas casas isoladas, fazendo as primeiras tarefas para viver em junho essa tradição popular.
De todas, a mais significativa - aquela que ficou para sempre na minha memória, era o jeito como as pessoas se dedicavam ao trabalho de concepção da fogueira junina. Um ritual quase sagrado de respeito a esse momento, pois seguia um curso involuntário que todos faziam como se fosse uma necessidade. A começar com a escolha da madeira (dos paus como chamavam) que seria queimada na véspera de São João. Nada era cortado ou blocado da pouca vegetação que havia no lugar. Mesmo quando chegava o mês de outubro, quando os agricultores começavam preparar suas terras para plantio, durante as primeiras chuvas de fevereiro do ano seguinte. Toda madeira era colhida na margem do rio.
Muitos escolhiam a parte da chamada a mata ciliar, ou seja, a que ficava próximo do rio e, durante o preparo do terreno agricultával, reaproveitava e cortava algumas árvores secas, muitas caídas pela erosão no solo. Porém, muitas dessas árvores ou morriam por conta do excesso de umidade da terra arenoso ou eram cortadas para fins domésticos, e as que restavam, era arrastava em direção a margem, fazendo uma espécie de parede com troncos, galhos, gravetos e folhagens. Esse procedimento era para proteger, fazendo sombra para a vegetação nativa que preservava a beira do rio.
Essa madeira descartada nas encostas do rio, quando das primeiras cheias do ano, era carregada pelas enchentes e ficavam presas na margem do rio quando as águas baixavam. Ou espalhadas nos baixios até onde as águas iam, durantes as inundações. Era nesse momento que todos passavam a procurar essa madeira como se procurava ouro, pois quanto mais grossa fosse os paus, mais duradouro seria o fogo e a fogueira. Tinha fogueira que durava até três dias. Essa lenha era trazida no lombo dos jumentos até os terreiros das casas onde era montada a queimada.
No dia e hora da queima, véspera do dia de São João, as famílias de reuniam ao redor das fogueiras, montava suas mezinhas cheias comidas típicas do mês, preparadas a partir do milho tirado das roças, colavam suas cadeiras e iam prosear, conversar e fazer suas simpatias. As crianças passavam a brincar com chuveirinho e traque de sala. Os homens nas beiradas dos terreiros soltavam seus foguetões, agradecendo a São João pela colheita farto do milho. Quando duas famílias se combinavam para serem compadre e comadre, o encontro aconteciam na beira da fogueira na residência de uma das duas.
A oração desse momento era mais ou menos assim: “São João disse e São Pedro confirmou, que você fosse meu compadre, por que São João mandou”. Essas palavras eram repetidas duas vezes pelas duas pessoas que queria ser compadre, uma do lado direito e a outra do lado esquerdo da fogueira, só que trocando de lugar, com as mãos dadas, por cima da fogueira. Essa mesma ocasião acontecia para as senhoras e os senhores que desejavam ser compadre e compadre. Esse ritual tradicional aos pés das fogueiras, geralmente acontecia entre seis e oito da noite, pois quando havia próximo onde moravam algum forró programado para esse dia, as famílias deixavam suas fogueiras queimando o resta da noite, já que muitas se deslocavam até o local do forró para se divertir, dançar e festejar São João.
A fogueira era no passado um elemento simbólico entre todos os momentos culturais das festas juninas. Com o passar do tempo, a falta de respeito e a descaracterização da cultura junina durante o São João, ofuscaram o seu brilho e a sua importância nesse período festivo do povo. A começar pela ligação da fogueira com o desmatamento. Depois com o falatório dos órgãos ligados a saúde pública, afirmando que esse procedimento era prejudicial à saúde das pessoas que sofria doenças respiratórias, também que as fogueiras poluíam o meio ambiente com suas fumaças e finalmente, que as fogueiras estavam aumentando o número de queimados nos hospitais públicos.
Tudo isso foi apagando as tradicionais fogueiras do mês junino, culminando com a sua proibição nas cidades, nos vilarejos e povoados, pela marcação cerrada do IBAMA, a quem desobedecia às normas impostas pelo órgão nesse período. Depois passaram a agir na zona rural, onde a tradição era mais fechada e cultuada. Da mesma forma aconteceu com os festejos, que praticamente estão proibidos, atendendo pedidos da sociedade protetores de animais, por achar que os barulhos dos fogos afugentavam o comportamento dos animais e, a suposta justificativa, que também nos hospitais o número de vítimas fogos de artifícios estava ficando cada vez maior todo ano.
Junto a todo isso, se ver correndo por fora, o desespero da tradicional cultura nordestina, que sem força diante da bolha explosiva dos ritmos urbanos, declaradamente representada pela indústria cultural, perde a cada festa junina o espaço reservado de direito ao autêntico forró raiz - de pé de serra, para outros ritmos vindos do Sul, desconexos e antiquados para o contexto junino do nosso São João. Eu nasci e cresci no meu lugarzinho, no Sítio Catolé, em Cajazeiras, fazendo e vendo os outros fazerem fogueiras do São João e nunca vi ninguém se queimar ou ser queimado nas fogueiras que fazíamos. Também não via e nem ouvia pessoas se queixarem das fumaças dessas fogueiras.
Até porque, o prazer de viver uma tradição tão bonita como é o São João; com tudo que ele nos proporciona; a sua musicalidade, as brincadeiras, os festejos, o congraçamento, as comidas típicas, as cores, a cultura, arte e a simbologia, nunca houve no passado, no tempo da minha infância, espaço para reclamação que alardasse fatos de que pessoas foram vítimas de queimaduras ou tiveram crises asmáticas por contas das fumaças das fogueiras de São João.
Portando, é cabível arriscar uma reflexão, a de que esse falatório afirmando que as fogueiras trazem problemas para segurança e saúde das pessoas. Não é bem assim. Pode até trazer, mas também não passa de argumento de gente de cidade grande, que não viveu ou nunca conheceu as verdadeiras tradições juninas do nosso povo. Que infelizmente a cada ano que passa, vai esfriando, desaparecendo ou sendo substituída por outras culturas que não é a junina e nem tem ligação com a cultura nordestina.
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