Francc
Neto
O que
emerge nessas imagens não é apenas forma, cor ou matéria: é o rumor de uma
ontologia própria, uma poética que se constrói como quem descobre o subterrâneo
da existência. A série parece nascer de um lugar onde o grotesco e o sublime
não se repelem, mas se enlaçam em tensão vital - a ferida que se abre é também
claridade.
Há
aqui um jogo contínuo entre peso e leveza, concreto e sombra, vermelho e
silêncio. O vermelho não é cor, é pulsação: arde, sangra, denuncia o instante
em que a arte se aproxima da carne. O branco não é neutralidade: é vigília, é o
campo onde se gravam os choques, onde o excesso encontra seu repouso
provisório. Entre os dois, insinuam-se restos de metálico, de ossatura, de rosa
cansada - como se tudo fosse testemunho de um corpo maior, um corpo-mundo que
resiste à decomposição.
Ontologicamente,
essas obras não buscam representar, mas instaurar. São acontecimentos mais que
imagens, são estados de ser. Cada peça carrega uma lembrança fossilizada, mas
também um grito contemporâneo. Há nelas uma arqueologia do presente: resíduos,
fraturas, concreções que nos fazem pensar naquilo que permanece mesmo quando
tudo parece se desfazer.
O
grotesco que atravessa a série não é niilista; é um grotesco fecundo, que
descobre beleza nas ruínas. Essa estranheza não repele - seduz. O olhar é
capturado, não pelo conforto, mas pelo desconforto que revela, pelo excesso que
nos obriga a pensar: o que somos diante do que resiste em nós e fora de nós?
Entre
o Abismo e a Carne propõe, assim, não uma narrativa, mas uma condição: a de
permanecer diante do irrepresentável, de suportar o peso do indizível e ainda
assim extrair dele poesia. É um convite à vigília estética, à experiência
radical de olhar e deixar-se olhar pelo que excede o humano, mas só se
manifesta no humano.
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